Quando a minha filha mais velha tinha um ano, fui repreendida por uma vizinha pelo simples facto de ter dito à criança para apanhar um carro do chão. Um brinquedo de três ou quatro centímetros, com uns 200 gramas e que, tendo quatro rodas, um tejadilho e um volante no interior, era uma reprodução daquela coisa que nos transporta de um lado para o outro. Chamei-lhe carro, mas podia ter-lhe chamado automóvel ou – porque não? – viatura. Ora, a minha vizinha achou que “carro” era uma palavra demasiado adulta para uma criança de 12 meses, dizendo-me de cabeça erguida que eu seria mais pedagógica se me tivesse referido ao objeto como um “pópó”.
[escusado será dizer que a minha relação com a referida vizinha nunca passou disso mesmo. De uma relação de meros “cucus” no vão da escada.]
Esta coisa de se chamar nomes fofinhos às efermidades da vida sempre me fez alguma confusão. Porque raio havia eu de falar outra linguagem com as crianças que não aquela que utilizo no dia-a-dia? Ainda hoje, que o peso da idade já me obrigou a outra paciência e compreensão, estranho quando ouço alguém impingir um pedaço de carne a uma criança, incentivando-a a “papar a chicha toda”.
Os meus filhos não são os novos einsteins da era moderna, mas orgulho-me de terem um vocabulário bastante rico e muito pouco infantil. E orgulho-me por eles, mas sobretudo por mim - que, seja pela velocidade da vida ou por este meu lado demasiado prático, me livro de ter de acelerar o processamento cognitivo para encontrar sinónimos abebezados de cada vez que quero comunicar com eles.
[até porque, como já se vai perceber, reconheço a minha terrível ineficácia neste tipo de linguagem…]
Há dias, fiquei por momentos a supervisionar a filha de um amigo meu e ia ocorrendo um verdadeiro colapso cósmico quando a criança entrou num choro compulsivo porque eu não entendi o seu pedido. Ela queria “ir ao cocó depressa”. Peguei na menina e levei-a à casa de banho, tendo sido precisamente aí que o drama iniciou. Que não, não queria a sanita, mas sim “ir ao cocó depressa”. Não tendo já ela idade para fraldas, juro que me passou pela cabeça que, naquela família, existisse algum preceito escatológico que fugisse ao meu escasso entendimento. Apareci-lhe então com um bacio na mão que a fez desatar no maior berreiro. “Não quero o bacio, quero ir ao cocó depressa!”.
Foi ao fim de muitas lágrimas (dela, mas também quase minhas) que entendi que ela queria ver a galinha que o senhor seu pai tinha no jardim de casa. Um cocó, portanto.
Um bem-haja a todas as mães que têm paciência e discernimento para recriar a linguagem com que comunicam com os seus filhos. Sem ponta de ironia, gabo-lhes a paciência e a agilidade de raciocínio. Cá eu, continuo a achar que cocó é uma coisa que se faz na sanita. Vá, ou na fralda, se tivermos menos de três anos ou mais de 90.
Alda Benamor
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