![Miguel Laffan regressa às origens no Intemporal com os olhos numa nova estrela Michelin](/assets/img/blank.png)
Num mundo onde tudo parece correr demasiado depressa, há lugares que nos ensinam a desacelerar. O Intemporal, novo restaurante em Paço de Arcos, é um deles. Aqui, cada prato é uma ode ao tempo: o tempo da terra, o tempo das estações, o tempo da espera que transforma ingredientes em memórias.
Instalado na antiga Casa do Fiscal, um edifício discreto que outrora serviu como ponto de cobrança de imposto sobre o pescado, ou não estivesse mesmo junto à praia dos Pescadores, com vista para a Marginal, o espaço renasce agora com um propósito muito diferente: devolver aos sentidos a atenção que merecem. Com apenas 16 lugares, o Intemporal é um convite à introspeção gastronómica.
O curioso é que este espaço nem sempre esteve destinado a ser um restaurante de fine dining. Trata-se de um projeto da Wellow Network, através de um desafio do Município de Oeiras, que cedeu o espaço, cujo conceito foi desenvolvido pela Ivity Brand Corp. A ideia inicial era transformar o edifício numa pizzaria de apoio à praia, depois num bistrot descontraído. Mas foi a arquiteta Paula Arez, responsável pelo projeto de decoração, quem sugeriu um nome que mudaria tudo: Miguel Laffan. O chef, que vinha de um período mais focado na cozinha tradicional no Palma, restaurante do hotel vínico Torre de Palma, viu aqui a oportunidade de voltar a um projeto que refletisse a sua visão gastronómica mais sofisticada e de autor. E assim nasceu o Intemporal.
"Sinto que me reencontrei de alguma forma, não vou mentir. Acho que este tipo de conceito é o meu ADN, é aqui que me sinto em casa", admite.
Miguel Laffan, que já viu o seu nome inscrito num dos guias mais aclamados da gastronomia, o Michelin, não esconde a ambição de voltar a alcançar essa distinção (já lá iremos). Mas, para já, a ideia passa por criar uma experiência onde cada garfada é uma explosão de sabores.
O Intemporal é, então, uma expressão pura da sua cozinha. "É sempre difícil explicar, mas como em qualquer projeto autoral, a influência, o conceito vem do próprio chef que é o artista. Basta isso". Não se trata apenas de criar pratos memoráveis, mas de imprimir uma identidade. "Toda a gente pode fazer um caril, mas quem comer os meus menus de degustação, se um dia estiver noutro restaurante e provar um prato qualquer, quero que reconheçam que 'este tem o ADN do Miguel Laffan'. Gostem ou não gostem".
A experiência gastronómica
![Miguel Laffan regressa às origens no Intemporal com os olhos numa nova estrela Michelin Miguel Laffan regressa às origens no Intemporal com os olhos numa nova estrela Michelin](/assets/img/blank.png)
Miguel Laffan regressa, assim, ao fine dining com um projeto que reflete a maturidade da sua carreira. "Já tive restaurantes de frango, marisqueiras, português, não português. Já fiz tudo o que era possível e imaginável. Estou muito agradecido pelo meu percurso. Acima de tudo, tenho 45 anos e continuo apaixonado por cozinha", reflete.
E é com esse espírito que assume o desafio de criar quatro menus por ano, um por estação, sendo o ponto de partida o Inverno. "Desafiei-me a mim próprio a criar quatro menus por ano, seguindo as estações, sem ser muito fundamentalista. Eu não estou focado somente em Portugal, estou focado na Europa". Uma abordagem ambiciosa, num contexto onde muitos restaurantes mantêm os seus menus inalterados durante meses. "Ter um restaurante em que se troque um menu de três em três meses é um desafio, porque sinto que, por falta de tempo ou por falta de recursos, as pessoas não trocam assim tanto como se fazia há 20, 30 anos. Quero voltar a fazer isso".
A carta de vinhos inicialmente desenhada pelo consultor e sommelier António Lopes, está agora nas mãos de Luís Feitinha com experiências anteriores no JNcQUOI, Alma, Cura e Kabuki. O seu objetivo é apresentar um equilíbrio entre referências portuguesas e estrangeiras, explorando regiões como Champanhe, Borgonha e o Novo Mundo. A ideia é que os vinhos dialoguem com os pratos, sem se sobreporem.
O menu do Intemporal é uma verdadeira viagem no tempo, apresentado em loiça Studioneves, começando com o Prelúdio, uma introdução marcada pela forte influência asiática do chef, com três apresentações. Primeiro um yakitori de gamba violeta, pão naan, molho holandês e um toque de citrinos, seguido de uma sopa tom yam com coco, lima kaffir e galanga e encerrando com um bolinho a vapor de pato aromatizado com especiarias quentes e uma nuvem de foie gras.
Segue-se a Passagem, focada nos sabores do mar, com um sashimi de lírio dos Açores acompanhado de lima caviar e dashi e com uma tempura crocante de lula com shiso e caviar.
Em seguida, a Permanência, um momento mais profundo, e que todo o português adora, com pão de massa mãe fumado em alecrim, manteiga do Pico e azeite Santo Amaro.
O menu expande-se na Demora, com pratos como salmonete com berbigão e açorda de coentros, caril sorrak, com pimenta kashmiri, coco e balchão, servido numa peça de desenhada pela mãe do chef, que é ceramista (com o chef a deixar no ar uma parceria de continuidade neste campo) do bosque, que se traduz nuns cogumelos silvestres com gema fumada, papada e trufa e do monte alentejano onde não pode faltar uma presa de porco preto, acompanhada de batata e aioli.
Para finalizar, a sobremesa Eternidade, da responsabilidade da chef Letícia Silva, com a frescura de yuzu, baunilha e poejo, para limpar o palato, seguida da spicy peanut, com chocolate negro, malagueta e amendoim. A refeição termina com um queijo amarelo DOP da Beira Baixa, marmelo e amêndoas.
Para já, o menu Inverno está com um preço de lançamento de 80€, mas os próximos menus de degustação irão ficar por 120€. Para complementar esta experiência gastronómica, há duas opções de harmonização de vinhos: Intemporal, a 45€ e Experience, a 90€.
Em busca da estrela Michelin
O que é o Intemporal? “São 16 lugares, tudo é possível aqui, tudo se muda rapidamente”, resume o chef que define o espaço como “uma caixa de joias à beira-mar”. Um espaço que se divide em dois andares que o constituem em três dimensões distintas: a experiência ao almoço com vista para o mar, e com a decoração sóbria, mas ao mesmo tempo acolhedora a iluminar o espaço, o jantar mais intimista e, para algo completamente diferente, ao balcão (há quatro lugares em baixo ao balcão aos quais se somam 12 no piso de cima).
Quanto às ambições, Laffan é pragmático. "O Intemporal foi desenhado para isso", diz sobre a possibilidade de conquistar uma estrela Michelin. "Se eles (os inspetores) me dão ou não, isso é outra conversa". Faz uma analogia simples: "É como num clube de futebol, não querer ir à Liga dos Campeões".
Ganhou e perdeu estrelas antes, enquanto líder da cozinha do L’AND Vineyards, e sabe que essa distinção não define um restaurante, mas reconhece o peso que tem. "Não estou minimamente intimidado ou assustado. É um desafio, é o que eu quero. Se não acontecer, não me vai influenciar, vou continuar a fazer o que estou a fazer". Podemos concluir que, no Intemporal como na própria vida, tudo tem o seu tempo.
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