Há movimentos que são irreversíveis e tão poderosos e inexoráveis como a Teoria das Tectónicas e o afastamento/aproximação dos continentes. Transpondo o princípio geológico para o campo da gastronomia, diríamos que o movimento de autoconhecimento e exportação que se iniciou há alguns anos com a cozinha e produtos da América Latina, se aproxima de uma força imparável de aproximação, daquilo que este imenso continente dá e poderá vir a dar ao mundo. Há alguns séculos este Hemisfério Sul culinário revelou à Europa uma opípara arca de novos produtos: cacau, batata, milho e tomate para citar apenas quatro bens, que de tão familiares, esquecemos que até ao século XV, os nossos antepassados do Velho Continente nunca lhes tomaram o gosto.

Agora, neste século XXI a América Latina não só engendra uma forma de tornar as suas cozinhas conhecidas além-fronteiras, como se está a redescobrir internamente, convocando para as mesas memórias pré-coloniais, redescobrindo e descobrindo produtos nas suas vastas florestas e costas marinhas e, inclusivamente, ditando tendências como é exemplo a ascensão da Cozinha Nikkei, misto de Peru e Japão, ao estatuto de comida global.

Pratos como os ceviches, os moles (molhos), tiraditos; arepas, tamales e tacos e produtos como a quinoa, lucuma, abacate, maracujá, falam hoje muitas línguas.

Macau e a cozinha de afetos e memórias de uma sua guardiã, Graça Pacheco Jorge
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É um pouco desta América Latina de cozinha ascensional que até 6 de maio vamos encontrar à mesa do restaurante Bistrô & Tapas, no Parque das Nações, em Lisboa. Um périplo gustativo por três países dos continentes sul e centro americano, mais concretamente pelo Peru, Chile e México. Uma viagem com um timoneiro à mesa, o chefe Paulo Anastácio que com mais esta edição da iniciativa mensal “10 dias, 10 pratos, 10 euros”, nos apresenta um dos princípios elementares da cozinha enquanto experiência sensitiva. A capacidade de nos levar daqui para ali, transpondo geografias, numa simples viagem de circunavegação dentro daquilo que nos é apresentado no prato.

Lisboa: Restaurante Bistrô & Tapas propõe 10 dias de cozinha da América Latina
créditos: Lifestyle

No caso vertente, Paulo Anastácio, que se senta connosco à mesa neste Bistrô & Tapas, revisita três pátrias culinárias que lhe são próximas, como o próprio nos confidencia: “São países que tive a oportunidade de conhecer, o México várias vezes e o Peru e o Chile, por uma vez. Em si, estes três países ocupam uma área imensa. O Peru e o Chile, por exemplo, têm toda uma zona costeira vastíssima com uma culinária muito virada para o peixe e marisco e uma cozinha do território do altiplano andino que é substancialmente diferente. Se aqui, em Portugal, há algumas décadas afirmávamos que Évora, a 100 quilómetros da costa, estava longe do mar e só se comiam os peixes do rio ou o bacalhau, ali, naquelas regiões, estamos a falar de locais no interior que estão a mais de mil quilómetros da costa”.

Uma das grandes diferenças nestas cozinhas sul americanas está, por exemplo, nos produtos do mar chileno, de dimensões muito maiores que os nossos. Há, logo, uma diferença na confeção

Em Lisboa, na presente iniciativa no restaurante Bistrô & Tapas, Paulo Anastácio apresenta estas cozinhas das américas “com naturais adaptações, visto nem sempre termos acessíveis alguns produtos daquelas regiões”.

A este propósito, o da acessibilidade e diferença do produto, Paulo Anastácio dá-nos um exemplo: “Uma das grandes diferenças está, por exemplo, nos produtos do mar chileno, de dimensões muito maiores que os nossos. Há, logo, uma diferença na confeção”. A este propósito, o chefe residente da cozinha do Bistrô & Tapas, instalado no Hotel Tryp Lisboa Oriente, recorda a dificuldade que sentiu, certa vez, para confecionar uma amêijoas sul americanas. Obrigaram a todo um processo de repensar a confeção. “Ao cozerem vertiam ´litros` de água devido ao seu tamanho”, relembra com um sorriso.

Lisboa embarca à mesa para uma viagem aos comeres do Peru, Chile e México
Ceviche de pescado com leche de tigre.

Sem deixarmos o Chile e antes de o provarmos à mesa, Paulo Anastácio recorda-nos que estamos perante uma cozinha que é simbiose das culinárias europeia e local, esta última “desapareceu há muito. Estão neste momento a procurar recuperar a ancestral cultura Mapuche”.

A cozinha mexicana. Sofreu alguma influência da espanhola e, eventualmente, da francesa, mas é uma cozinha com uma identidade muito própria.

Já no que concerne aos comeres do Peru, conta-nos o chefe de cozinha que “há muitos produtos que não encontramos em Portugal. Não obstante as muitas influências, como a japonesa, chinesa, espanhola, italiana, africana, é uma mesa muito típica e diversa com produtos da costa do Pacífico, da cordilheira dos Andes e da floresta tropical”.

A carta nesta trilogia sul e centro americanas no Bistrô & Tapas traz-nos a cozinha mexicana. “Sofreu alguma influência da espanhola e, eventualmente, da francesa, mas é uma cozinha com uma identidade muito própria”, sublinha Paulo Anastácio.

É o chefe de cozinha que connosco se prepara para dedilhar a carta onde laborou para mais episódio da iniciativa que, ao longo do ano, traz até Lisboa, em períodos de dez dias, pratos de cozinhas de outras geografias, mais ou menos próximas. Algo que já havíamos documentado aqui, no decurso da semana gastronómica da Índia e aqui, aquando da semana com os comeres de Macau.

Preparemo-nos, então, para receber à mesa o Peru com o Ceviche de pescado com leche de tigre (cubos de peixe marinados em lima, cebola roxa e coentros, servido com batata-doce, milho e tomate sobre alface), explicado por Paulo Anastácio: “O Ceviche prepara-se um pouco por todo o lado na América Latina, com variações regionais. O Cevivhe de pescado no Peru é muito interessante.

Quando visitei este país, percebi que era referido o Ceviche com leite de tigre. Existe ainda a crença popular de que algumas bebidas são energéticas, revigorantes e afrodisíacas. O leite de tigre que resulta da marinada do peixe entra nesta categoria. Tanto encontramos o Leite de Tigre como o Leite de Pantera, este último mais escuro, produzido a partir da marinada de marisco”.

Há alguns séculos este Hemisfério Sul culinário revelou à Europa uma opípara arca de novos produtos: cacau, batata, milho e tomate para citar apenas quatro bens

Prato seguinte, uma Causa limena con pescado frito (um puré de batata tradicional com legumes e peixe frito. Sobre esta especialidade conta-nos o chefe de cozinha: “Trata-se de uma confeção que se prende a uma fase revolucionária da História recente do Peru, um movimento que se iniciou em Lima, a capital. Nessa altura, alguns populares começaram a produzir um prato muito básico com batata e iam vendê-lo para as ruas, numa atuação cívica. O produto da venda revertia para a causa revolucionária. Hoje em dia é um prato muito forte no Peru. Neste caso estamos a usar como peixe a perca”.

Ainda no Peru um Anticucho de pescado com papas y maiz sancochado (espetada de peixe servida com batatas cozidas e milho). “Consta que no início estas espetadas eram feitas com os corações dos animais. Haveria razões místicas relacionadas com a utilização deste órgão, nomeadamente a força que transmitiriam. Atualmente o Anticucho diversificou-se e é apresentado com outras carnes (aves, inclusivamente) e peixes”.

Lisboa embarca à mesa para uma viagem aos comeres do Peru, Chile e México
Nachos.

Mais a Sul, aportando no Chile, chegam-nos à mesa duas Cazuelas, uma de ave (guisado de frango e legumes bastante caldoso) e uma Cazuela Marina (um guisado de peixes e bivalves que nos recordam a caldeirada. Diz-nos Paulo Anastácio, “no caso do prato de peixes e marisco trata-se de um guisado. Ao contrário da nossa caldeirada, onde os alimentos entram todos a cru no tacho, neste caso cozem-se primeiro os mariscos. Há uma razão que se prende com a legislação chilena. Se formos comer, por exemplo, um Ceviche chileno ele é cozido. A legislação proíbe a utilização de peixe cru. Isto prende-se com as condições no mar, nomeadamente com as correntes marinhas, umas mais frias, outras mais quentes. Se for este último caso, o peixe terá um tempo de vida mais curto após a captura”.

No caso do México, Paulo Anastácio recupera para estas jornadas gastronómicas ´alguns pratos que fomos buscar a momentos anteriores desta iniciativa aqui no Bistrô & Tapas`.

No caso do México, Paulo Anastácio recupera para estas jornadas gastronómicas “alguns pratos que fomos buscar a momentos anteriores desta iniciativa aqui no Bistrô & Tapas. É uma comida muito popular, de rua. Tal como aqui em Portugal temos o carrinho das castanhas, no México vai encontrar em cada esquina o Posto de Tacos”.

À mesa provamos uns Burritos de carne (tiras de carne de porco marinadas, salteadas com lima, orégãos, cominhos, alhos e chili suave, enrolados em tortilhas com feijão e coentros picados), uns Tacos estilo pastor (carne de porco assada, previamente marinada com chiles, cebola, alho, tomate, vinagre e ervas aromáticas, servida com abacaxi e cebola em vinagre) e umas Fajitas de Pollo (frango em tiras finas, temperado com cebola, pimentos e caldo de galinha. No final, uma mão cheia de feijão preto servido em tortilha).

Lisboa: A Índia tal como deve ser provada é a que encontramos no restaurante Bistrô & Tapas
Lisboa: A Índia tal como deve ser provada é a que encontramos no restaurante Bistrô & Tapas
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Sugestões com sabor a México que se complementam com algumas Salsas, pratinhos de Chili, Guacamole e um picadinho muito fresco de tomate, cebola, pimentos lima e coentros. Um trio muito a jeito para lhes mergulharmos uns Nachos bem estaladiços.

Nos bebíveis, Paulo Anastácio quer marcar pela singularidade e apresenta-nos as “Águas Frescas”, de abacaxi, meloa ou hibisco. É o chefe quem nos explica esta opção: “Como sabemos, o Chile é um produtor de vinho, mas é recente neste cenário. Por seu turno, o Peru terá alguma produção de vinho, embora o seu forte seja o Pisco. O México também não é culturalmente um produtor de vinhos. A bebida que vamos encontrar com mais profusão no Peru e no México é a cerveja produzida com milho.

Depois, também muito utilizadas, são as águas frescas. Estas podem ser produzidas a partir da fruta ou do arroz, só para dar dois exemplos. Atenção, não é um sumo de fruta, é uma água com sabor a fruta. À água vamos adicionar sumo natural de fruta e faz-se uma diluição. Pode, ou não, acrescentar-lhe açúcar. Pode, ainda, ser um sabor composto com vários elementos. Por exemplo, frutos vermelhos com canela e hortelã”.

Lisboa embarca à mesa para uma viagem aos comeres do Peru, Chile e México
Alfajores com dulce de leche.

Um elenco das américas que não esquece o item sobremesas, como relata Paulo Anastácio: “Estamos a apresentar uns Alfajores com dulce de leche, do Chile, ou seja, umas bolachas com um recheio de creme de leite condensado que são uma tentação, embora bastante calórica [risos]. Representativo do México, trazemos bolo de coco, amêndoas, canela, servido morno, a Cocada, que vem acompanhado com gelado de baunilha. Finalmente do Peru, um cheesecake de maracujá”.

Sublinhe-se que as sobremesas orçam os 3,50 euros cada. Quanto às águas frescas, os 2,00 euros/copo ou a garrafa que fica nos 3,50 euros.

As reservas podem ser efetuadas pelo telefone 218 930 017 ou e-mail: gr.tor@meliaportugal.com

TRYP Lisboa Oriente

Av. D. João II, Parque das Nações, Lisboa