Uma faixa de território norueguês, a norte do Círculo Polar Ártico, é conhecida como "a muralha". Visto do mar, o arquipélago de Lofoten, uma linha de ilhas com perto de cem quilómetros de extensão, ergue-se das frias águas do Atlântico qual parede rochosa. É ao largo desta região insular, habitada há mais de um milénio, que anualmente se desenrola uma migração marítima esperada pela comunidade de pescadores. Milhões de bacalhaus descem desde o Mar de Barents, a Norte, para desovar nas águas mais quentes de Lofoten.

Olhó Bacalhau
Pastéis de bacalhau com arroz de tomate.

O curto período da pesca do bacalhau dura, ali, entre janeiro e março e constitui, há muito, a par da captura de outras espécies, como o Escamudo, um modo de vida para as comunidades locais.

Uma realidade que Oyvind Jensen, conhece bem. Este norueguês recebe-nos no restaurante que desde o segundo trimestre de 2019 abriu, com a mulher, Katrine Rypeng, na Rua dos Mastros, próximo a Santos, em Lisboa. Chama-se a casa Olhó Bacalhau, conta com ementa assinada pelo chefe de cozinha Luís Gaspar (restaurante Sala de Corte), embora a gestão da copa esteja entregue ao chefe de cozinha Gonçalo Alpalhão.

Olhó Bacalhau

A carta, de feição petisqueira, acaba por ser, para o casal norueguês, a viver em Portugal, a expressão daquilo que é a sua atividade, a de trazer para o mercado nacional o bacalhau pescado à linha, em pequenas embarcações, pelas comunidades de pescadores de Lofoten. Tem marca este “fiel amigo”, chegando ao consumidor em diferentes formatos: À posta, apresentada em saco próprio, pronto para a demolha, à conserva, esta entregue à conserveira portuguesa A Poveira.

Tenha olho para escolher o bom bacalhau. Evite “gato por lebre”
Tenha olho para escolher o bom bacalhau. Evite “gato por lebre”
Ver artigo

À mesa do Olhó Bacalhau, conversamos com Oyvind, enquanto nos são servidos pratinhos de pastéis de bacalhau, uma salada do mesmo com grão, pickles, cebola roxa, assim como um estaladiço snack de pele de bacalhau. Antes, em jeito de boas vindas, um brinde com óleo de fígado de bacalhau, temperado com umas gotas de limão. “Na Noruega é obrigatório bebermos o óleo de fígado de bacalhau ao pequeno-almoço. Compensa-nos a falta de sol no inverno”, sublinha Oyvind.

olhó bacalhau
Pele de bacalhau frita, um snack estaladiço.

O mesmo acrescenta que “não percebo como a pele de bacalhau não faz sucesso em Portugal. Frita é deliciosa”. O norueguês, habituou-se desde a meninice a este petisco. O dono do Olhó Bacalhau nasceu nas Lofoten e recorda uma infância de olhos postos à beira-mar, onde era descarregado não apenas o bacalhau, mas também o escamudo, “que era o peixe que realmente comíamos. Tem um sabor mais intenso. Recordo-me de uma tradição, a de salgarmos o peixe e de o deixarmos em barril por três a quatro anos”.

Para o empreendedor que criou a marca Terra do Bacalhau, rendido ao nosso país, o primeiro encontro com Portugal deu-se “há 40 anos. O meu pai, pescador, viajou desde a Noruega até aos Açores, num barco de fibra de vidro. Levou mais de um mês para chegar aos Açores. Eu ia com ele. Lá [nos Açores], encontrei um mundo exótico. Por exemplo, nunca mais esqueci o odor do alho refogado em azeite, ou o sabor do atum grelhado”.

olhó bacahau
Bacalhau à Brás.

Um fascínio pelo nosso país que não mais deixou Oyvind Jensen. “Em 2001 fui trabalhar para a Norge e fui colocado em Portugal. Ao fim de dez anos de atividade ligado à indústria da pesca do bacalhau pensei, ´porque não iniciar eu um negócio”. Jensen conhecia a matéria-prima, o mercado e, acima de tudo, adorava o nosso país”. O empreendedor havia conhecido, entretanto, em 2007, Katrine Rypeng, a sua atual mulher, também norueguesa.

O projeto tornou-se concretização. Em 2011, Oyvind fundou a sua marca e empresa, a Terra do Bacalhau, tratou de criar canais de fornecimento junto de pescadores das Lofoten. Aí, o Gadus morhua (nome científico do “nosso” bacalhau), “é mantido em salga, coberto com quilos de sal. Depois, o peixe vai para a secagem. Todo o processo pode levar até nove meses”, conta-nos Oyvind no seu português desenvolto.

Olhó Bacalhau
Feijoada de sames de bacalhau.

Já em Portugal, o “fiel amigo” é cortado numa unidade industrial em Aveiro. O mesmo bacalhau que chega ao consumidor com a venda em superfícies comerciais, ou à mesa do Olha o Bacalhau. Restaurante onde cabe, na carta, por exemplo, a Conserva de bacalhau com pimentos de escabeche, a Feijoada de sames (bexiga natatória) de bacalhau ou o Folhado com o fiel amigo.

Olhó Bacalhau

Rua dos Mastros 28, Lisboa

Horário: Das 11h00 às 20h00

Contacto: Tel. 932 679 313

Um espaço que é, a dois tempos, loja – com venda dos produtos Terra do Bacalhau - e restaurante, este com decoração a lembrar-nos o cunho petisqueiro da casa; sem pretensiosismo, mesas e cadeiras em madeira robusta, bacalhaus em cerâmica nas paredes, fotografias que nos recordam tempos idos da saga bacalhoeira em Lofoten e música de toada castiça.

Sublinhe-se que o Olhó Bacalhau tem casa de nome homónimo no Mercado da Ribeira, espaço Time Out, em Lisboa, tendo em diferentes momentos contado com a contribuição das cozinhas dos chefes Vítor Sobral e Hélio Loureiro.