A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) divulga hoje o seu mais recente relatório sobre a Rede CARE – Apoio a Crianças e Jovens Vítimas de Violência Sexual, que mostra que entre 2016 e 2020 a organização apoiou 1.599 crianças e que o número de menores ajudados passou de 195 casos para 432.
Em declarações à agência Lusa, a coordenadora da Rede CARE apontou como uma das razões para esse aumento o facto de as crianças e jovens terem ficado mais tempo em casa, na sequência do confinamento por causa da covid-19, e mais ligadas à internet.
“Não vamos diabolizar a internet porque tem sido muito útil nestes períodos, quer para o ensino quer para manter contacto com a família e os amigos, mas de facto há uma maior exposição a este contexto que se não for supervisionado pode ser de risco”, apontou Carla Ferreira, acrescentando que foi percecionado “um crescendo das situações acontecidas no contexto online”.
A responsável apontou que se as crianças estão mais tempo ligadas à internet, seja para estudar ou para estar em contacto com os amigos – atividades que normalmente fariam presencialmente, em contexto de escola — “o risco é maior” desde logo por uma eventual menor supervisão parental.
“Quer porque os pais não fazem ideia de como fazer essa supervisão, quer porque, por exemplo, os pais estão a trabalhar em casa e ou estão a trabalhar ou a supervisionar”, salientou.
Carla Ferreira sublinhou que os crimes online não são uma novidade gerada pelo confinamento por causa da pandemia da covid-19, mas admite que este contexto tenha provocado uma “maior precipitação” na ocorrência deste fenómeno.
“Este crescendo foi mais acentuado e se calhar seria mais gradual e teve a ver com o aproveitamento de vários fatores de risco: quem pratica aproveita-se da menor supervisão, e de maior proximidade com a vítima para iniciar e manter a situação”, explicou a responsável.
De acordo com a coordenadora da Rede CARE, a APAV identificou sobretudo dois tipos de fenómenos dentro dos crimes através da internet: a pornografia e o aliciamento de menores.
Carla Ferreira explicou que há situações de partilha de imagens das crianças e jovens, às vezes feitas pelas próprias, em que as imagens são partilhadas, num primeiro momento apenas com uma pessoa, mas depois de forma massiva nas redes sociais.
Foram também identificados casos de ‘sextortion’, ou seja, quando são enviadas imagens de natureza sexual a pedido de alguém e depois esse alguém ameaça divulgá-las se a criança ou jovem não lhe enviar mais imagens ou até dinheiro.
Além destes casos, há ainda situações de aliciamento, em que é feito contacto com a criança e rapidamente são descobertas as rotinas do menor e os sítios que frequenta para ser tentado um contacto presencial ou envio de imagens e o aliciamento para algo de natureza sexual.
A responsável adiantou, por outro lado, que a APAV tem vindo a trabalhar, e espera conseguir implementar nos próximos meses, um projeto de “prevenção estruturada e universal” desde o pré-escolar ao ensino secundário e profissional.
Carla Ferreira defendeu que é importante começar a prevenção o mais cedo possível porque isso vai evitar não só vítimas, mas também potenciais situações de agressão.
“Vai ensinar competências, dotar as crianças e jovens de noções mais claras sobre o que é violência e violência sexual, que comportamentos se podem ou não ter e a prevenção é fundamental porque não previne apenas a existência de vítimas, também previne potenciais situações de agressão”, sublinhou.
De acordo com a responsável, este programa estará adaptado a cada grau de ensino e tem como objetivo “dotar as crianças de competências para identificar situações abusivas”, de modo que essas situações terminem o mais rápido possível e não se prolonguem no tempo.
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