
Tão desconcertante como a eterna pergunta sobre a precedência entre ovo e galinha, é todo o imaginário que, desde os primórdios da humanidade, associamos ao alimento. Encarado nesta perspectiva o ovo é muito mais do que um versátil e nutritivo ingrediente culinário, tendo-se tornado, ao longo dos tempos, um símbolo de renascimento, de origem, de fertilidade, ligado a muitas mitologias e religiões.
Vejam-se as inúmeras alusões, histórias, provérbios, celebrações, tradições, em que encontramos o ovo, para reconhecer a forma íntima e inalienável como ele se liga ao nosso imaginário e recua no tempo: Cristóvão Colombo, o homem que alcançou por mar as américas, numa manifestação de engenho e sentido prático empinou o ovo sobre uma mesa, quebrando-o; a Galinha dos ovos de ouro atraiu a cupidez dos que lhe tocavam; pela Páscoa oferecemos ovos coloridos.
Com frequência proferimos ditos populares aludindo aos ovos: ´má galinha, mau ovo`; `não ponhas todos os ovos dentro do mesmo cesto`; `branco é galinha o põe`
Com frequência proferimos ditos populares aludindo aos ovos: “má galinha, mau ovo”; “não ponhas todos os ovos dentro do mesmo cesto”; “branco é galinha o põe”, embora neste último caso também não fosse desprimor ligar a geração do ovo à gansa, à pata, à codorniz, apenas para citar aves que chocam outros tipos de ovos igualmente objecto de consumo. No lote não se incluíram o ovo de avestruz, 12 vezes maior do que o de galinha, ou o de Colibri, com a dimensão de uma ervilha e não mais do que 35 gramas.

Um alimento muito nutritivo
Grandes ou pequenos, de aves, ou mesmo de répteis, os ovos foram desde tempos primordiais apreciados gastronomicamente. Babilónios, Assírios, Egípcios, Bizantinos, Etruscos, Romanos, Saxões, são apenas alguns, entre os muitos povos, que viram no ovo para além do alimento, a ligação ao primordial, à criação e fertilidade.
Fruto da imaginação e da necessidade, o repertório de confecções com ovos, desenvolvido em diferentes épocas e que hoje nos chega à mesa é vastíssimo. Alimento versátil o ovo presta-se a ser mexido, escalfado, quente, cozido, estrelado, feito em tortilha, em omeleta; constituindo ingrediente para milhares de receitas e preparos culinários. O valor nutricional é elevado, através do seu consumo obtêm-se vitaminas A, B1, B2, B12, B6, D3, E, minerais e proteínas fundamentais, estando aconselhado nas dietas das crianças e idosos.
Embora muito provavelmente desconhecessem todas estas qualidades nutritivas do ovo, certo é que os Babilónios os incluíam frequentemente nos banquetes, enquanto bailarinos, bobos, malabaristas, lutadores evoluíam entre os convivas. Os egípcios enriqueciam a massa do pão com ovo. Por volta do século XIV a.C. os Chineses descobriram formas de preservar os ovos enquanto alguns povos do sudeste asiático começaram a fazer criação de aves nesse período.
No próximo oriente, entre os Assírios consta que, aquando da inauguração do palácio de Kalhu corria o século IX a.C., os 60 mil convidados consumiram mais de 10 mil ovos. Menos exuberantes, os Fenícios preferiam os ovos como elemento decorativo utilizando-os, depois de pintados, como recipientes rituais. Quanto ao consumo de ovos por este povo, as investigações arqueológicas não são conclusivas, sabendo-se apenas que aves constavam do repertório à mesa.
Os Bizantinos serviam à refeição ovos dispostos em copos, utilizando colheres de cabo comprido para os consumir.

Alimento predilecto para os Etruscos, povo da Península Itálica, os ovos nunca faltavam à mesa de qualquer banquete, prática que se manteve, mais tarde, entre os romanos que incluíam frequentemente ovos nas refeições do dia-a-dia, assim como nos momentos especiais. A ementa de uma cena, isto é uma refeição em que os homens se deitavam, começava pelo gustatio, cujos dois elementos imprescindíveis eram os ovos e as azeitonas, acompanhados por pão e vinho temperado.
No Norte da Europa, os Saxões criavam verdadeiras hordas de aves domésticas, bastante apreciadas pelos seus ovos e pela carne que forneciam.
O consumo de ovos manteve-se por toda a Idade Média com a cozinha desenvolvida nos mosteiros a incluir dezenas de preparos diferentes com ovos.
A palavra “omeleta” provém de lamela (pequena lâmina) por causa da forma achatada do preparado que se chamava, primeiro, alumelle e, depois, alumette e amolette.
Com o tempo foram-se desenvolvendo as técnicas e os preceitos para confeccionar um bom ovo, com as omeletas a assumiram algum protagonismo. A palavra “omeleta” provém de lamela (pequena lâmina) por causa da forma achatada do preparado que se chamava, primeiro, alumelle e, depois, alumette e amolette. Há quem evoque uma etimologia latina, ovo mellita, isto é, ovos batidos e cozinhados num recipiente de argila com mel, um prato clássico remontando à cozinha romana. A omeleta era já apreciada na Idade Média altura em que era conhecida como arboulastre de ovos. No século XVII uma das mais famosas era a omeleta do Cura, cuja receita com ovas de carpa e atum encantou o gastrónomo Brillant-Savarin.
Pelo século XVIII, diz-se que madame de Pompadour, dama da corte de Luís XV, em França, deliciava-se com as receitas afrodisíacas compostas com ovos.
Com a entrada na era industrial o ovo acabou por entrar na produção gerada pela economia baseada no uso da máquina. As unidades avícolas, antes com carácter doméstico, assumiram um carácter industrial. Por volta de 1890 iniciou-se o congelamento dos ovos.

O “ovo cósmico”
O ovo tendo a conotação de fonte geradora de vida e de origem do mundo tem, desde tempos primordiais, feito parte do imaginário mitológico de inúmeros povos. Celtas, Gregos, Egípcios, Fenícios, Tibetanos, Hindus, Chineses ou Japoneses, geraram a ideia do “ovo cósmico”. Para os Celtas, este seria a representação do Universo, com a gema associada à terra e a clara ao céu. A casca era a esfera celeste e os astros. Já na tradição chinesa, antes da distinção entre céu e terra, o caos tinha a aparência de um ovo de galinha. Ao fim de 18 mil anos o ovo abriu-se, os elementos pesados formaram a terra, enquanto os leves e puros, o céu. Na Índia acreditava-se que uma gansa de nome Hamsa, teria chocado o ovo cósmico na superfície das águas primordiais, dividindo-se em duas partes e dando origem ao céu e à terra. O céu era a clara, a parte leve do ovo e a terra a gema, a parte mais densa. Para a religião Xintoísta, o ovo primordial dividia-se numa metade leve, o céu, e numa metade densa, a terra.
Na tradição chinesa, antes da distinção entre céu e terra, o caos tinha a aparência de um ovo de galinha.
Segundo as doutrinas tibetanas, apesar do ovo não ser primordial, está na origem de uma longa genealogia de antepassados.
Na América do Sul, o grande templo Inca de Coricancha, em Cuzco, possuía como principal ornamento uma placa de ouro de forma ova, ladeada pelo Sol e Lua, apontando, mais uma vez, para uma provável representação do ovo cósmico.
Já os antigos povos pagãos da Europa, por alturas da actual Páscoa, veneravam a Deusa da Primavera, Ostera, (ou “Esther”, em inglês, “Easter” – querendo significar Páscoa) símbolo da fertilidade que segurava um ovo. Deusa e ovo simbolizam uma nova vida.
Estes povos celebravam a chegada da primavera decorando ovos. Mais tarde, na Inglaterra de Eduardo I (900-924), adoptou-se o costume de pintar ovos para oferta pela Páscoa, banhando-os em ouro.
O ovo de Páscoa tornou-se muito popular na corte do Czar da Rússia. Nos finais do século XIX o joalheiro da corte Carl Fabergé, decorava ovos com ouro, cristal e porcelana.
Actualmente, para o povo Libuca, do Congo, o ovo constitui a imagem do mundo e da perfeição, sendo a gema associada à fertilidade feminina e a clara ao vigor masculino. O ovo é, igualmente, encarado como símbolo de prosperidade pelo povo A-Kha do Norte do Laos. Este acredita que sonhar com uma galinha poedeira é sinal de riqueza.
Fonte: Livro "Alimentos com História".
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