Pergunte a alguém conhecido o que mais aprecia no peixe. Provavelmente, dir-lhe-ão: “ah, aquele peixinho fresco assado no carvão”, ou “uma bela caldeirada, bem servida de peixes”, ou ainda “um bom bacalhau cozido com todos”. Em suma, dificilmente ouvirá uma frase de apologia aos “olhinhos do peixe”. E, no entanto, em muitas culturas gastronómicas — e Portugal não está isento — os olhos dos peixes são um verdadeiro acepipe. Longe de serem desperdício alimentar, podem até ser sinal de respeito e aproveitamento integral do animal.

Vasculhemos na memória: talvez recorde aquele tio, avô ou mesmo o pai, deliciando-se com a cabeça de um pargo assado no forno, rodeada pelas batatinhas a preceito, que, após limpar a carne do peixe, se atirava com afinco aos olhos. E rematava com uma frase invariável: “Não sabes o que perdes.” E não sabíamos — ou ainda não sabíamos.

Na Ásia, por exemplo, os olhos de peixe são mais do que simples ingredientes: são símbolos de hospitalidade e tradição. Em países como China ou Japão, a cabeça e a cauda do peixe são oferecidas aos convidados de honra, incluindo os olhos, encarados como iguaria rara. Não admira: por maior que seja o peixe, tem apenas dois.

Por lá, são servidos fritos, cozidos a vapor ou mesmo crus, envoltos em molhos aromáticos. Mas não é preciso viajar para tão longe. A Rússia oferece-nos a Ukhá, sopa tradicional de peixe em que cabeças de truta ou bacalhau são fervidas com batatas, cenouras, alho-francês, endro e especiarias. À mesa, degusta-se tudo: carne, bochechas e, claro, os olhos. Em certas regiões do Brasil, as cabeças com olhos são protagonistas de moquecas ou caldos espessos e aromáticos.

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Entre os critérios para escolher bons olhos de peixe está o da espécie: deve preferir-se um peixe ósseo e de corpo robusto — como dourada, robalo, salmão ou garoupa. Grosso modo, quanto maior o peixe, mais generosos os olhos.

E já que falamos de olhos, fique o leitor de olhos postos nas bancas dos mercados. As espécies ósseas distinguem-se pelos grandes olhos laterais e pela ausência de pálpebras. Curiosamente, a ciência acredita que os peixes veem com nitidez apenas objetos próximos, mas detetam facilmente movimentos à distância — incluindo acima da superfície da água. Ainda assim, do ponto de vista gastronómico, a relevância não está na visão, mas na textura e conteúdo dos olhos.

O que têm, afinal, os olhos de peixe?

Cientificamente, o olho do peixe é composto quase inteiramente por uma substância gelatinosa chamada vítreo — 99% da qual é água, e o restante, uma solução de sais, sobretudo cloreto de sódio. É por isso que os olhos têm sabor neutro e textura suave, tornando-se especialmente interessantes quando assados com azeite, cebola, alho, pimento fumado e vinho branco.

Além disso, são surpreendentemente nutritivos. Estudos apontam que os olhos de peixe são ricos em ómega-3, colagénio marinho, vitamina A e vitamina D — compostos importantes para a saúde cerebral, visual e articular. Em algumas cozinhas asiáticas, o líquido vítreo dos olhos é até utilizado como base para engrossar molhos e sopas. No entanto, esse uso é mais tradicional do que eficaz, já que existem espessantes mais práticos.

Uma opção mais interessante e acessível é a preparação de caldos ricos com várias cabeças de peixe, combinadas com tomate, alho, cebola e ervas frescas. Depois de coado, esse caldo serve de base para risotos, massas ou sopas — com o bónus de aproveitar integralmente o peixe, olhos incluídos.

Um caso de olho por olho… de plástico

Em 2018, uma peixaria do Koweit ganhou fama indesejada quando foi encerrada pelas autoridades. O motivo? Os olhos dos peixes à venda tinham sido substituídos por olhos de plástico colados com cola rápida, numa tentativa de simular frescura. O caso tornou-se viral. E, de forma irónica, confirmou o velho ditado: “pelo olho morre o peixe”.

Imagem cedida por Freepik.