Como foi a sua gravidez e o processo de acompanhamento obstétrico? Correu sempre tudo bem até ao momento do parto?
Durante a minha gravidez fui seguida na Maternidade Alfredo da Costa mas como queria ter o bebé no privado, no mês em que a Teresa ia nascer – em janeiro – passei a ser acompanhada nos Lusíadas. Até aí correu tudo bem, mas com algumas particularidades que mostram que, na Alfredo da Costa, não há uma grande preocupação com a privacidade da mulher. Há um exame que as grávidas têm de fazer na reta final da gravidez para verificar a existência de uma bactéria. Quando estava a ser examinada, para além de entrar uma enfermeira que deixou a porta aberta, a minha médica, que me estava a fazer o exame, foi conversar com ela. E eu estava sentada na marquesa, nua da cintura para baixo, virada para a porta sem nenhum lençol a tapar-me. Quem passasse no corredor, fossem pacientes ou médicos, olhava e via o que se passava. Essa situação foi muito desconfortável, pois fez-me sentir muito exposta. Depois fui para os Lusíadas e lá aconselharam-me duas médicas, mas como ambas estavam ocupadas eu fiquei com aquela que estava disponível.
E como lhe pareceu esta nova médica?
Antes do parto só tive duas ou três consultas com ela, que por sinal ia de férias no fim do mês, mas pareceu-me simpática, acessível e normal. Nas nossas conversas sobre o parto e a gravidez eu sempre disse, em tom leve, ‘Eu não quero ficar com o bebé até às 42 semanas.’ Mas nunca disse que queria induzir o parto ou que o bebé nascesse antes das 40 semanas. A partir das 39 semanas ela pediu-me para marcar uma consulta para perceber se o bebé estava perto de nascer, que não estava. ‘Vamos ver como é que isso está. Vamos ver se o colo do útero já está mais fino’, disse-me. E nessa consulta ela fez-me um toque, que já me tinha feito antes, mas que desta vez foi mais desconfortável porque me começou a mexer na barriga e foi um bocado doloroso. Como era o meu primeiro filho e não sabia nada, achei que era um procedimento normal. No fim disse-me ‘Fiz-lhe aqui um 'toque malandro'. Amanhã de manhã diga-me como é que se sente’.
Teve noção daquilo que lhe fizeram durante a consulta?
Não. Eu nunca tinha tido um filho, não tinha assim muitas amigas que tivessem passado por isso e eu não fazia ideia o que era o 'toque malandro'. Pensei que ela se estava a referir ao facto de me ter visto desconfortável e com dores. Em seguida fui para casa do meu namorado em Oeiras, mas se eu soubesse o que é que ela me tinha feito tinha ficado em Lisboa. E foi logo nessa noite que me rebentaram as águas e que comecei com contrações. Entrei em trabalho de parto, às 6h da manhã fui para o hospital e foi o procedimento de admissão habitual tirando o facto de ter sido obrigada a responder a perguntas sobre tudo e mais alguma coisa quando estava cheia de dores e contrações. Às 10h levei a epidural e às 11h, como já estava a ficar com dores, chamei a enfermeira para me dar o reforço. Antes de avançarem com isso, foram ver como é que estava tudo e disseram-me que, como já tinha a dilatação completa, não me podiam dar o reforço. Fui para o bloco de partos e vem outra enfermeira que me diz o seguinte: ‘O bebé não vai nascer porque o colo do útero está espesso. Para além da dilatação, o colo do útero já tem de se ter desfeito para o bebé passar.’
E isso causou-lhe algum tipo de ansiedade?
Não. Não fiquei nervosa porque também sou uma pessoa mais tranquila. Isto já eram 11h30 da manhã e como estava cheia de dores pedi para me darem novamente o reforço, ao que me responderam ‘Agora já não pode ser, por isso vamos dar-lhe um paracetamol. Demora 20 minutos a fazer efeito, se daqui a 30/40 minutos ainda estiver com dores chame-me.’ A verdade é que aquilo não fez nada. Esperei os 20 minutos, esperei até aos 30 minutos e esperei até aos 40 minutos até voltar a chamar enfermeira. ‘Estou cheia de dores. Por favor, deem-me a epidural ou qualquer coisa porque eu não estou a aguentar.’ Ao que me responderam ‘Vamos dar-lhe outro paracetamol’. E andaram com paracetamol até às 15h da tarde, que foi a hora a que bebé nasceu. Estive desde as 11h e pouco da manhã até às 15h no bloco de partos sem me poder levantar, porque tinha de estar deitada, e sem comer. Só tinha um bocadinho de música. Eu estive sempre a dizer que estava com dores, que queria a epidural e foram quatro horas a sofrer sem necessidade devido a um erro deles: levaram-me cedo demais para o bloco. A minha ideia não era ter um parto sem anestesia, mas foi o que aconteceu.
Tinha algum plano de parto?
Nunca falei disso com a médica. Sempre disse que não queria cesariana, porque esta médica era muito conhecida por isso. Durante as duas ou três consultas que tivemos ela estava sempre a deixar no ar a ideia de que o bebé era capaz de ser grande para mim e que tinha de estar em cima da mesa a opção da cesariana. Mas a verdade é que as cesarianas também são mais caras e ela tinha interesse nisso.
E na hora do parto como é que tudo se desenrolou?
Já estava com contrações desde as 20h da noite anterior, e quando estava tudo pronto para o bebé nascer, para além de super cansada e frustrada das dores, já não conseguia fazer força. O meu corpo só se contraía. Os médicos só me diziam ‘Vai ter de nos ajudar’ e eu respondia ‘Estou cheia de dores. Não consigo.’ Na altura a enfermeira até me pressionou um bocadinho a barriga para auxiliar o bebé a nascer e disseram-me que me iam fazer um corte para ser mais fácil. Mas mais uma vez não sei se isso foi mesmo necessário, porque o período expulsivo – entre dizerem-me ‘faça força’ e o bebé nascer - foram 15 minutos, que é o normal. Quando levaram a Teresa para ser medida e pesada, eu começo a olhar para o relógio, vejo o tempo a passar e, na minha cabeça, fiquei a ser cosida uns 40 minutos. Pensei que tinha levado imensos pontos. Quando a médica saiu do bloco, lembro-me de ela dizer ‘Pois, mais valia ter sido cesariana’, mas não sabia ao que se estava a referir.
Em algum momento lhe explicaram o que se passava?
Ninguém me disse nada. Não me explicaram porque é que estava a demorar tanto tempo [a sair do bloco] e na minha cabeça pensei ‘Levei imensos pontos. O bebé tem três quilos e tal e pode ter rasgado mais.’ Quando estou a ir para o recobro digo que me estou a sentir mal, a tremer imenso, e que preciso de comer alguma coisa, ao que me respondem ‘Não pode comer nada’. ‘Ok. Então dê-me pelo menos um pacote de açúcar porque me estou a sentir muito mal.’ E dizem-me ‘Não pode ser.’ E eu volto a insistir ‘Então uma água… Eu preciso de alguma coisa porque não me sinto bem.’ ‘Não pode ser nada’. Acabei por ficar duas horas no recobro a sentir-me muito mal, algo que eu sempre associei a um pós-parto normal. Quando fui para o quarto, deram-me umas bolachas com chá e não me disseram mais nada. À noite, na primeira vez que me levantei para ir à casa de banho com a enfermeira, desmaiei. Nisto chega a minha médica – que se ia despedir porque ia de férias – vê o que se passa e a minha mãe pergunta-lhe se tinha corrido tudo bem no parto e se eu não tinha perdido muito sangue. ‘Não, apenas o normal. Vim só despedir-me porque vou de férias e já tem a alta passada [para dali a duas noites]’ e foi-se embora. Mas sempre que me levantava com a enfermeira, desmaiava. Eu pensava que isto era tudo normal e que, se calhar, era mais fraquinha. Passados dois dias, na manhã em que supostamente ia sair do hospital, uma enfermeira que estava a fazer a ronda passa no meu quarto, olha para mim e pergunta ‘A sua cor... Está a sentir-se bem?’ E eu disse que sim, porque pensei que todo o cansaço e a fraqueza que eu sentia era por ter tido um filho. ‘A sua cor não é muito boa por isso vamos passar-lhe umas análises ao sangue.’ Quando vieram os resultados eu estava com a hemoglobina no 6.6. O nível 12 é o mais alto, 11 é anemia e sete é transfusão de sangue. Eu tive de levar duas transfusões e mesmo assim, quando saí do hospital, estava com os valores no nível oito. Na altura foi complicado passarem-me suplementos de ferro porque eu já tinha a minha alta passada. Acabei por ficar mais uma noite e saí com uma anemia grave e uma alta de paracetamol. Mais tarde fui ao médico e aconselharam-me a fazer uma transfusão de ferro porque com os suplementos ia demorar mais tempo a recuperar.
E como é que sentiu ao descobrir tudo isto?
A hemorragia não foi culpa da médica, mas ela teve culpa ao não me dizer o que se tinha passado. Eu saí sem saber ao certo porque é que tive a hemorragia e o que é que aconteceu. Nos 40 minutos em que eu estive a olhar para o relógio, a pensar que estava a ser cosida, os médicos estavam a estancar a hemorragia, que depois vim a descobrir que se tratava de uma atonia uterina [que se caracteriza pela perda da capacidade de contração do útero]. E se não me queriam dizer na altura para não ficar nervosa, deviam tê-lo feito depois.
Após isto acontecer, teve noção de que tinha sido vítima de violência obstétrica? Já tinha ouvido falar no tema? Sabia o que era?
Não. Nunca tinha ouvido falar nisso e não fazia a mínima ideia do que era. As pessoas com quem falei disseram-me para apresentar queixa porque achavam que eu tinha passado, não tanto por uma situação de violência obstétrica, mas sim por diversas situações de negligência médica: fazerem-me o 'toque malandro' sem eu saber; a questão de ter tido uma hemorragia grave que me foi ocultada; terem-me deixado a alta passada com paracetamol… Mas após ler os relatos de diversas mulheres, como é obvio que consigo enquadrar algumas destas situações como sendo violência obstétrica. Ainda que não tenham sido traumatizantes, foram muito desnecessárias e ainda demorei um bocadinho a processar isto tudo. Ainda agora, já a Teresa tem praticamente dois anos, só de pensar nas dores que tive até me dá um arrepio na espinha.
Agora que está grávida novamente sente que esta experiência a ajudou a preparar-se melhor para o novo parto?
Acho que estou mais bem preparada porque já tive um filho e já sei como é que tudo se processa. Em relação ao expressar a minha vontade, se desta vez perceber que me vão fazer um 'toque malandro' eu já consigo dizer alguma coisa porque sei que não é aquilo que eu quero. E isto é um conhecimento que eu tenho agora e que era desnecessário ter, porque nenhum médico obstetra deve fazer essa intervenção sem pedir autorização à paciente. Em relação ao parto, o mais importante para mim foi encontrar um médico em quem eu confiasse, que me acompanhasse melhor e que me tratasse com mais cuidado nesta segunda gravidez. Até chegar ao meu médico atual, tive consultas com outros profissionais de saúde a quem perguntei o que achavam da situação da hemorragia e diziam-me sempre 'um parto é um parto, outro parto é outro parto.' Mas este médico - e foi por isso que eu o escolhi - foi o único que me disse que 'um parto é um parto, outro parto é outro parto mas se houve esta hemorragia no primeiro não vamos arriscar a que aconteça o mesmo no segundo'. E neste parto já sei que vou ter de fazer uma medicação preventiva uma vez que tenho 10% de probabilidade de voltar a ter.
Comentários