As hemorróidas são uma estrutura normal do ânus, presentes no indivíduo normal desde o nascimento, constituídas por tecido conjuntivo e fibro-elástico extramente vascularizado.
Dividem-se em hemorróidas internas, e hemorróidas externas que são no caso destas cobertas por pele da margem anal e se manifestam após evolução da doença, pois estão em ligação íntima com as hemorróidas internas.
O tecido hemorroidário contribui em cerca de 30% para a continência anal e mais importante ainda comporta-se como um "tampão" adaptável, que assegura o encerramento completo do ânus e impede a fuga de gases e líquidos.
Quando dão sintomas por questões vasculares ou por laxidão dos tecidos, dão origem a dor com inchaço, perdas de sangue ou prolapso, falamos então de doença hemorroidária.
A doença hemorroidária é extremamente frequente na população adulta, sendo rara na infância. A prevalência da doença hemorroidária embora elevada é de difícil avaliação, com resultados algo díspares, atingindo no Ocidente cerca de 3/4 da população. Não existe diferença de incidência entre sexos, surgindo habitualmente na 3ª década de vida, atingindo um pico entre os 45 e os 65 anos.
Sintomas e avaliação clínica
Os principais sintomas de doença hemorroidária - nomeadamente rectorragias, prolapso, dor, edema e prurido - devem ser avaliados de acordo com a sua duração e severidade, no sentido em que possam perturbar a qualidade de vida do doente.
Os hábitos intestinais e a quantidade de ingestão de alimentos com fibra na dieta, bem como o tipo de profissão ou outras atividades são importantes. A história familiar, em particular nos doentes com rectorragias, no que concerne aos antecedentes de neoplasia colorectal, é crucial para determinar a necessidade de investigação total do cólon.
O exame físico inclui obrigatoriamente a inspecção anal, o toque rectal, a anuscopia e a rectoscopia.
A avaliação completa do cólon, habitualmente por colonoscopia, está claramente indicada em doentes com perdas de sangue ou anemia, e sobretudo com idade maior ou igual a 40 anos, e em particular com história familiar de adenomas ou cancro colorectal.
Tratamento médico conservador
A manipulação dietética consistindo na ingestão adequada de fluidos e alimentos ricos em fibra é o tratamento inicial da doença hemorroidária, no sentido de evitar a obstipação.
A utilização de medicamentos venotónicos, nomeadamente os flavonóides purificados, micronizados, têm sido objecto de ensaios que avaliaram a sua eficácia no controlo de rectorragias e proctalgia, melhorando esta sintomatologia.
Os medicamentos analgésicos e em particular os anti inflamatórios não esteroides estão indicados na presença de trombose hemorroidária, sobretudo quando existe edema associado.
Existe uma grande variedade de tratamentos tópicos que habitualmente contêm anestésicos locais, corticoides, bismuto, e agentes vasoconstritores. Podem ser úteis no alívio sintomático do desconforto e da dor, não tendo qualquer ação sobre a eventual melhoria da doença. O seu uso prolongado é desaconselhado.
Tratamento médico instrumental
Não existe correlação anatomoclínica na doença hemorroidária. Os sinais funcionais e consequentemente a sintomatologia são muitas vezes independentes do aspecto anatómico.
O tratamento da doença hemorroidária dirige-se apenas à doença sintomática, sem qualquer objectivo cosmético, e deve ser efetuado logo que comecem os sintomas de modo a que o mesmo se acabe por tornar mais simples e melhor tolerado. A evolução da doença leva a maiores dificuldades no tratamento, com um maior desconforto nas opções terapêuticas disponíveis.
O tratamento instrumental aplica-se exclusivamente à terapêutica das hemorróidas internas. O seu objectivo consiste na criação de fibrose cicatricial que fixe a mucosa aos planos profundos , determinando a redução do volume hemorroidário e da sua vascularização em excesso . O tratamento instrumental embora invasivo é um tipo de terapêutica conservador em relação à cirurgia, muito bem tolerado e eficaz, mesmo que de modo temporário, não condicionando marcada alteração anatómica e consequentemente funcional.
Existem vários tipos de intervenção no tratamento ambulatório e instrumental da doença hemorroidária que incluem:
- Escleroterapia
- Fotocoagulação por infravermelhos
- Laqueação elástica
Nas hemorróidas de grau I a III, o tratamento instrumental deve ser proposto antes de considerar uma terapêutica cirúrgica, pese embora o facto de que a longo prazo (mais de quatro anos), a laqueação elástica perde alguma eficácia em relação à terapêutica cirúrgica como é o caso da hemorroidectomia.
A opção esclarecida do doente é importante na decisão terapêutica. Com efeito, é sempre possível na doença hemorroidária, em caso de falência inicial de um tipo de tratamento instrumental, optar por outro tipo de solução terapêutica, nomeadamente cirúrgico.
Tratamento cirúrgico
O tratamento instrumental da doença hemorroidária está contraindicado em presença de hemorróidas circulares (prolapso rectal mucoso, circular, associado), com prolapso permanente (grau IV), ou com trombose.
Nos casos de prolapso irredutível, circular ou em caso de falência do tratamento instrumental, deve ser adoptado o tratamento cirúrgico por hemorroidectomia, que consiste na excisão das porções hemorroidárias causadoras de sintomas ou por técnicas que procurem reduzir o volume hemorroidário através da fixação aos planos mais profundos, como a hemorroidopexia. A evolução das técnicas cirúrgicas permitem hoje em dia um maior conforto no pós-operatório e uma recuperação mais rápida.
Um artigo do médico João Ramos de Deus, gastroenterologista e membro da Sociedade Portuguesa de Coloproctologia.
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