A vida é feita de ciclos e, para Mafalda Caldas, um desses ciclos terminou aos 40 anos, quando decidiu abandonar uma carreira consolidada na área de comunicação e formação numa multinacional de cosméticos para empreender no mundo da gastronomia. O catalisador desta mudança? A pandemia e a perceção de que estava pronta para um novo desafio.

"O clique foi quando fiz 40. Eu amava o que fazia, mas senti que estava tudo controlado, que podia fazer aquilo de olhos fechados, que não havia já aquela emoção dos começos."

Durante anos, viajou pelo mundo, formou equipas e trabalhou numa indústria glamourosa, mas que, com o tempo, perdeu o brilho. A pandemia acelerou esta reflexão. A necessidade de trabalhar remotamente e a falta de interação pessoal foram um golpe para a sua paixão profissional.

"Na pandemia, parei de viajar, comecei a dar a formação online. Acho que foram dois cliques na realidade. A idade foi do género: 'Sim, estou a fazer 40, mas ainda não é tarde, ainda posso mudar'."

O clique final aconteceu quando observou um food truck enquanto trabalhava no escritório, durante o confinamento. “Estávamos em plena pandemia, na altura, estava no escritório, na minha vida corporativa, em toda a linha. Já tinha deixado de viajar, nessa altura íamos ao escritório uma vez por semana, de forma rotativa, com os outros colegas, e estava num business park. E nesse business park, todas as semanas, num dia fixo, vêm food trucks. Então nesse dia, num business park completamente vazio, os escritórios todos vazios, havia lá um food truck, de Pad Thai, comida tailandesa.”

Ao experimentar o Pad Thai de um food truck que vinha de Aveiro e se estabelecia em Lisboa durante a semana, Mafalda ficou intrigada com o modelo de negócio e percebeu que aquele formato era interessante e acessível. “Pensei: 'Espera, como assim? Passa a semana? Isso tem de compensar, não é?'."

Embora não soubesse exatamente qual seria o conceito do seu próprio food truck, a ideia de um negócio de comida sobre rodas com baixo custo e flexibilidade atraiu-a. Além disso, ela começou a pensar no que poderia trazer para esse mercado e lembrou-se de um prato que sempre teve um significado especial para ela: o Bacalhau à Brás, um prato simples, mas que trazia consigo um profundo sentimento de conforto e identidade.

“À Brás” sobre rodas. A história de empreendedorismo e paixão do Wonder Braz
“À Brás” sobre rodas. A história de empreendedorismo e paixão do Wonder Braz Denise Sonnemberg

A ideia fez-lhe ainda mais sentido quando “fui com o meu pad thai para o escritório, solitariamente comer, era um ótimo pad thai, estava a saber muito bem, e pensei: mas porquê pad thai? Porquê esta coisa de, nos food trucks, se dar comida internacional às pessoas?”

Com um forte desejo de criar algo seu e de assumir as rédeas da sua carreira, decidiu apostar na gastronomia e lançar o seu próprio food truck, o Wonder Braz, um conceito inovador centrado na técnica do "à Brás". O prato principal? Bacalhau à Brás, claro, um clássico da cozinha portuguesa, presente no receituário português desde o século XVIII, o que reforça ainda mais a sua ligação à tradição e cultura de Portugal, mas adaptado a um formato mais moderno e acessível e que pode ter várias versões.

"Se de um momento para o outro pode mudar tudo, então por que não assumir esse controlo? Decidi: Não pode ser só isto, vou empreender."

Mas porquê este prato? Porque foi o primeiro que Mafalda aprendeu a cozinhar. Tudo aconteceu quando estava a fazer Erasmus em Madrid, com apenas 19 anos, e a mãe deixou-lhe apenas enlatados e uma receita de "comida verdadeira".

De acordo com a empreendedora, o Bacalhau à Brás é um prato muito simples, “mas super português”, e é, para ela, um prato de conforto, que “aquece a alma e o corpo”. No entanto, mesmo sendo um prato simples, “não poderia ser mais identitário e cheio de Portugalidade”, representando a essência da gastronomia portuguesa. Embora seja uma receita que não exija muitos ingredientes, ou é bem feito, ou é mal feito, tornando-o um prato em que a qualidade e a simplicidade são fundamentais.

Além disso, Mafalda comenta que, enquanto muitos food trucks de comida portuguesa focam em pratos mais práticos, como bifanas ou couratos, as versões "à Brás" têm o potencial de serem servidas em qualquer contexto, até “on the go”, de uma forma prática.

Mafalda imagina que, por exemplo, num contexto de business park, onde alguém vai trabalhar e não levou almoço, comer um prato de Bacalhau à Brás seria algo como sentir-se em casa, comer algo que aconchega e dá sustento, exatamente o tipo de prato que quer oferecer com o seu food truck. Assim como aconteceu com ela.

Da paixão à profissionalização

A cozinha sempre foi uma paixão para Mafalda, mas sabia que transformar um hobby num negócio exigia formação. Assim, voltou à sala de aula e estagiou num food truck para aprender as nuances do setor.

"Era hobby e eu decidi profissionalizar-me. Fui adquirir competências nesta área mais específica e realmente fui para a área da gastronomia."

Acredita que cozinhar é um ato de amor e que a comida é uma forma de expressão. Mais do que alimentar, quer criar experiências. "Alimentar os outros é um ato de amor. Dar de comer é a minha 'love language'."

“À Brás” sobre rodas. A história de empreendedorismo e paixão do Wonder Braz
“À Brás” sobre rodas. A história de empreendedorismo e paixão do Wonder Braz Denise Sonnemberg

O Wonder Braz tem como conceito base a versatilidade do "à Brás", permitindo variações do prato com diferentes ingredientes, sendo que além de bacalhau, outras proteínas escolhidas serão o pato ou o caranguejo, o que na opinião da empreendedora, são ingredientes nobres. “Não é paloco, é bacalhau”, diz entre risos.

Menu Wonder Braz

OH MY COD!
Bacalhau à Braz - 10,20€

DUCKALICIOUS
À Braz de Pato: 10,80€

SEBASTIAN
À Braz de Caranguejo - 13,80€

MIX & MUSH
À Braz de Cogumelos Pleurotus (veggie ou vegan) - 9,20€

YUMMY LEEKS
À Braz de Alho Francês (veggie ou vegan) - 8,80€

A ideia é que seja acessível tanto a locais como a turistas, mantendo um preço justo e uma qualidade superior.

O food truck promete flexibilidade, podendo estar em qualquer local, desde business parks a festas privadas, eventos corporativos e saídas de discotecas. "O food truck pode estar em qualquer esquina, pode estar no teu business park, pode estar à saída da discoteca, numa festa privada, numa festa de empresa."

A honestidade num food truck vai ainda mais além, pois, como a Mafalda explica, "o cliente está a ver-te, vê tudo o que tu fazes". Esta proximidade torna a experiência muito mais transparente, onde o cliente não só observa, mas também faz julgamentos, enquanto a refeição está a ser preparada.

A interação direta com o cliente permite, além disso, que o prato seja personalizado, partilhando uma crítica comum dos restaurantes: “Quantas vezes já foste a um restaurante, pediste um Bacalhau à Brás, que é o mais comum, e veio num ponto que não era propriamente aquele que tu adoravas?”

Para Mafalda, "todas as pessoas têm o seu ponto do Bacalhau à Brás", seja mais seco ou mais húmido, e no food truck, isso é possível. Ao contrário de um restaurante, onde muitas vezes não há a oportunidade de pedir ajustes no ponto do prato como fazemos num bife, por exemplo, no seu food truck, garante que a experiência será mais personalizada. "Parte do nosso ritual de venda vai ser esse, perguntar ao cliente qual é o ponto do seu à Brás", o que, acredita, pode inicialmente surpreender, mas é uma forma de tornar o prato ainda mais único.

Esta abordagem não só garante que o cliente se sinta mais envolvido no processo, mas também lhe dá o poder de interferir diretamente na preparação do seu prato, fazendo do Wonder Braz uma experiência verdadeiramente personalizada e ajustada ao gosto de cada um.

Criação de um conceito

O nome "Wonder Braz" foi criado com uma ideia simples, mas cheia de significado. A parte "Wonder" vem de "maravilhoso", e "Braz" foi escolhido com Z, numa homenagem ao português mais antigo, já que a grafia com S também poderia ser usada. A sonoridade do nome, quando dito rapidamente, também remete a "wonderbra" (soutien), o que acaba por trazer uma associação com o universo feminino, algo que Mafalda valorizou na criação da marca.

Queria que o nome refletisse essa identidade de uma mulher, mãe e empreendedora, e ao mesmo tempo transmitisse a ideia de algo especial, algo que fosse positivo e inspirador.

“À Brás” sobre rodas. A história de empreendedorismo e paixão do Wonder Braz
“À Brás” sobre rodas. A história de empreendedorismo e paixão do Wonder Braz Mandël Design Studio

Além disso, o conceito por detrás do nome também foi pensado para passar uma mensagem pessoal. Mafalda destaca que a empresa é, de certa forma, uma representação da sua jornada como "solo mom", uma mãe empreendedora que decidiu mudar a sua vida para deixar um legado para o filho.

As cores e o branding da marca também acompanham essa ideia de feminilidade, com tons mais "girlies", como o magenta, para criar uma identidade visual que estivesse alinhada com a sua própria experiência como mulher e mãe. Dessa forma, o nome Wonder Braz carrega um pouco da sua história e dos seus valores, refletindo a sua visão pessoal de como queria que a marca fosse percebida.

Um negócio feito em comunidade

Para financiar o Wonder Braz, Mafalda apostou num crowdfunding, permitindo que os investidores recebam refeições como recompensa, entre outras. O objetivo é envolver as pessoas na jornada e criar uma comunidade de clientes fiéis.

"Neste momento, eu estou a fazer um crowdfunding, também para envolver as pessoas neste processo", ao explicar que o investimento no crowdfunding funciona como uma moeda de troca, onde os apoiantes podem, com o valor investido, obter uma recompensa na forma de refeições do "à Brás".

Por exemplo, quem investir um valor equivalente a uma refeição poderá ir buscar essa refeição em algum momento. Se o investimento for maior, como no caso de uma família, que invista para cinco pessoas, o apoiador poderá resgatar cinco refeições, que podem ser de sabores diferentes ou até mesmo retiradas em momentos distintos.

Além disso, para investimentos mais altos, há a possibilidade de ter o food truck no evento do investidor, proporcionando uma experiência personalizada e exclusiva.

Mafalda vê isso como uma oportunidade para as pessoas experimentarem o seu prato especial, que tem vindo a aperfeiçoar desde os 19 anos. Com o crowdfunding, não só recebe o apoio financeiro, mas também convida as pessoas a vivenciarem a experiência de provar o bacalhau da Mafalda. A ideia por detrás desta proposta é permitir que as pessoas testem o prato e confirmem se realmente acham que a ideia é boa, como ela acredita firmemente.

As redes sociais serão essenciais para acompanhar o percurso do food truck e descobrir onde estará estacionado a cada dia. A comunicação direta com o público será uma das grandes apostas do projeto.