A diretora e curadora-chefe do The Museum at the Fashion Institute of Technology (FIT) em Nova Iorque, nos EUA, revela  o atual estado da moda. Valerie Steele personifica o termo geek-chic. A responsável pelo espaço, que conta com mais de 50.000 peças de vestuário e acessórios do século XVIII até ao presente, tem uma abordagem mais intelectual do que editorial sobre o que é ter sentido de estilo. E tem-no feito de diferentes formas ao longo dos últimos 25 anos.

Escreveu «Gothic: Dark Glamour», «The Corset: A Cultural History», «Paris Fashion» e «Fetish, Sex and Power», entre outros livros. Pelo meio, ainda dirige, desde 1997, a publicação Fashion Theory: The Journal of Dress Body and Culture e já promoveu mais de 20 exposições de moda desde 2005. Pela sua dinâmica, capacidade de análise, investigação e abordagem crítica na área da moda e da relação desta com a sociedade, Valerie Steele é uma figura crucial.

Uma personagem central na área de estudos de moda e do crescente reconhecimento da significância cultural do fenómeno junto do público. O The Washington Post apelidou-a de «uma das mais cerebrais mulheres da moda». A editora internacional da Vogue, Suzy Menkes, descreveu-a como «o Freud da moda», no International Herald Tribune. Não é, pois, de estranhar que, em 2009, o Daily News a tenha colocado na 18.ª posição na lista das 50 Pessoas Mais Poderosas da Moda.

Agora, falamos de moda, sim, mas do ponto de vista académico de quem a interpreta através de uma lente social, psicológica ou cultural, no passado, presente e futuro. E num mundo onde a moda é o agora, o consumo desenfreado, a influência, o status, esta é uma perspetiva rara e indispensável. A convite do Museu Nacional do Traje, Valerie Steele veio a Portugal dar uma conferência sobre o tema Fashion in The Museum e a Saber Viver teve a oportunidade e privilégio de a entrevistar.

Sempre desejou trabalhar em moda?

Não. Quando era mais nova, queria ser atriz e depois artista ou escritora. Como estudava História Moderna da Cultura Europeia em Yale, pensei em seguir a carreira académica. Foi aí, no meu doutoramento, que tive uma epifania e descobri que a moda podia fazer parte da cultura. Nesse momento, tudo mudou e só pensava nisso. Interessei-me por moda, mas como não costurava ou desenhava, nunca me apercebi como é que podería trabalhar de outro modo no meio.

Como descreve o seu estilo pessoal?

É minimal. Habitualmente uso preto. Os designers de moda de que mais gosto ou são minimais ou avant-garde, como Rick Owens ou Céline.

Qual o papel que as exposições de moda têm atualmente num mundo tão obcecado e influenciado pela moda rápida e pelas bloggers?

As exposições de moda dão uma importante e nova perspetiva sobre a moda. A maioria das pessoas cinje a moda ao facto de escolher a roupa para vestir de manhã, ir às compras, talvez em ler a revista Vogue e seguir alguns blogues e sites na internet e, se for um profissional do meio, assiste a desfiles de moda. Por um lado, faz parte da identidade do indivíduo, por outro, é puro consumismo.

Esta é uma forma de olhar para a moda. Num museu não vai comprar o vestido que ali está exposto, nem sequer vai experimentá-lo. Em vez disso torna-se algo mais abstrato. Olhar para a peça de roupa como uma peça da história, uma peça de arte.

Quem frequenta museus aprende a olhar para as coisas com uma nova perspetiva. E claro que não vai pensar algo como «adorava colocar este Picasso por cima do meu sofá». As pessoas gostam de ser entretidas nos museus e de ver algo novo ou cool. Mas também querem aprender alguma coisa.

Acredita existir uma separação entre a moda e a arte?

O que se passa é que há coisas que são tidas como óbvias no mundo da arte, como a pintura ou a música clássica. Outras só recentemente é que começaram a ser aceites como arte, como, por exemplo, a música jazz, a música popular ou a arte contemporânea. Outras há que durante muito tempo foram rejeitadas, como a fotografia, o cinema...

Só recentemente é que estas manifestações artísticas foram consideradas dignas de serem expostas num museu. A moda agora vive um momento especial em que, tal como a fotografia, começa a ser aceite como uma forma de arte. Está a entrar não só em museus de design e história, como em museus de arte.

Mas nem toda a gente concorda, especialmente, nem todos os designers de moda concordam. Nomes conhecidos como Karl Lagerfeld, Rei Kawakubo ou Coco Chanel sempre disseram que a moda não é arte. Mas certos aspetos da moda, como a alta-costura, começam a ser amplamente aceites como formas de arte.

O seu designer de moda favorito?

Depende do propósito. É para eu vestir ou para o museu expor?

Para ambos...

Se for para o museu expor, então penso nos mais significativos do ponto de vista histórico e artístico, como Vionnet e Alexander McQueen. Claro que, com o meu corpo e idade, não poderia usar peças desses designers, mas ainda que fossem peças tão comuns com as da H&M, teria de escolher algo que fosse adequado a mim.

Se me tivesse perguntado o ano passado, respondia que o meu designer favorito seria Céline, Céline, Céline. Agora estou a diversificar mais. Fiquei muito contente por saber que a marca espanhola Sybilla tinha regressado, gosto muito de Sacai, a marca da designer Chitose Abe. E continuo a adorar Céline e Rick Owens. Mas existem muitos outros…

Disse em tempos que «a moda tem a ver com mudança e tempo». Como é que analiza o estado atual da moda?

A moda, nesta época peculiar de transição que vivemos agora, em que não está a crescer como nos anos da década de 1980 quando estar na moda era moda, nem sequer é claramente uma reação a tudo isso, como nos anos da de 1990, quando a exuberância dos anos de 1980 deu lugar ao minimalismo e à androgenia, tem como maior influência a economia e a estrutura.

O mundo da moda está cada vez mais dividido, por um lado, com as grandes empresas de moda, como a LVMH, que está sempre a adicionar grandes marcas ao seu espólio, e, por outro, com a moda rápida (fast fashion), como a H&M ou Zara. E os designers independentes estão a ser esmagados pelos dois lados. Se tiverem sorte, até poderão ser repescados por um grande grupo como a LVMH, senão perdem todos os seus cliente para uma H&M ou Zara.

Por isso, torna-se muito difícil para eles. Por outro lado, acho que as pessoas ainda querem ser originais. Só que é difícil encontrarem isso. Talvez nos designers independentes, mas fica tão caro, porque a produção é em menor em quantidade. Acho que com a internet e a moda rápida tudo parece mover-se com uma velocidade nunca antes vista.

Vemos algo a desfilar na passerelle e, um mês depois, as marcas de fast fashion colocam uma peça semelhante à que vimos desfilar nas suas prateleiras. Daí a maioria dos designers serem cada vez mais pressionados para desenvolver coleções intermédias, tendo de criar novos materiais a cada três semanas. Tudo isto resulta num novo paradoxo a que talvez a tecnologia possa dar a solução.

Uma forma em que o designer possa chegar mais diretamente à sua cliente. Uma coisa é eu ir a uma department store e experimentar uma peça do Rick Owens e sei que sou o número 34, mas se for Céline sou um 36. Se comprarmos online só sabemos qual é o nosso tamanho se o experimentarmos primeiro. E se pudéssemos ter uma ideia de qual seria o nosso tamanho e de como a peça de roupa se ajustaria ao nosso corpo?

E se só a tivessem de produzir até a encomendarmos?  E, mais, podiam produzi-la rapidamente e com qualidade. Assim conseguiríamos ter a qualidade, com a originalidade, uma produção rápida e um preço justo. É que os preços da indústria da moda ou são elevados ou são desumanamente baratos, tendo de envolver exploração de trabalho. Conclusão, há que ter em conta a criação independente, bem como fugir à produção em massa.

Texto: Joana Brito