Desde a aprovação do Viagra, em 1998, que se fala numa versão feminina. Estudou-se a aplicação do Viagra nas mulheres, sem sucesso e, desde 2010, a Food and Drug Administration (FDA) recusou duas vezes a aprovação da flibanserina, uma substância desenvolvida inicialmente para tratar a depressão mas que se viria a revelar mais promissora no tratamento da falta de desejo sexual feminino. Em junho deste ano, um comité consultivo de especialistas recomendou à FDA, num relatório aprovado com 18 votos contra seis, a aprovação deste medicamento.
«Será uma luz ao fundo do túnel», considera a ginecologista Maria do Céu Santo, uma das mais reputadas especialistas do país. Testado em mulheres, com relações de longa duração satisfatórias, que têm uma diminuição persistente do interesse sexual sem causa aparente, este medicamento tem uma atuação diferente da famoso comprimido azul. «O Viagra é um vasodilatador que atua estimulando o fluxo sanguíneo que permite a ereção masculina e funciona na hora em que se toma o comprimido», começa por explicar a especialista.
«A flibanserina atua no cérebro ao nível dos neurotransmissores que regulam o desejo e implica uma toma continuada para ter efeitos», acrescenta ainda. O objetivo final é o mesmo, ter uma vida sexual satisfatória. As diferenças na forma de atuação justificam-se porque os mecanismos do desejo são diferentes nos homens e nas mulheres. «A libido dos homens não é tão influenciada pela paixão que é determinada por neurotransmissores», refere.
«Neles, a testosterona tem mais influência», explica a ginecologista. Maria do Céu Santo considera que, agora que foi aprovada, a flibanserina poderá ser um aliado para mulheres que, embora não sintam motivação para ter relações sexuais, conseguem sentir prazer e ter uma relação sexual satisfatória. «Poderá atuar nestes casos, ajudando a mulher a iniciar a atividade sexual, estimulando o seu interesse sexual», assegura.
As reservas dos especialistas
O entusiasmo em relação ao novo medicamento é, ainda assim, moderado. A par da existência de efeitos secundários (enjoos, desmaios, náuseas, descida da tensão arterial) os ensaios clínicos revelaram resultados modestos ao nível da eficácia. Um aumento de 1.7 no número de encontros considerados sexualmente satisfatórios, sendo que o grupo com placebo teve um aumento de 1. A explicação pode estar na complexidade do desejo sexual feminino, muito mais intricado do que o dos homens, como explica Ana Carvalheira, psicóloga clínica.
«O desejo feminino é demasiado multifatorial [influênciado por stresse, medicação, patologias, causas psicológicas ligadas à relação, falta de autoestima], flutuante e frágil para ser resolvido por um comprimido que se foca apenas num fator, neste caso os neurotransmissores. O desejo feminino pode ir dos zero aos 100 e dos 100 aos zero em segundos. Adoraria que funcionasse mas, tendo em conta a minha experiência clínica, não acredito», desabafa.
Para a especialista, «a solução é outra» e explica qual. «As mulheres têm de perseguir mais o seu prazer sem culpa e isto começa desde cedo, com a educação e socialização das meninas», afirma. «Ultrapassar o problema do desejo hipoativo nas mulheres passa mais por mudanças sociais do que pelos neurotransmissores», acrescenta ainda.
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O que é a flibanserina?
Trata-se de um medicamento destinado às mulheres na faixa pré e peri menopáusica que tenham diminuição ou ausência de desejo sexual, não causados por doença, medicamento ou outras circunstância e para as quais isso represente um problema.
Como atua?
Ao nível do cérebro, alterando os níveis dos neurotransmissores com influência no desejo sexual feminino. Os níveis de dopamina e norepinefrina aumentam a excitação/paixão e os de serotonina inibem o desejo. A flibanserina atua reduzindo a libertação de serotonina e aumentando a produção de dopamina e norepinefrina.
Quando chega a Portugal?
Só depois da aprovação oficial nos EUA, que ocorreu no dia 18 de agosto de 2015, se saberá quando, terá início o processo de aprovação na Europa.
Texto: Bárbara Bettencourt com Ana Carvalheira (psicóloga clínica, psicoterapeuta e professora no ISPA – Instituto Universitário) e Maria do Céu Santo (médica ginecologista e coordenadora do Núcleo de Medicina Sexual da Sociedade Portuguesa de Ginecologia)
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