Mark Spitz é jornalista de música e autor de livros e biografias. Escreve para revistas e jornais como o The New York Times, New York Post, Spin e Vanity Fair, entre outros. Habituado a caracterizar o que de mais novo desponta na sociedade americana em termos de filmes, livros, música e toda a espécie de manifestação cultural, detetou nos últimos anos aquilo a que ele próprio chama Revolução Twee. Uma revolução que carateriza e identifica as referências de um movimento social com uma estética muito própria que, segundo o autor, é um dos mais evidentes da sociedade atual. Twee é a maneira como as crianças americanas dizem sweet (doce) quando balbuciam as primeiras palavras.

Porque, segundo diz, esta é a revolução da doçura, gentileza, amabilidade. E este fenómeno impressionou-o a tal ponto que o levou a investigar, estudar, identificar e escrever o livro «Twee, The Gentle Revolution in Music, Books, Television, Fashion and Film», «Twee, a Revolução Gentil na Música, Livros, Televisão, Moda e Filmes» em tradução livre, lançado no verão de 2014 nos Estados Unidos da América e que está, desde essa altura, a dar que falar nas páginas de revistas e jornais.

Que revolução?

Embora para nós, portugueses, seja um facto histórico que houve a revolução dos cravos, normalmente, como em todo o mundo, associamos a palavra revolução a qualquer coisa que se faz à força, com armas e onde há vítimas. Então o que há de revolucionário em querer ser gentil? Marta Mendonça, filósofa, professora universitária e diretora da linha de investigação intitulada «Compreensão, Explicação e Linguagem» no Centro de História da Cultura da Universidade Nova de Lisboa, dá-nos a interrogação. «Serão as pessoas a quem foram dados estes desenhos animados bélicos, com monstros, seres biónicos e destruição?», questiona.

Reconhece esta doce atitude entre alguns dos seus alunos e pergunta-se ainda se «esta maneira de estar é estética ou constitutiva, ou seja, se a gentileza não se traduz, em alguns momentos, numa agressividade que discrimina, exclui, chega quase a odiar quem não pensa da mesma maneira», sublinha. Mas frisa, todavia, que um movimento social dificilmente se consegue estudar em duas ou três gerações, pelo que não fecha por enquanto a sua análise, até porque não se considera especialista em movimentos sociais. Por outro lado, a julgar pelas declarações de Marc Spitz, podemos acreditar que o responsável pela configuração deste movimento concordaria com a filósofa portuguesa.

Para o autor, a Revolução Twee nasceu com a II Grande Guerra Mundial. Há nela, claramente, um apelo à não violência, uma resistência clara a pressões da sociedade. E o autor também recorda que, uma vez que os twee existem há pouco mais de meio século, «não sabemos onde vão parar». Até porque, nos grupos que Marc Spitz considera parte de uma comunidade twee, há pessoas de todas as idades, de teenagers a baby boomers quase avós, passando por universitários e pessoas na casa dos 30 anos. Tudo se enquadra numa estética algo fora de moda mas muito moderna, em que o mote é a não agressão.

A antropologia por detrás do movimento

Marta Mendonça vê no twee um movimento radicalmente esteticista, que acentua uma estética que se desvia propositadamente dos cânones, que recusa a corresponder a expetativas. Vestir o que as revistas anunciam como última moda não interessa aos adeptos desta corrente. Mas o look, a forma como causam a primeira impressão, é completamente estudada. «Chegam a ser vidas quase exclusivamente centradas na forma e na estética», reforça a filósofa. «O twee cultiva o não sexy, escolhe sempre aquilo que nunca estaria nas revistas de moda nem nas montras das lojas caras», refere ainda.

«Prefere andar de óculos e, se precisar deles, escolhe-os bem grandes, quase feios no belo. É como uma espécie tendência de elite contra a elite, que insiste em usar o que é fora dos ícones da moda. Tem uma aparência descuidada mas no fundo tudo é estudado. É quase um hoje despenteei-me assim. Ao mesmo tempo não parecem ter componente política, não votam. O hip-hop, por exemplo tem uma denúncia política muito forte, tal como os hippies tinham posições claras acerca do mundo e da sociedade. Aqui há o não confronto, o não chocar nem querer tomar muito a sério a vida social, adulta, numa conceção da vida à margem da sua componente séria e politicamente estabelecida sem ser dentro das normas», acrescenta ainda.

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Os ícones que personificam esta corrente estética

Alguns dos ícones que personificam esta corrente estética são surpreendentes. «A sociedade organizada não os atrai nem lhes dá nenhuma garantia de encontrar nela o que procuram», refere Marta Mendonça. Há muito que já foram identificados. O primeiro twee é, nada mais nada menos, que Mickey Mouse. Aliás, para Marc Spitz, Walt Disney e toda a sua obra são twee. Para ele, o pai dos desenhos animados é, seguramente, um dos precursores do fenómeno, uma pessoa que soube responder ao horror com criatividade e valores humanos, que atravessou os mares a realizar eventos para os soldados durante a guerra, chegando mesmo a criar filmes de propósito para as tropas.

Como se reconhece esta estética

Entre os personagens que se enquadram na estética e na atitude Twee encontramos ainda James Dean, Brian Wilson, Jean-Luc Godard, Jean Seberg, The Velvet Underground. E os mais contemporâneos Prince, Belle & Sebastian, Zooey Deschannel (na imagem). A chamada Revolução Twee tem tanto a ver com livros, música e filmes como com a maneira de vestir e conversar. Na prática, e passando para pessoas concretas como as que encontramos nos nossos empregos, festas e passeios, os Twee são pessoas que fazem questão de não se mostrar enquadrados numa sociedade massificada.

Vestem-se de forma cuidadosamente descuidada, usam camisolões, roupa confortável, clara, sem um ar novo. Gostam dos animais (pássaros e gatos, de preferência) e repugnam qualquer tipo de violência. Ouvem música suave, retiram-se para ler sossegadamente, cozinham para os amigos e dão presentes feitos pelas próprias mãos. São claramente urbanos e ao mesmo tempo dão um valor imenso às bolachinhas caseiras a às formas de bolos, amolgadas pelo uso, de casa das avós.

Em Portugal, é altamente improvável encontrarmos um twee numa tourada, a não ser no exterior da praça, empenhado em manifestar-se contra o evento. Mas facilmente os vemos em canis municipais a cuidar dos animais abandonados e a promoverem petições para os salvar. Excluem-se de grandes debates e preferem fechar-se no seu grupo a terem de confrontar as suas opiniões com quem pensa de forma diferente.

O livro que catalogou uma estética

Durante anos, Marc Spitz realizou entrevistas exclusivas, foi a concertos, leu livros e assistiu a filmes. Encontrou uma série de constantes a partir das quais se configura esta estética e escreveu o livro através do qual o mundo inteiro pode ficar a saber se faz parte desta estética. De facto, o autor passa boa parte do livro a explicar o que é ou não twee, tendo conseguido mexer as águas da imprensa norte-americana, sobretudo a nova iorquina, ao classificar manifestações culturais que estavam diante dos olhos de todosmas ainda ninguém tinha reparado com tanta profundidade.

Texto: Rita Maria