É completamente inevitável. A chegada de um filho altera forçosamente os hábitos e rotinas de qualquer família. Os pais iniciam uma nova etapa, criam expetativas e projetam um futuro.

Centram a sua energia e atenção na atividade de cuidar dos filhos e esquecem-se, por vezes, deles próprios.

Quando nasce uma criança com deficiência, o impacto na vida familiar é ainda maior e, face às necessidades deste filho especial, podem até surgir conflitos e instabilidade emocional. O movimento Pais-em-Rede nasce com o objetivo de mudar mentalidades, apoiar os pais e lutar pela qualidade de vida destas crianças e das suas famílias. Fomos conhecê-lo.

Agir para mudar

Sara Martins, 42 anos, é mãe de uma criança com autismo. «Recebi um diagnóstico que me arrasou, pois esta deficiência tem um estigma muito pesado. Cerca de uma semana depois comecei a tentar encontrar estratégias para ajudar o meu filho a sair desse mundo do autimo», revela.

Como refere esta mãe, «os pais com filhos com deficiência tornam-se verdadeiros investigadores, é necessário estarmos devidamente informados para termos um papel ativo no projeto de vida dos nossos filhos e encontrar uma autonomia que lhes permita ser cidadãos no gozo pleno dos seus direitos».

Esta mãe teve conhecimento do Pais-em-Rede no decorrer de uma conferência na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. «Já há algum tempo que fazia também a minha rede e tentava dinamizar outros pais para conseguirmos soluções em conjunto. Preenchi a minha inscrição e desde logo me disponibilizei para dinamizar um núcleo em Évora», relata.

Uma causa comum

Com dois anos de existência, o movimento Pais-em-Rede é um projeto considerado pioneiro em Portugal. É constituído por uma rede de famílias e organizado por núcleos locais com coordenação distrital. O seu objetivo é incentivar o desenvolvimento de competências parentais e encontrar soluções práticas para os problemas das pessoas com deficiência.

«Em Portugal não há inclusão de espécie nenhuma. Há medidas que se tomam, há uma legislação, que é boa, mas não se cumpre», sublinha Luísa Beltrão, presidente da direção do movimento, frisando: «pretendemos ser um parceiro social capaz de ter força política para apoiar as decisões tomadas localmente. Queremos ser a voz dos pais».

Formação parental

Porque os pais especiais precisam de competências especiais para ajudar o seu filho no processo de inclusão, foram recentemente criadas oficinas de pais, com o apoio do Alto Comissariado para a Saúde/Fundação Calouste Gulbenkian.

«No ano passado [2010] fizemos uma edição experimental que construiu um modelo de formação parental de partilha e troca de saberes», explica Júlia Serpa Pimentel, professora universitária, psicóloga e coordenadora das Oficinas de Pais.

Sara Martins reconhece que esta formação «permite o autoconhecimento. Adquirimos competências de autoconfiança e percebemos que não estamos sozinhos». Luísa Beltrão vê neste projeto «uma porta que se abre» e apela para um esforço comum, «a mudança de mentalidades é um processo muito lento e é importante dar visibilidade aos problemas. Há cerca de dez por cento de deficientes em Portugal e na rua veem-se muito poucos».

Oficinas de pais

Apoio emocional (1º nível)
Pretende-se que os pais se encontrem com os seus pares para troca de experiências, que compreendam os efeitos do filho com deficiência na sua família, que consigam identificar problemas e necessidades para encontrar as respostas.

Formação parental (2º nível)
Os pais que integrem os grupos para capacitação, fortalecimento e coresponsabilização, terão acesso a mais informação sobre um ou vários temas, de acordo com as problemáticas específicas do seu filho. «Estes grupos são mais homogéneos, ou seja, procurar-se-á reunir pais com filhos de idades próximas e necessidades semelhantes» explica Júlia Serpa Pimentel, psicóloga.

Formação de pais prestadores de ajuda (3º nível)
«Só depois de terem experienciado estes dois níveis de participação é que alguns pais poderão aceder ao terceiro nível de formação», explica a psicóloga. Aqui serão abordados temas como formação/informação em voluntariado e cidadania, entre outros. «A ajuda a outros pais poderá vir a ser prestada em diferentes fases da vida das crianças/famílias e os pais prestadores de ajuda terão sempre o apoio e a supervisão de profissionais», esclarece.

Texto: Cláudia Silva com Luísa Beltrão (presidente do movimento Pais-em-Rede), Júlia Serpa Pimentel (psicóloga) e Sara Martins (testemunho)