É uma verdadeira história de amor/ódio e um tema que espoleta discussões. A julgar pela série televisiva «Erva», transmitida originalmente entre 2005 e 2012, a única desvantagem da canábis é que atrai a atenção de homens de negócios violentos. O que se torna incompatível com o uso pacífico a que normalmente está associada. Isso, aliado ao facto dos efeitos do consumo de canábis a longo prazo ainda não estarem bem documentados, deixa muitas pessoas de pé atrás. Por outro lado, são reconhecidas à canábis múltiplas propriedades terapêuticas.
É utilizada para fins medicinais como analgésico, antiespasmódico ou calmante. E, graças à resina com propriedades psicoactivas que a planta produz, também é usada para fins recreativos, como embriagador ou narcótico. Quando conhecemos Nancy Botwin, interpretada por Mary-Louise Parker na série, ela é uma viúva que decide dar continuidade ao negócio do falecido marido, vender erva no bairro de classe média em que viviam. Pura comédia, até aparecerem armas de fogo. Todavia, nunca chegamos a perceber se a alma do negócio também alimentava a paixão matrimonial.
Segundo um estudo publicado na revista científica Psychology of Addictive Behaviors, os casais que fumam marijuana, regularmente e em conjunto, discutem menos. Ao longo de nove anos, uma equipa de investigadores das Universidades de Yale, Buffalo e Rutgers, nos EUA, acompanhou 634 casais com o objetivo de «avaliar os padrões de consumo de marijuana e a ocorrência de violência entre parceiros», explica Kenneth Leonard, director do Research Institute on Addictions da Universidade de Buffalo.
Hábitos de consumo
No período de quase uma década, verificou-se que os casais que consumiam canábis mais de três vezes por mês tinham relacionamentos mais estáveis. Porém, Leonard salvaguarda que isso poderia acontecer porque «partilham dos mesmos valores e círculos sociais». Para despistar esses casos, o grupo de investigadores analisou o comportamento de utilizadores de canábis experientes e crónicos, avaliando simultaneamente casais que consumiam álcool e outras drogas com regularidade.
Concluído o estudo, os especialistas compararam dados e descobriram que a marijuana por si só não causa agressão. Tanto assim é que os casais que apenas fumavam canábis registaram menos situações de violência doméstica, face aos pares que consumiam álcool e outras drogas. Pelo contrário, Kenneth Leonard reforça que «foi detetado um forte sentimento protetor entre os casais que regularmente consumiam marijuana». Isto porque a canábis eleva os sentimentos positivos e refreia as reações a estímulos violentos, reduzindo a probabilidade de ocorrerem agressões verbais e físicas.
Paz e amor
Não é de estranhar que Seth Rogen seja o maior embaixador desta máxima. Porém, ainda que o ator canadiano seja conhecido por consumir diariamente erva, a sua mulher não partilha o mesmo hábito e ambos preferem assim. Vários motivos influenciam esta opção, principalmente as diferenças em termos de personalidade. Este é um ponto que os defensores da legalização da canábis, como Seth Rogen, repetem vezes sem conta.
É que a maior disponibilidade não vai levar, necessariamente, mais pessoas a consumir a substância. Usar canábis para fins recreativos é uma escolha, sustentam. Mas há consequências, em termos da nossa saúde física e mental, que não conseguimos prever e outras que ainda não são conhecidas.
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A canábis é uma droga pacífica?
Wayne Hall diz que não. Após ter analisado estudos sobre o consumo de canábis, que foram realizados entre 1993 e 2013, este professor da Universidade de Queensland, na Austrália, revelou que no espaço de 20 anos o consumo de canábis aumentou 9,4%. O diretor do Centre for Youth Substance Abuse Research apresentou, ainda, dados perentórios sobre os efeitos da canábis, que têm dividido médicos e investigadores. Wayne Hall conclui que 10% dos consumidores de canábis poderão desenvolver dependência pela substância, facto que é agravado se forem adolescentes, uma vez que nesse caso sobe para os 17%.
Nesta faixa etária, verificou-se que o consumo de canábis abre a porta a outras drogas e aumenta a probabilidade de os adolescentes virem a ser diagnosticados com esquizofrenia na idade adulta. Vale a pena nomear ainda outros efeitos para os quais instituições como a Organização Mundial de Saúde (OMS) alertam. A curto prazo estão descritos na literatura científica a perda de memória, a fraca coordenação motora e reduzida capacidade de reação, pânico ou ansiedade. E o consumo intenso e prolongado no tempo está associado aos seguintes efeitos, a longo-prazo.
Os especialistas referem uma menor capacidade para debelar doenças vulgares, como as constipações, além de um enfraquecimento do sistema imunitário, um pior desempenho sexual, dificuldades de concentração e ainda, nalguns casos, alterações ao nível da personalidade e do comportamento.
Terapia eficaz
Desde a legalização da canábis para fins recreativos, em 2012, no estado do Colorado, nos EUA, também se têm visto benefícios do consumo desta substância. A criminalidade baixou cerca de 40%. O turismo local fidelizou novos clientes. Prevêem-se lucros astronómicos. E terapias alternativas baseadas em canábis (legalizadas em 2000) começam agora a dar frutos muito promissores. Josh Stanley e o neurocirurgião Sanjay Gupta desenvolveram uma variedade de canábis que não tem efeitos psicoativos e está a dar cartas no tratamento de crianças com casos raros de epilepsia, anteriormente considerados incuráveis.
Aos três meses Charlotte Figi foi diagnosticada com síndrome de Dravet que lhe provocava convulsões a cada 20 minutos, com durações médias de 20 minutos. Dependia de sete medicamentos distintos, não sabia falar e não tinha controlo sobre o seu corpo. Estava paralisada. Passados cinco anos, os pais de Charlotte descobriram Stanley e Gupta que, não sem dilemas éticos, concordaram em ajudar. E conseguiram. Na primeira aplicação do novo tratamento com canábis, Charlotte passou de trezentas convulsões por semana, para uma. Hoje fala e dança.
À beira-mar plantada
Não será, portanto, de estranhar que a Autoridade Nacional do Medicamento, conhecida por Infarmed, tenha dado luz verde à plantação de canábis para o fabrico de medicamentos. Estes serão produzidos no Reino Unido, pela GW Pharmaceuticals, com o objetivo de aliviar «a dor derivada de doença oncológica, na esclerose múltipla e na epilepsia», explica o instituto público português.
Inédita em Portugal, a autorização foi concedida à sociedade Terra Verde pelo período de um ano e «considera-se renovada por igual período», caso o Infarmed não se pronuncie até 90 dias antes do termo do prazo. A empresa com sede no Montijo poderá plantar a espécie cannabis sativa, com níveis baixos da principal substância psicotrópica (THC). Cerca de 2% dos 30% encontrados na canábis usada para efeitos recreativos.
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Popularidade incontestável
A prevalência do consumo de canábis, na população portuguesa entre os 15 e os 64 anos, ronda os 9,4% ao longo da vida e 2,7% em 2011, segundo dados do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD). E, de acordo com a OMS, cerca de 147 milhões de pessoas consomem canábis, a nível mundial. Mais, estima-se que se a indústria da canábis fosse legal, em todos os estados dos EUA, teria lucros na ordem dos 78 mil milhões de euros. Só em 2014 deve movimentar cerca de dois mil milhões de euros. Para uso recreativo, a canábis é legal em dois estados norte-americanos e não é criminalizada noutros onze.
Satisfazer o apetite
Além de melhorar o humor e ser um relaxante natural, a canábis também aumenta o apetite. Saiba o que deve comer para acalmar o estômago:
- Sementes de girassol
Por serem ricas em gorduras boas, como o ácido palmítico, saciam sem prejudicar a saúde. Ingira cruas, sem casca e sem sal, com iogurte ou na salada.
- Pimentos
Cores vivas, sabor pungente e de versátil aplicação culinária: os pimentos são legumes que saciam durante longos períodos de tempo.
- Grão-de-bico
Fornece amido, que funciona como combustível para o organismo. É rico em fibras alimentares que ajudam a eliminar os açúcares, as gorduras e o colesterol.
Na rota das aplicações
Existem várias apps sobre a canábis mas duas merecem particular destaque:
- Massroots
A aplicação conta com 170 mil utilizadores que publicam fotografias relacionadas com o uso da canábis. Recentemente, Massroots recebeu 150 mil dólares em investimento e permite publicidade a produtos, como as plantas de canábis, bolos e bebidas que usam a substância como ingrediente.
- Weedmaps
Fatura 18 milhões de dólares anualmente. Permite aos utilizadores comunicar entre si, saber onde podem encontrar lojas que vendam canábis, consultar um médico e ainda faz entregas ao domicílio. Tudo através de um mapa interativo. Recomendamos que consulte o mapa da capital do estado do Colorado, Denver, nos EUA.
Texto: Filipa Basílio da Silva
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