Monta-se o cenário, trajam os protagonistas. Os aventais tornam, com artes de culinária, um grupo de jornalistas em aprendizes de cozinha. No caso vertente com sabor e inspiração chegadas do outro lado da fronteira. Sobre as bancadas uns quantos ingredientes, produtos da terra, fazem-nos suspeitar os caminhos que a manhã gourmet levará: um dente de alho, meio tomate a roçar o maduro e um figo fresco, suspeitosamente delicioso, cortado em quartos.

Soa o aviso para a partida. Na próxima hora e meia, no ambiente descontraído do restaurante Quinta dos Frades, em Lisboa, estamos nas mãos e nas explicações de Sergio Perez. O chefe espanhol traz 500 quilómetros de estrada feitos desde Madrid. Uma viagem ibérica que não cansou a boa disposição.

Antes de percorrermos um caminho de sabores embalados por tapas, o momento merece algumas explicações. O workshop tem como mote as Segundas Jornadas Gastronómicas do "Consorcio del Jamón Serrano Espanõl", com palcos montados em restaurantes de Lisboa e Porto. A presença do chefe espanhol serve para demonstrar a versatilidade do Presunto Serrano. Ponto assente: a matéria-prima é nobre e ancestral, com uma essência que repousa na mão de "mestres presunteiros". Hoje os processos industriais não subtraem um saber fazer secular, que remonta ao século II a.C., com os romanos e que se consolidou à mesa da dieta mediterrânica.

Um embalo da história para lançar os presentes nas lides gastronómicas. Começamos com algo simples, com recurso aos ingredientes sobre a bancada. Uma fatia generosa de pão levemente torrado, um dente de alho vestido de casca, esfregado com mão firme sobre o pão. Depois, sobre o alho, uma generosa passagem de meio tomate e, sobre este, uma linha de azeite extra-virgem. Um remate que se faz com uma fatia finíssima de presunto serrano. Prova-se. Os sabores harmonizam-se sem, contudo, perderem o seu carácter. Garante Sergio que ao pequeno-almoço não há melhor.

Está inaugurada a sessão em torno do presunto. Antes de avançarmos impõem-se explicações. Perceber o processo que culmina no produto final. Uma viagem de 18 meses que começa pela estabilização microbiológica do presunto ainda fresco, expondo-o a baixas temperaturas e alta humidade. Vem, depois, a salga. O objectivo: obrigar o sal marinho a conquistar a peça fresca. O resultado é a desidratação da carne e conservação das peças. Segue-se a secagem e maturação. A temperatura é aumentada gradualmente e a humidade diminui. Etapa para a fase final do processo de cura, o envelhecimento.

Tratada a ciência dos alimentos, Sergio avança, de novo, para a prova. Desta feita a proposta faz-se para digestões resistentes. Preparam-se os copos. Vamos beber presunto. Isso mesmo. Um consomé feito à base da lenta cozedura (2 ½ horas) do osso do presunto. O produto final, gelatinoso, é o resultado da proteína. Acompanha-se com um pouco de tomate salteado em açúcar e pedacinhos de presunto. Pede resistência e adaptação.

Prelúdio para sabores intensos. Nos bebíveis segue-se algo próximo ao "gaspacho" (sopa fria). A bebida repousa há algum tempo no frigorífico. No jarro, largo, descansa tomate e pimento assado (na proporção de 3 para 1), pão, um pouco de vinagre e uma quantidade generosa de azeite (uma garrafa de 75 cl, de acordo com o chefe), tudo misturado no liquidificador. Antes de servir, pica-se um ovo cozido (só a clara), juntam-se pedacinhos de presunto e adiciona-se a cada copo.
O resultado é um verdadeiro shot de frescura que comprovamos.

Entretanto, prepara-se nova incursão pelo pão. A reincidência neste alimento transversal a todas as culturas levanta a eterna questão do "engorda, ou não?". "Não", diz Sergio, acrescentando, "se lhe tirarmos a côdea pois não tem água, ao contrário do miolo". O chefe não se coíbe a dicas: "sabem como evitar a indigesta gema com tom acinzentado no final da cozedura do ovo? Não deixar o ovo em cocção mais de 10 minutos".

Vamos, então, ao pão. No caso vertente torrado e cortado em quadradinhos. Sobre este, uma mistura de cogumelos finamente laminados e presunto, antes, salteados por três minutos em azeite e alho. A demonstração faz-se pela mão de chefe.

Chegada a vez dos aperitivos o protagonismo passa, de novo, para os participantes: pega-se num palito de aperitivo, pincela-se uma das pontas com uma mistura de mel dissolvido num pouco de água. Rola-se o extremo do palito sobre uma fatia fina de presunto. O que temos? uma guloseima de presunto. Abre-se campo para sabores mais doces com algumas variações sobre propostas conhecidas. Vamos por partes a este remate final:
- Pegando no quarto de figo fresco, enrola-se uma fatia de presunto em torno. Prende-se com um palito. A combinação resulta perfeita.
- Corta-se a polpa de uma meloa em quadradinhos. Deixa-se a marinar 30 minutos em vinho do Porto. Junta-se a cada pedaço de fruta uma tirinha enrolada de presunto. Prende-se com um palito e está pronto a servir.

Jorge Andrade