A hipnose é uma técnica muita antiga e quanto ao uso da hipnose ela perde-se nas brumas dos tempos, já que existe registo do seu uso no controlo da dor e de outras maleitas no antigo Egito, Suméria e na antiga Grécia. Importa dizer que a hipnose é reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) que classifica a “hipnoterapia como um instrumento viável no controlo e modulação da dor, no tratamento de diversas doenças crônicas e de caráter emocional” (OMS). A hipnose é uma técnica válida e comprovada cientificamente, por isso é reconhecida e recomendada pela APA, OMS e pelos principais órgãos de saúde do mundo

Oficialmente, o recurso à hipnose na profilaxia e controlo do parto, acontece em 1902, na Rússia. O médico russo Nikolaev colocou 28 mulheres sob hipnose para ter um parto sem dor. Por essa altura, também Ivan Pavlov, autor da Teoria dos Reflexos Condicionados, percebeu que as mulheres que foram psicologicamente preparadas antes do parto com a hipnose, poderiam ter um parto sem dor. Graças à pesquisa de Pavlov sobre os reflexos condicionados e que foram adaptados para obstetrícia, as mulheres russas estavam a dar à luz sem dor e estes conhecimentos podiam ser transferidas para outras mulheres. O Método do Parto Psicoprofilático, desenvolvido por Velvoski foi introduzido em França em 1951 pelo médico francês, Fernand Lamaze, que visitou a Federação Russa e mais tarde criou o Método Lamaze: profilaxia para um parto sem dor. Este método ainda hoje é aplicado, pois a descoberta da natureza psicológica da dor, ou seja, como ela influencia a condição física do ser humano, parte dos conhecimentos anatomofisiológicos do sistema nervoso, nomeadamente do efeito de inibição cortical. Na europa o conceito de se usar hipnose no parto é antigo. No livro, Parto Sem Medo, de 1933, o médico britânico Grantly Dick- Read, concluiu que o medo e a tensão são responsáveis por 95% das dores do parto, que poderiam ser eliminadas com técnicas de hipnose e relaxamento profundo. Mas foi a médica americana Michelle Leclaire O’Neill, que introduziu o termo “hypnobirthing” (hipnoparto), devido à necessidade de várias mulheres “resgatarem a normalidade do que era parir”, numa época em que, nos Estados Unidos, o parto implicava serem sedadas e o bebé ser removido por médicos usando ventosas ou fórceps. Conclui-se que um parto sem dor, a sua manifestação, o seu caráter e a intensidade da dor dependem do sistema nervoso e da relação entre o córtex cerebral frontal e sub-córtex. E estes mecanismos encefálicos podem ser inferidos com uso da hipnose.

Em que consiste?

Basicamente o Hipnoparto é um conjunto de técnicas hipnóticas que permitem a educação e preparação psicológica para um parto sem dor. Usamos do transe hipnótico porque produz um estado muito agradável e descontraído de paz interior, inibe a dor e que facilita o nascimento e um parto feliz. Desse modo, o protocolo Hipnoparto faz uso da utilização de técnicas hipnóticas na preparação para o parto e para a maternidade. Seja através do controlo do medo, da ansiedade e do sofrimento psicológico e físico, que a gravidez e o parto podem originar, neste caso a hipnose é realmente muito eficaz. 

Todos sabemos que o parto sempre foi associado ao medo e imaginação de situações aterrorizantes alimentados pela cultura popular. Com o recurso ao Hipnoparto a parturiente vai experimentar o parto numa atmosfera absolutamente diferente de relaxamento calma, livre do medo que impede os músculos do seu corpo de funcionar desadequadamente. Neste estado de calma, relaxante natural do seu corpo, as endorfinas, substituem as hormonas do stresse que normalmente contraem os músculos envolvidos no trabalho de parto e causam dor. Isso facilita o processo de expulsão do feto, ajuda inerente aos ajustes do período de pós-parto, promove o incremento do leite materno e a memória positiva da experiência materna. Obviamente, um parto saudável e feliz permite idealizar realidades desejáveis e positivas projetando-os para o futuro.

Qual a altura ideal para a aplicação do protocolo de hipnoparto?

O protocolo Hipnoparto pode ser introduzido em qualquer altura no decorrer do período pré-natal até ao nono mês de gestação. O reforço da técnica pode ser complementado com o ensino da auto-hipnose, já que um dos aspetos fundamentais da hipnose é que ela pode ser ensinada ao paciente para que ele possa entrar em estágios naturais de transe em momento oportuno. A hipnose é uma ferramenta que deve ser usada dentro de um processo terapêutico muito mais amplo e em complementaridade com outras especialidades. Não obstante, a preparação para o parto e os reforços das técnicas de hipnoterapia podem ser utilizados em qualquer fase da gravidez, no trabalho de parto e no puerpério. Uma vez obtido o transe, no qual se pode fazer as sugestões positivas e trabalhar com a imaginação guiada, o profissional pode iniciar a orientação preparatória para o parto feliz. Para tal utilizam-se vários tipos de padrões hipnóticos e a sugestão adequada ditada pelas necessidades da grávida e pela indicação clínica do seu médico assistente. No caso de a grávida apresentar alguns sintomas como ansiedade, lombalgias, poliúria, edema dos membros inferiores, indisposição, insónias, etc., a hipnose pode ser utilizada, para além da preparação para o parto, no controlo e atenuação destas manifestações clínicas. 

Quais as vantagens? 

Durante o parto: As vantagens do uso das técnicas de hipnose na preparação e durante o parto são inúmeras. Entre outras, o uso da hipnose permite a diminuição da tensão, do medo, da ansiedade, da angústia e, por isso mesmo, diminuir a ansiedade de dar à luz. Mas não somente, ela também ajuda: no controlo do medo, tensão e dor durante todo o parto; diminui no tempo de recuperação; aumenta a resistência à fadiga; diminui o risco de anoxia fetal; uma menor incidência do parto distócico. Por fim, a hipnose é um recurso terapêutico natural e valioso, especialmente no caso em que a grávida apresente transtornos de ordem psicossomática. 

Durante a gravidez: As técnicas de hipnoterapia podem ser usadas em qualquer fase da gravidez, parto e pós-parto. A hipnose pode ter um papel preponderante no controlo da ansiedade facilitando o relaxamento e a calma necessária durante toda a fase da gestação até ao trabalho de parto. Um dos aspetos fundamentais do uso da hipnose é que o transe é ensinado à futura mamã, por forma a produzir estados de calma e tranquilidade.  Por sua vez, o transe cria um estado muito agradável e descontraído de paz interior, e que facilita a preparação natural do nascimento do bebé. Outras das vantagens para o parto com o recurso à hipnose é na modulação e controlo da dor, já que o transe hipnótico cria um relaxamento vaso-esquelético-muscular o que irá facilitar as contrações. 

Todas as mulheres podem ter um hipnoparto?

Em princípio sim! Salvo algumas poucas exceções. Contudo, quando estamos perante uma parturiente saudável psicologicamente o método Hipnoparto pode e deve ser aplicado a qualquer tipo de mulher. Atente-se que a hipnose é um fenómeno natural e que acontece de forma espontânea algumas vezes ao dia. O condicionamento hipnótico nada mais é do que usar padrões de linguagem e sugestões hipnóticas para o relaxamento e diminuição da ansiedade, sugestões de facilitação do parto eutócico, fácil, rápido e agradável, facilitando a redução do tempo de recuperação e recordação positiva deste processo. São ainda utilizadas técnicas de Imaginação Ativa para o estabelecimento de contacto e vinculação com o bebé e para a estimulação e incremento da amamentação. Este tipo de sugestões para além de inócuos são benéficas em qualquer tipo de parto.  

Existem contra-indicações?

A hipnose é uma técnica natural, mas como qualquer método também têm algumas limitações. A hipnose pode ter um efeito errático e imprevisto em pessoas com alterações da personalidade limítrofe e/ou ego deficitário. Por exemplo, deve ser evitada em pacientes com características psicóticas, neuróticas ou esquizoides. 

Importa dizer que a hipnose não é sono, pelo contrário, durante a hipnose a pessoa encontra-se muito mais alerta mentalmente do que em estado de vigília. É um estado de alta concentração, porém, o corpo geralmente encontra-se extremamente relaxado e por isso dá a impressão que a pessoa dorme. Por exemplo, quando entro em devaneio ou sonho acordado, quando lei um livro ou vejo um filme estou em auto-hipnose. Aliás, a natureza dotou os nossos cérebros com a capacidade de entrar em transe hipnótico e sair do mesmo de forma espontânea e natural. 

Vantagens

Praticantes Hipnoparto podem ser encontrados em mais de 45 países em todo o mundo. Por exemplo, o sistema público de saúde britânico, o famoso NHS, oferece cursos de auto-hipnose a mulheres grávidas como uma forma de aumentar o número de partos naturais (sem uso de anestesia) e dessa forma reduzir custos. O HypnoBirthing Institute®, fundado por Marie Mongan, em 1989, no Reino Unido, forma e divulga a hipnose em termos internacionais para que mais pessoas a ele possa recorrer. A hipnose clínica tem sido usada em Obstetrícia há décadas e os resultados práticos, coadjuvados com inúmeros resultados de investigação científica, são unânimes em aconselhar o seu uso. Na realidade, o conceito de Hipnoparto é um "renascimento" da filosofia do parto como existia há milhares de anos e como foi recapturada no trabalho do Dr. Grantly Dick-Read, um obstetra inglês que, na década de 1920, foi um dos primeiros clínicos a divulgar o conceito de parto natural. Atualmente hipnoterapeutas estão a ensinar com sucesso as mulheres e os seus companheiros a recorrer a um parto natural, para confiar na sabedoria do corpo no nascimento, e liberar todos os medos e pensamentos limitantes. O método ensina que, na ausência de medo e tensão, ou circunstâncias médicas especiais, a dor intensa não precisa ser um acompanhamento do parto, é realmente possível dará à luz sem dor com a hipnose. Como refere a diretora do HypnoBirthing Institute®, Marie Mongan: "Quando mudar a sua forma de ver o nascimento, a maneira como você vai nascer vai mudar.” (Marie F. Mongan, 2012)

O uso da hipnose é seguro?

Como já foi referido a OMS considera a hipnose clínica uma terapia válida e recomenda-a em diversos tratamentos, por outro lado, a Ordem dos Psicólogos recomenda o uso da hipnose como mais uma ferramenta ao dispor dos profissionais, a congénere Ordem dos Enfermeiros, através do Colégio da especialidade, emitiu um livro de bolso sobre essa temática, onde inclui a possibilidade de uso de várias técnicas, incluindo hipnose seja no controlo da dor assim como no parto. Outro exemplo do reconhecimento do uso da hipnose em ambientes de saúde é dado pela Direção Geral de Saúde (DGS), numa missiva aos seus profissionais médicos, em 2014, a tutela aconselha o uso da hipnose no controlo da dor e, passo a citar: «a hipnose e a meditação podem aumentar os níveis endógenos de endorfinas e atuar sobre os mecanismos cerebrais de controlo da dor» (ORIENTAÇÃO - DGS. 2014. Intervenções Psicossociais; ponto c). Portanto, creio que uma maior divulgação da técnica e a sua introdução nos cuidados de saúde primários, nomeadamente em áreas como a obstetrícia os benefícios seriam imensos. Seguramente, com resultados francamente positivos para a parturiente e com poupanças de recursos assinaláveis para o Sistema Nacional de Saúde.

Um artigo do neuropsicólogo e hipnoterapeuta Alberto Lopes.