No momento em que os casais juram amar-se e respeitar-se, a eternidade parece curta para viver o amor. Mas, no dia a dia, «o resto das nossas vidas» torna-se tempo demais e as dúvidas surgem a cada crise. A julgar pelos números, são muitos os casais portugueses que acreditam que não vale a pena permanecerem juntos. De acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), para cada 10 casamentos há sete casais que pedem o divórcio.
Este indicador pode até ser enganador, refere a terapeuta familiar Catarina Mexia, porque há cada vez mais uniões de facto e um número igualmente crescente de famílias reconstruídas. Mas a verdade é que, nestes casos, as separações também ficam fora dos números oficiais. O fim de uma relação não surge sem aviso. Por isso, é importante estar atento aos sinais e reconhecê-los antes que seja tarde demais.
Uma crise pode até ser benéfica, algo que permita corrigir, reconstruir ou recomeçar. Mas como saber se aquela relação continua a merecer o nosso investimento? Analise os exemplos que se seguem e veja o que pode ter de mudar para beneficiar a sua relação:
- «Somos mais companheiros do que amantes»
Primeiro surge a paixão, depois o amor e, por fim, instala-se um sentimento de amizade muito forte entre os membros do casal. «Quando falamos de uma amizade forte e séria, que as pessoas reconhecem como sendo o pilar de uma relação, quando existe também cumplicidade e proximidade, há tudo aquilo que resiste às variações do amor», descreve Catarina Mexia.
Segundo a terapeuta, os casais não estão sempre no mesmo compasso, não têm sempre a mesma intensidade de sentimentos um pelo outro. Os ponteiros da relação desacertam-se e quando um se sente apaixonado o outro pode não estar na mesma frequência de onda.
Em resultado disso, alguém se sente rejeitado. É aqui que a amizade que os une se torna um seguro. «A amizade dá tempo ao outro para olhar novamente para a relação e perceber que ela continua a fazer sentido e que não há motivo para colocar aquele compromisso de vida em causa», opina a especialista.
- «A confiança foi abalada»
É importante perceber se para lá da mágoa associada à perda de confiança, os dois elementos do casal ainda se respeitam mutuamente. A confiança é um ponto sensível. Não significa que seja impossível de recuperar, refere a terapeuta, mas «é o tema mais complicado de todos, aquele que mais facilmente leva as pessoas a porem um ponto final na relação». Como recuperá-la?
«Às vezes, as pessoas põem a confiança como o objetivo principal e isso é um erro. A confiança deve ser a última parte da história», refere. Por isso, diz Catarina Mexia, são necessários pequenos passos que permitam perceber o que um precisa para voltar a confiar no outro e para se sentir novamente seguro da relação.
«Muitas vezes, o retomar a confiança está em nós e não no outro», sublinha a terapeuta. Passa, sobretudo, por nos sentirmos melhor e mais confiantes, ou seja, por uma mudança interna que se reflita depois no comportamento do outro», garante ainda a especialista.
Veja na página seguinte: Quando a família se sobrepõe ao casal
- «Realizámos o sonho de criar uma família mas deixámos de existir enquanto casal»
Para muitos casais, a noção de felicidade passa sobretudo pelos filhos, mas isso não significa aceitar tudo a qualquer preço. Catarina Mexia admite que referir os filhos como um motivo para manter uma relação é polémico. Mas para a terapeuta, é importante perceber que muitos casais iniciam um projeto de vida em que construir uma família é um objetivo muito importante, tão importante como estarem juntos.
«As pessoas não devem aceitar tudo para manter a família unida, mas muitas vezes trabalhar para este objetivo de vida faz parte da felicidade do casal e, por isso, é algo que faz com que lutem pela relação, com que tentem limar as arestas que existem», esclarece. «No entanto, quando estar com aquela pessoa já não é divertido, já não nos dá prazer e essa alteração nos transforma em algo que não somos, então chegámos ao limite», opina a especialista.
- «Os bons momentos fazem parte do passado»
Por vezes, uma simples viagem ao passado ajuda a perceber que o futuro a dois vale a pena. «Uma das coisas que faço sempre nas consultas é tentar recuperar aquilo a que se chama os acontecimentos únicos. Aquelas coisas que, por muito pequenas que sejam, as pessoas guardam como acontecimentos que por nada deste mundo gostariam de esquecer ou de perder. As rotinas do quotidiano que se esqueceram de valorizar, mesmo nos momentos mais tempestuosos da relação», revela Catarina Mexia.
A solução pode passar por uma autoanálise em conjunto. «Olhar para o percurso já percorrido pode ajudar o casal a acreditar no futuro», defende a terapeuta, para quem estas recordações e momentos marcantes são, muitas vezes, «pequenos cimentos» para a relação.
- «Entre nós já não há química»
Quando a intimidade é posta em segundo plano, pode ficar esquecida. Resultado, o distanciamento torna o outro inacessível e as manifestações de afeto escasseiam. Um bom indicador de que a relação iniciou uma travessia pelo deserto é a diminuição do desejo sexual. Geralmente, o afastamento começa por ser afetivo e emocional e acaba por se estender ao contacto físico. Os beijos e os carinhos são cada vez menos frequentes e a intimidade vai-se perdendo.
«Quando a questão sexual se sobrepõe à emocional, as coisas ficam mais difíceis», adverte a especialista. «Mas, se o casal tem a perceção de que o lado emocional é respeitado, apesar dessas dificuldades, e se ambos são capazes de ver que há mais além disso, então a questão sexual torna-se não um pormenor, mas um pormaior que indica que vale a pena lutar pela relação», acrescenta ainda a terapeuta familiar.
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4 sinais de que a relação acabou
Catarina Mexia, terapeuta familiar, aponta as situações em que a sua relação corre mesmo perigo:
1. Ambos reconhecem que já não têm nada em comum.
2. Há uma rutura na proximidade sexual.
3. Aquilo que apreciavam e de que desfrutavam juntos desapareceu.
4. Não estão disponíveis para tomar atitudes e dialogar sobre as insatisfações.
O que diz a ciência sobre as uniões (in)felizes
Florence Kaslow, terapeuta de casais e investigadora da Universidade de Duke nos Estados Unidos da América, procurou identificar o que distingue as relações mais felizes e duradouras em diferentes países e concluiu que nelas existe:
- Habilidade para resolver conflitos
- Confiança mútua
- Compromisso com o outro
- Apreciação, amor e respeito mútuos
- Capacidade de dar e receber
- Comunicação aberta e honesta
- Sensibilidade aos sentimentos do outro
- Valores e interesses comuns
- Crença na dimensão espiritual da vida
Quando procurar ajuda
Há momentos em que a terapia familiar pode fazer toda a diferença. Com a ajuda de Catarina Mexia, psicóloga e terapeuta familiar, saiba identificá-los:
- O terapeuta deve entrar na vida do casal quando este começa a ter dúvidas sobre a relação. Agir nesta fase ajuda a evitar que as crises se instalem.
- Quando há a necessidade de rever os objetivos da relação e os objetivos individuais. O casamento evolui e precisa de ser refrescado.
- Antes que as mágoas se instalem, porque desfazer mágoas e desmontar tudo o que isso envolve é muito complicado e doloroso.
- Antes de olharem para a terapia como a último recurso. Esse grau de desespero torna tudo mais difícil.
Texto: Catarina Madeira com Catarina Mexia (psicóloga clínica e terapeuta familiar e de casal)
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