Pergunte a alguém conhecido o que mais aprecia no peixe. Provavelmente, dir-lhe-ão, “ah, aquele peixinho fresco assado no carvão”, ou, “uma bela caldeirada, bem servida de peixes”, ou ainda, “um belo bacalhau cozido com todos”. Em suma, dificilmente lhe chegará aos ouvidos uma frase de apologia dos “olhinhos do peixe”. Na realidade, em muitas culturas gastronómicas (não excluamos Portugal), os olhos dos peixes são um acepipe culinário e, estão longe de ser um desperdício alimentar.

Vasculhemos na nossa memória, para trazermos à superfície a lembrança daquele tio ou tia, ou do avô, mesmo o pai, deliciando-se com uma bela cabeça de pargo assado no forno, com as ´batatinhas` a preceito e que, finda a carne da peça que lhe assentava no prato, se atirava com afinco aos olhos, com uma expressão que nos era endereçada: “Não sabes o que perdes”. E não sabíamos.

Aliás, a Ásia faz um verdadeiro festim culinário em torno do olho de peixe onde, o mesmo, conta também com uma história ligada às crenças e tradições. Ali, a cabeça e a cauda dos peixes, são tidas como bom presságio e oferecidas aos hóspedes à mesa, o que inclui os olhos. Estes, encarados como uma iguaria, também por serem mais raros. Por maior que seja o peixe, terá sempre apenas dois olhos.

Um dos princípios elementares na escolha do olho do peixe é o de selecionarmos uma espécie de tamanho robusto. Grosso modo, o olho corresponderá em dimensão ao corpanzil do peixe. Escolha-se um peixe ósseo, ou seja, um grupo vasto já que, nove em cada dez espécies de peixes correspondem a esta categoria. Por exemplo, uma dourada, um robalo, um salmão, uma garoupa, entre muitos outros.

Olho de peixe não é um desperdício. Há mesmo quem lhe chame um acepipe

E já que falamos de olho, fique o leitor de olhos postos nas bancas dos mercados e supermercados.  Visualmente, as espécies de peixes ósseos caracterizam-se por grandes olhos laterais e sem pálpebras. Crê a ciência que, provavelmente, apenas serão capazes de focar com precisão objetos próximos, mas que percebem facilmente movimentos distantes, incluindo acima da superfície da água.

Tenha olho para o peixe fresco com estas 8 dicas infalíveis
Tenha olho para o peixe fresco com estas 8 dicas infalíveis
Ver artigo

Aqui chegados e saltando para a mesa, é momento de aproveitar o que normalmente acaba no lixo, ou antes, ou após o consumo. Não é preciso viajar até à Ásia para encontrarmos os olhos do peixe como delicatesse.

Por exemplo, e numa viagem culinária até à Rússia, peguemos numa sopa largamente difundida naquele país, a Ukhá. Nesta, as cabeças de peixe, por exemplo a truta ou o bacalhau, são servidas num caldo enriquecido com cebolas, alho-porro, batatas, cenouras, pimenta, açafrão, endro e sal.  Uma preparação que não exclui a cabeça do peixe, convidando mesmo, já à mesa, à degustação da mesma, o que inclui os olhos. Isto, sem desmerecer as bochechas do peixe, uma iguaria deliciosa que menosprezamos.

Em boa verdade, a repulsa que nos transmite a ingestão de um olho de peixe, reside mais na sugestão, do que no sabor do mesmo. Olhando para este órgão numa perspetiva científica, o olho do peixe é formado pelo chamado vítreo, uma substância gelatinosa, 99% da qual consiste em água. O restante, é uma mistura de sais dissolvidos (2%), predominantemente cloreto de sódio.

O vítreo, por si só, tem pouco sabor, pelo que a abordagem aos olhos de peixe se faz, normalmente, partindo de uma cabeça assada no forno, com os respetivos condimentos, nomeadamente, azeite, cebola, alho, pimento fumado, vinho branco, sal.

Já uma abordagem culinária mais radical ao olho de peixe, passa por apertar o mesmo, usando o líquido resultante do processo para engrossar molhos e pratos de sopas. Mais uma tendência, pois, para o mesmo resultado, existem espessantes disponíveis que são muito mais eficazes.

Em vez disso, é preferível usar várias cabeças de peixe para fazer um "caldo" de peixe enriquecido com outros ingredientes, como tomate e alho, que, quando passados ​​por um coador, podem servir como ingrediente básico para outros pratos.

Por via das dúvidas e para não se deixar ir à boleia do engano como alguns cidadãos do Koweit, certifique-se da frescura do olho do peixe. Em 2018, as autoridades sanitárias daquele país da Península Arábica, encerraram uma peixaria local. Para melhorar o aspeto do produto, os responsáveis do estabelecimento fixavam olhos de plástico sobre aqueles que a natureza havia tratado de oferecer ao peixinho. A peixaria acabou multada. Caso para dizer, “pelo olho morre o peixe”.

Imagem cedida por Freepik.