Não há lugar que não nos conte uma história. Ela está impressa nos objetos e apontamentos, na dimensão material, mas também naquela qualidade das coisas que não é palpável, mas que sentimos e nos bem, ou mal, dispõe. No caso vertente, no restaurante ATTLA, na capital, ao atrás exposto, a cozinha também serve de narrativa. Não poderia deixar de assim ser. Centenas de milhares de quilómetros percorridos sobre terra e mar, a experiência de quatro anos com um outro restaurante na Costa Rica (“Private Chef”), não ficam para trás quando se arrisca tudo num regresso, neste caso para a cidade de Lisboa, na zona de Alcântara, embora a Ericeira também tenha estado no horizonte. Não aconteceu e o mar ficou um pouquinho mais longe.

ATTLA, o restaurante que é a história de saudade de dois Globetrotters regressados a Lisboa

André e Rita sabem o quanto custa começar e empenham-se, com esmero no seu primeiro restaurante a dois em Portugal. Algo que se percebe, na entrega e na prova, nesta casa de comeres lisboeta, de como o mundo está embrenhado nas personalidades dos dois empreendedores. ATTLA soa-nos a aventura, Atlântico, a Atlas, a cadeia montanhosa no Norte de África, ou ao velhinho, mas sempre atual, compêndio arrebanhando todos os lugares, latitudes e longitudes. E como sabe quem gosta de aventura como um Atlas tem a qualidade de fazer sonhar.

ATTLA, o restaurante que é a história de saudade de dois Globetrotters regressados a Lisboa

A Rita, fotógrafa de viagem, André, chefe de cozinha, soube-lhes bem durante dois pares de anos servirem jantares privados na selva, em Tamarindo, na tropical América Central. Como também não dão por perda os anos de Globetrotters, de jornadas em territórios diversos, particularmente no Sudeste Asiático. Rita fotografou muito naquelas paragens. Publicou reportagens fotográficas, apaixonou-se pelos territórios. Nas viagens, conheceu André. Não foi amor à primeira vista mas ficou qualquer coisa a murmurejar. Não se conseguiam separar.  Juntaram bagagens e começaram a arrebanhar memórias, artefactos, experiências, também sabores, cozinhas de outras geografias. Uma pontinha de aventura que também está no encontro e paixão (não foi à primeira vista) entre estes dois portugueses.

ATTLA, o restaurante que é a história de saudade de dois Globetrotters regressados a Lisboa

O périplo levou André Fernandes, ainda com 16 anos, para Paris, trabalhando numa crêperie, mais tarde ingressando no único estrela Michelin da região francesa de Brière, o La Mare aux Oiseaux. Aos 18 anos, o jovem André ascendia ao cobiçado Plaza Athenée, do chefe de cozinha Alain Ducasse. Trabalhou ainda no La Maison Blanche, dos irmãos Pourcell, e no ABAC, em Barcelona, um dois estrelas Michelin dirigido pelo chefe catalão Xavier Pellicer. Viagens que incluíram o Ritz Carlton, acabando na Papua Ocidental, com passagens pelas Caraíbas, na ilha de St Barthélémy, em Bora Bora ou no Rio de Janeiro.

Todas as viagens têm um fim, ou uma escala, se se preferir. Para André e Rita, a escala faz-se presentemente no ATTLA. O espaço corporiza tudo aquilo que este casal é. Querendo-se, podemos referir o que não é: formal, estático, padronizado, comprometido com o óbvio. Por aqui se percebe que no restaurante que gerem a quatro mãos não vamos encontrar menus de degustação ou uma carta espartilhada. André não o quer. Não o poderia fazer porque no seu ATTLA há que aportar com todas as influências que recebeu mundo fora. Chamemos-lhe fusão, apoiada em dois conceitos-chave, a sazonalidade e a sustentabilidade.

ATTLA, o restaurante que é a história de saudade de dois Globetrotters regressados a Lisboa

Para não deixarmos órfãos de significado os dois conceitos, importa referir que no restaurante de André e Rita não há plásticos, evitam-se deslocações desnecessárias a fornecedores (todos os produtores são maioritariamente da região de Lisboa).

ATTLA, o restaurante que é a história de saudade de dois Globetrotters regressados a Lisboa

Ponto assente para André, a frescura dos ingredientes. Uma matéria-prima que se corporiza em pratos como Lirio, ervilhas tortas, vinagrete de flor de citrinos, flor de sabugueiro (13,00 euros), Topinambur grelhado, sabayon de café com cheirinho, pó de laranja chen pi (14,00 euros), Lula, caril de tinta, cabelo de anjo, agrião (12,00 euros), Camarão de ova azul, leite de amêndoa, bisque, noodle de batata (13,00 euros), Linguas de bacalhau, favas, pil pil de menta, pickle de flor de sabugueiro (9,00 euros), Frango do campo, jus de sweet chili, cebola (15,00 euros). A não desmerecer, o pão da Gleba e as sobremesas. Um destaque, o Chocolate do Equador, bolacha de alfarroba e avelã, gelado de eucalipto (8,00 euros).

 ATTLA

Rua Gilberto Rôla, nº 65, Lisboa

Horário: Terça a sábado, das 19h00 às 22h00

Contacto: Tel. 211 510 555; E-mail contact@attlarestaurant.com

Uma cozinha de boa apresentação e sabor, com uma carta que não tem lugar cativo. André e Rita transportam para a mesa do seu ATTLA o mesmo afã que os trouxe mundo fora. Nem querem. Mas há sempre disponibilidade para se sentarem connosco uns minutos para nos contarem como é diverso e magnífico este mundo. É pena que nos esforcemos por estragá-lo.

ATTLA, o restaurante que é a história de saudade de dois Globetrotters regressados a Lisboa