O consumo e a forma como se olham para os produtos está, aos poucos, a mudar. Impulsionado por uma pandemia ou simplesmente pela vontade de fazer diferente, as coisas vão mudando nas cozinhas dos restaurantes em Portugal.
A propósito do Dia Internacional da Consciencialização Sobre Perdas e Desperdício Alimentar, que se assinalou a 29 de setembro, o Bahr & Terrace, no Bairro Alto Hotel, convidou um grupo de jornalistas para se sentar à mesa e embarcar numa experiência gastronómica que pretendia refletir a génese deste dia.
O conceito, desenvolvido pelo chef Bruno Rocha, responsável pela direção de restauração e bebidas, depois da saída do chef Nuno Mendes, em junho passado, apresentou um pouco do trabalho que o espaço tem vindo a desenvolver nos últimos dois anos, na questão da sustentabilidade.
Um dos exemplos aconteceu no prato de imperador, em que um dos componentes partiu de uns pimentos assados, que tinham um objetivo diferente do resultado final. “Os pimentos foram assados para uma salada, no refeitório, para o staff. E com a água dos pimentos assados fizemos um prato para vos apresentar. Foi exclusivo para vocês, mas podia muito bem ter sido para um prato de almoço para o menu”, explica o chef Bruno Rocha.
A cozinha aberta para a sala, separada apenas por um balcão de mármore, reflete o conceito do restaurante em que nada há a esconder, sobretudo numa cozinha de um hotel de cinco estrelas, cujo preço médio, sem bebidas, ronda os 50€.
Já dizia Lavoisier que “na Natureza nada se cria e nada se perde, tudo se transforma”. Uma máxima deste almoço. “Cabe-nos a nós, de uma forma criativa, consciente, sempre com base no receituário português e com alguma influência japonesa, que é o registo matriz do projeto, poder incluir o reaproveitamento de ingredientes nos nossos menus durante a semana”, complementa o chef.
A inspiração japonesa vê-se nos pratos servidos, nomeadamente a entrada de niguiri de cenoura. A sustentabilidade à mesa está nos pormenores das diversas iguarias que vão surgindo. E a carta de vinhos acompanha este pensamento.
“A ideia do Bairro Alto Hotel é a sustentabilidade e o respeito pelo meio ambiente, ajudando os pequenos produtores”, explica David Rosa, sommelier do hotel, acrescentando que apesar de esta ser a matriz, o conceito não é imposto e há outras opções que não apenas vinhos naturais e vegan.
A escolha é feita sobretudo a pensar no vinho por si, e não em regiões ou enólogos. “O que nos interessa essencialmente é a qualidade e o estilo de vinho e se encaixa com a carta elaborada pelo chef Bruno Rocha. Tem de haver essa sinergia, obrigatoriamente, entre a cozinha e a sala”, acrescenta.
O gosto de quem visita o espaço assim como dar a melhor experiência possível na combinação com o prato estão por detrás das escolhas da dupla de sommeliers – David Rosa faz par com Vasilii Grebencea – numa carta que conta com cerca de 100 referências em vinho, portugueses e não só.
“A nossa carta é muito orgânica. Procuramos todos os dias coisas e produtores diferentes, técnicas e estilos diferentes para que quem nos visita mais habitualmente tenha sempre uma novidade”, explica David Rosa.
“Cada vez há uma maior consciencialização, não só da parte do produtor, mas também do consumidor final em procurar este tipo de vinho. Começou muito pela curiosidade”, acrescenta, curiosidade que tem levantado cada vez mais questões sobre o que é um vinho natural ou vegan.
Uma mudança de dentro para fora
Bruno Rocha é perentório ao dizer que não acredita no desperdício zero a 100%, mas que trabalha no sentido de tentar minimizar as perdas, ao mesmo tempo que respeita o ciclo e sazonalidade dos produtos. É um desafio diário e uma máxima que quer passar ao consumidor final.
“Se alguém chegar aqui em dezembro e me pedir cerejas, eu não vou ter. Assim como frutas tropicais. Portugal não tem frutas tropicais sem ser a banana da Madeira ou o ananás dos Açores. Não me peçam mangas ou papaias porque isso não é o registo em Portugal”, declara.
Outra coisa que o Bairro Alto Hotel não tem nos seus menus são abacates devido à sua pegada ecológica. “São coisas que nos preocupam, é responsabilidade social”, acrescenta.
Dar a conhecer a matriz da cozinha portuguesa é uma das preocupações do chef, ao mesmo tempo que pretende respeitar os produtores com quem trabalha. Mas o peso das palavras deve ser medido. “Assusta-me quando oiço falar que só se trabalha com pequenos produtores. Já virou moda”, partilha Bruno Rocha.
Sem papas na língua, conclui que “mais vale ser coerente e dizer: tenho desperdício, mas estou a fazer um esforço para ter cada vez menos, tento trabalhar com pequenos produtores e da minha área geográfica, mas nem sempre é possível. Quem tiver esse discurso tem de ter certeza daquilo que está a dizer porque senão estamos a defraudar a expectativa de quem está a ter a experiência”.
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