“São rosas senhor, são rosas!”. Terá assim, de acordo com a lenda, respondido a rainha Dona Isabel ao rei D. Dinis quando, certo dia, foi apanhada com o regaço carregado de pães para distribuir aos mais pobres. Acrescenta a história que Dona Isabel ao revelar o conteúdo do regaço terão brotado rosas do interior, ao invés dos pães. O evento, que ficou conhecido como o “milagre das rosas”, livrou a rainha de embaraços e descansou o rei. Dona Isabel trocava o alimento para o corpo, escasso naqueles tempos de crise, pelas flores, alimento para os olhos. Fosse hoje e, provavelmente, a soberana não se livraria de empecilhos.
Flores comestíveis não são um milagre e rosas, begónias, acácia, anis, camomila, dália, gerânio, jacinto, jasmim, magnólia, margarida, malva, papoila, tulipa, violeta, entre muitas outras espécies tidas normalmente como ornamentais, garantem o seu lugar à mesa, como ingrediente para inúmeras confecções culinárias.
Em Portugal, a inclusão de flores em confecções culinárias tem pouca tradição, quando comparado com países como a França, Itália ou o Japão. O interesse que estas flores suscitam actualmente no nosso país é visto mais como um fenómeno de moda, porque visualmente atraente e “exótico”, do que propriamente como algo que veio para ficar. A produção é, ainda, escassa, e muito canalizada para a restauração.
A oferta comercial restringe-se a algumas superfícies e, opinião partilhada, por diversos especialistas em cozinha, as flores são mais um elemento de composição visual no prato, do que propriamente um elemento de sabor. Seja como for, elas ai estão; flores provocando a cozinha mais tradicional, prontas a novas experiências gastronómicas.
Saber diferenciar:
Embora não se distingam, pelo seu aspecto, das espécies ornamentais, há que saber diferenciar e jamais confundir, as flores comestíveis das restantes. As flores com finalidade puramente decorativa podem ser altamente tóxicas e venenosas, fatais mesmo, em certos casos. Isto porque cultivadas com recurso a produtos químicos, prejudiciais para a saúde. Por seu turno as flores comestíveis resultam de produção biológica, destinada a fins culinários.
Colher flores comestíveis no meio natural deve, desta forma, ser apenas tarefa para os especialistas. Uma actividade que pode ser comparada à colheita de cogumelos pois tal como nestes há que saber conhecer as espécies perigosas e aquelas que se podem integrar na alimentação. Também as flores adquiridas em floristas podem ter químicos nocivos, nomeadamente aqueles que são usados para conservação.
Um bom guia de campo, para reconhecer as flores que vão à mesa, pode ser bastante útil, embora seja difícil encontrar no nosso país bibliografia dedicada ao tema. Podem-se, contudo, apontar muitos títulos interessantes, em língua estrangeira, em matéria de flores comestíveis. “La cuisine en Fleurs”, de Pierre Nolot et Jacquline Jourdan e “Les Fleurs - dix façons de les préparer”, são dois títulos publicados em língua francesa.
Por seu turno, “The Edible Flower Garden” de Rosalind Creasy; “Edible Flowers: A Kitchen Companion With Recipes”, Kitty Morse, funcionam como obras de referência, em língua inglesa, ambas com muitos conselhos e receitas. Mas atenção, mesmo com o guia à mão há que ter em consideração aspectos exteriores à própria natureza de cada espécie.
Não basta à flor ser comestível, é preciso que não cresça próximo a fontes de poluição. Qual é, então, a atitude mais sensata para o consumidor? Procurar as flores comestíveis em locais, se bem que menos bucólicos, mais fiáveis do ponto de vista da protecção e saúde alimentar. Embora não sejam um produto de grande consumo as flores comestíveis embaladas vão surgindo em algumas superfícies comerciais, na secção dos produtos frescos, junto aos legumes.
Neste âmbito, a Loja das Rosas, na rua Tomás Ribeiro, em Lisboa, tem uma oferta bastante interessante, embora não venda flores frescas. Ali vamos encontrar as geleias, os açúcares, os cristalizados, os chás, xaropes e licores, confeccionados à base, essencialmente, de rosas. Os produtos, importados do Sul de França, trazem a marca da cidade de Grasse.
Se a preferência for plantar as suas próprias flores para consumo, uma das opções poderá passar por adquirir as sementes online.
A Jardicentro, loja online de comercialização de sementes de plantas, conta com uma área dedicada às flores comestíveis, actualmente com perto de 30 espécies de plantas. As sementes mais encomendadas são as de amores-perfeitos, chagas, petúnias, primulas e violetas. Estas sementes germinam muito facilmente em substratos de jardinagem. Devem evitar-se os adubos foliares, pesticidas ou outros químicos. Caso se utilizem adubos, devem ser colocados junto ao solo e sem contacto com as folhas ou flores das plantas.
Levar à mesa as flores comestíveis:
As confecções mais simples, como a integração em saladas, estão ao alcance do “comum mortal”, embora exijam alguns cuidados especiais. Estamos a trabalhar com elementos muito frágeis, com um sabor também delicado. Há, assim, algumas regras de ouro a seguir na preparação e confecção das flores que vão ao prato: Ponto número um e incontornável, as flores comestíveis não se podem lavar, quanto muito limpá-las de poeiras com um pincel de cerdas suaves ou pano húmido. Normalmente apenas as pétalas são comestíveis pelo que se deve remover os pistilos e estames.
As flores apenas se adicionam às receitas depois do preparo já ter ido ao lume, pois as altas temperaturas comprometem as características naturais destas espécies. O utilizador deve, igualmente, saber escolher a flor em função do prato que pretende preparar. Há espécies com um sabor mais acre, mais adocicado, mais amargo. Tal como qualquer outro ingrediente, as flores comestíveis têm que ser utilizadas com sensatez.
Regras estabelecidas, chega o momento de integrar as flores nas confecções culinárias. As flores podem ser consumidas em cru, temperadas ou não, e cozinhadas. Podem fazer parte de saladas, entradas, pratos principais e sobremesas. Podem, ainda, integrar licores, vinagre, azeite e outros óleos. Também podem ser cristalizadas e constituintes de pão, bolos, biscoitos, doces, compotas.
Valor nutricional:
Embora as virtudes terapêuticas das flores venham a ser exploradas há muito, o seu valor nutricional não foi, até ao momento, profundamente estudado. O que se sabe é que as flores possuem algumas vitaminas e minerais e têm baixo teor calórico, cerca de 40 calorias por 100 g. Por exemplo, as rosas são ricas em vitamina C assim como o Nastúrcio. Dentes de leão são ricos em vitamina A e C e as suas folhas contém ferro, cálcio e fósforo. Já no que respeita às ditas virtudes terapêuticas há quem reconheça que o amor-perfeito alivia as irritações na pele, enquanto as Capuchinhas possuem propriedades digestivas. Já a flor de Borago é considerada bom expectorante das vias respiratórias.
UTILIZAÇÕES CULINÁRIAS:
Amor-perfeito: Pode ser usado tanto nas saladas como para decorar as sobremesas.
Borragem: As flores, quando frescas, têm um tom azul e, quando mais velhas, passam para rosadas. São usadas em saladas.
Calêndula: As pétalas podem ser misturadas com ao arroz, ao peixe, à sopa, e aos queijos, iogurtes e omeletas, dando uma coloração como a do açafrão. É, ainda, utilizada como corante de manteiga e queijo.
Camomila: Usada para decorar saladas e pratos, assim como para fazer chás.
Capuchinho: Flores, folhas e semente têm um gosto apimentado.
Cebolinha: Usada em saladas.
Cravina: As flores podem incorporar saladas, torta de frutas, sanduíches, e ainda para aromatizar vinagres, açúcar e vinho. Quando açucaradas, podemos enfeitar bolos. O corante extraído é muito usado em confeitaria.
Flor de abóbora: As flores podem ser consumidas fritas, empanadas em ovo e farinha, ou ainda recheada de queijo forte. Combina com sopa.
Girassol: Os botões florais são cozidos, servidos como espargos, e as flores em saladas. Gerânio: Muito utilizado em saladas.
Murta: As suas pétalas podem ser usadas em salada de fruta.
Rosas: Têm inúmeras utilizações. As pétalas conferem um sabor suave até mesmo em pratos fritos, como a tempura de pétalas de rosas, uma entrada a oriental. Rosa de Jericó: Usada em saladas e a cor de vinho para escurecer o vinho.
Viola odorata: Quando fresca acrescenta-se às saladas. Cristalizada é usada para decoração de bolos, pudins e sorvetes.
Verbena-limão: As suas flores são muito usadas para aromatizar vinhos, recheios, aves, conservas e sobremesas, além do seu uso nos licores franceses.
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