Foi em 2014 que a atriz norte-americana ostentou num passeio em Beverly Hills um enorme Coração de Viana, com origem em Gondomar, que lhe foi oferecido por ter apadrinhado um cruzeiro do Douro. Mas esse acontecimento ainda está na boca dos filigraneiros como um marco para a arte.
Mais recentemente, foi a atriz Úrsula Corberó, que interpreta Tóquio na série da Netflix “A Casa de Papel” a feliz contemplada com um medalhão feito pelo ourives António Cardoso, que já tinha criado o de Sharon Stone.
“A minha presença no Dubai começou quando fiz o coração para a Sharon Stone e, mais recentemente, para ‘A Casa de Papel'”, explica o artesão à Lusa.
Mas a arte da filigrana portuguesa fala por si, e foi por isso que rumou à Expo Dubai 2020, onde esteve em destaque no Pavilhão Português.
À Lusa, António Cardoso contou que “correu muito bem e superou todas as expectativas”.
Saiu de lá com “potenciais negócios” e garante que “as pessoas mostraram muito interesse”.
Para António Cardoso, esta presença é a continuação daquilo por que anda a lutar há muitos anos: “Ajudei a participar na [criação] da Rota da Filigrana, para atrair mais turistas, o passo seguinte foi a certificação da filigrana. Agora, recentemente é a candidatura a Património [Cultural Imaterial] da Humanidade”, conta.
O ourives não é estranho a estas andanças. Está “há 55 anos nesta arte”. Começou “com sete anos de idade”, a aprender na oficina do pai, mas “só a partir dos 12 anos” é que se sentou à banca.
Em 1990, assumiu, com a sua mulher, a oficina que era do pai.
“Quis dar outra dimensão à filigrana e em vez de fazer como o meu pai fazia, que era trabalhar só para armazenistas, comecei a andar em feiras de artesanato, em congressos, isso tudo, e a chegar a este culminar da Expo Dubai e fazer parte daquele projeto, daquele vestido em filigrana que muito me orgulhou”, disse.
O vestido foi assinado por Micaela Oliveira, em colaboração com o ourives Arlindo Moura, e na sua criação estiveram envolvidos mais de dez artesãos de filigrana, que contabilizaram cerca de duas mil horas de trabalho.
Em exposição esteve, e estará até ao final do evento, “O Maior Coração em Filigrana do Mundo”, um projeto de 2018 que contou com a colaboração de 12 empresas locais com 25 artesãos envolvidos sob a direção de Paulo Martingo, formador do CINDOR – Centro de Formação Profissional da Indústria de Ourivesaria e Relojoaria.
“A filigrana, com isto tudo, é capaz de se ir aguentando mais um bocadinho, mas não há artesãos. Não há as ‘enchedeiras’, que fazem o enchimento. Estamos a lutar por isso, para que consigamos ter gente a aprender. É uma arte que demora tempo a aprender. Não é sair da faculdade e começar. Não, tem de ser muito mais cedo”, afirma António Cardoso.
Fernando Ribeiro, dono da ourivesaria F. Ribeiro, tem uma visão mais otimista: “A filigrana foi sempre uma arte única que temos e nós somos únicos a fazê-la. Esteve meia adormecida durante uns anos. Sempre fizemos filigrana, mas não era uma arte que fosse apreciada no geral. Era muito específica. Até que veio a Sharon Stone. A Sharon Stone veio revitalizar a filigrana”, assevera.
Como António, Fernando aprendeu a arte pela empresa familiar, fundada pelo pai, e ia aprendendo nas “férias escolares, (…) porque o verão era o melhor período em termos de vendas”, por causa dos emigrantes. Ainda hoje é”, garante.
Entrou na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, mas, assim que o pai lhe abriu a porta da oficina, não resistiu a voltar, mesmo contra os conselhos do progenitor, que queria que acabasse o curso.
Depois de Sharon Stone, “o município de Gondomar — e muito bem — agarrou nesse acontecimento e, juntamente com a Póvoa de Lanhoso, criou a Rota da Filigrana”.
“A partir daí foi um expoente máximo da demonstração do que é fazer a filigrana”, acredita o ourives.
Ainda assim, considera que, “em termos de revitalização da filigrana, de dar a conhecer, o trabalho que foi feito pela Câmara, em conjunto com a Póvoa de Lanhoso, é muito bonito, está muito bem feito, agora, o que falta é o que está atrás”.
“O que está atrás é a preocupação que temos na mão-de-obra. A filigrana é toda manufaturada, toda feita à mão, e hoje em dia temos sítios, escolas, em que tentam ensinar a arte, mas não estão a conseguir”.
Uma dessas escolas é o CINDOR, onde se formou, há 22 anos, Nuno Resende, o filigraneiro que representou a F. Ribeiro no Dubai.
“Foi bastante vistoso. Foi bastante rentabilizado, porque tivemos bastantes visitantes”, adianta Nuno.
O ourives diz que cada vez há “menos pessoas a fazer a filigrana”, mas, por contraponto, o produto “felizmente, tem tido alguma procura”.
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