Tal como no caso do cabrito, há uma receita preparada na Beira com o bucho da cabra ou da ovelha que é semelhante a outras que se fazem em países do Mediterrâneo, como a Espanha, a França, o Líbano e a Turquia, o que nos faz pensar numa matriz culinária comum. Falamos dos maranhos, uma espécie de enchido fresco recheado com carne de caprinos ou ovinos e alguns produtos do fumeiro, arroz e uma quantidade apreciável de ervas aromáticas, sobretudo hortelã.
Tradicionalmente os maranhos faziam parte das ementas dos casamentos e dos batizados, das festas de aldeia e das celebrações do calendário litúrgico. Mas não só: também serviam para reforçar a dieta em dias de trabalho agrícola mais exigente, como a pisa das castanhas, a malha dos cereais ou a grama do linho.
Hoje perderam muito do seu carácter ritual e comem-se em qualquer altura, mas talvez tenha sido a melhor maneira de dar continuidade a uma tradição que, de outra forma, corria o risco de se perder.
Agora podemos encontrar maranhos nalguns restaurantes beirões, que continuam a confecioná-los corretamente com o bucho da cabra ou da ovelha e não com tripa sintética, que os adultera e descaracteriza. Os buchos utilizados não devem ser de animais jovens, mais finos e frágeis e com maior tendência para rasgar.
Os maranhos são um exemplo da arte de aproveitar ao máximo os recursos e de conferir a produtos à partida menos nobres, como as vísceras dos animais, a qualidade de ingrediente emblemático de uma receita de festa.
Um prato de substância cuja receita nos é deixada Maria Odete Farinha, da Sertã. Uma preparação onde não pode faltar uma tesoura, uma agulha forte e linha grossa.
Comecemos pelos ingredientes:
1 bucho grande de cabra ou de ovelha*
1,5 kg de carne de cabra ou ovelha
200 g de presunto
200 g de toucinho entremeado
1 chouriço de carne
1,2 kg de arroz
2 dentes de alho
1 bom ramo de hortelã
2 dl de vinho branco
2 dl de azeite
1 limão
1 laranja
Noz-moscada q.b.
Sal q.b.
Passemos à confeção:
Cortam-se todas as carnes em pedaços pequenos e colocam-se num recipiente. Reserva-se o courato do toucinho e do presunto. Tempera-se com sal, noz-moscada e vinho branco e mistura-se bem. Junta-se a hortelã picada, rega-se com um pouco de sumo de limão e deixa-se repousar durante uns minutos.
Entretanto, coloca-se o bucho (“bandoga”) num recipiente e salpica-se com uma mão cheia de sal grosso. Juntam-se-lhe rodelas de laranja e de limão e esfrega-se bem pelo “direito” e pelo “avesso» (a parte mais crespa). Passa-se o bucho por água corrente e raspa-se com uma faca, também de ambos os lados, até se eliminarem todos os resíduos e gorduras, mas com o cuidado de não o rasgar. Corta-se em pedaços de tamanho semelhante que depois se cosem com linha e agulha, para formar saquinhos.
Para terminar a preparação do recheio, deita-se o arroz num recipiente, rega-se com o azeite, mexe-se e mistura-se com as carnes, envolvendo bem todos os ingredientes. Se ficar seco, acrescenta-se mais um pouco de vinho.
Com este recheio, enchem-se os saquinhos até um pouco mais de meio, deixando espaço para a dilatação do arroz, e cosem-se as aberturas com linha e agulha. Os sacos devem ficar bem fechados, para não lhes entrar água durante a cozedura. Deixam-se repousar umas horas, ou de um dia para o outro, para que os sabores se misturem.
Na altura de cozer os maranhos, coloca-se uma panela ao lume com bastante água, juntam-se os couratos do toucinho e do presunto, um pouco de azeite, hortelã e sal. Quando começar a ferver, introduzem-se os maranhos e deixam-se cozer durante cerca de uma hora e meia. Escorrem-se e servem-se quentes, cortados às rodelas ou talhados em cruz, com um acompanhamento de legumes cozidos ou salada. Em certas localidades, depois de cozidos, os maranhos vão a forno muito quente para alourar.
Este artigo é transposto da página do projeto MEMORIAMEDIA. Uma iniciativa que arrancou em 2006, tendo como objetivos o estudo, a inventariação e divulgação de manifestações do património cultural imaterial: expressões orais; práticas performativas; celebrações; o saber-fazer de artes e ofícios e as práticas e conhecimentos relacionados com a natureza e o universo.
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