Susana Sílvia, 37 anos, senta-se na fila da frente e é apontada pela professora como a melhor da turma. Os olhos azuis de Susana saltam entre o Cartão do Cidadão, pousado na mesa, e os impressos da Segurança Social, para onde copia atentamente os seus dados pessoais, cumprindo o sumário da aula.
Em criança, foi à escola um único dia. De etnia cigana, andava pelas feiras com a família. Hoje vive com as consequências do analfabetismo. No Curso de Educação e Formação de Adultos (EFA) de Santo Tirso tenta agora apagar as marcas do analfabetismo e esforça-se por conseguir o diploma do 4.º ano.
Susana lamenta que a escola não tenha aparecido mais cedo na sua vida. Podia ter ajudado os filhos com os T.P.C. e, quem sabe, podia ter arranjado um emprego.
António, 40 anos, é colega de Susana. Têm aulas numa sala de aula improvisada na central de camionagem de Santo Tirso, que é frequentada por doze adultos, a maioria em idade ativa.
Os graves problemas de visão acabaram por o afastar da escola. A pobreza da família não permitiu comprar os óculos que precisava. Às dificuldades em aprender juntou-se a vergonha e António acabou por desistir quando estava no 3.º ano: “As crianças juntavam-se a fazer pouco de mim e eu fugia. A minha mãe pensava que eu ia, mas não. Faltava muitas vezes”, recorda.
António senta-se perto do irmão Armindo, de 44 anos, também analfabeto e seu colega de turma. É Armindo quem acaba por revelar que o irmão não consegue usar o multibanco sozinho: “Ele é cinco estrelas a números, mas a ler é pior”, explica.
Todas as manhãs têm aulas. Todos tentam atingir o que não puderam em criança: concluir o 4.º ano.
No entanto, o diploma no final do curso poderá ser um objetivo impossível de alcançar, mesmo para quem se destaca, como Susana Sílvia que, às vezes, ainda se engana a escrever o próprio nome.
Não é por falta de empenho ou de vontade de aprender. A professora Emília Cruz diz que a formação para adultos tem muitas falhas: o ano letivo é muito curto - este ano foi de apenas cinco meses – as turmas são muito grandes e na mesma sala trabalham alunos com níveis de conhecimentos muito diferentes.
Os tradicionais cursos de alfabetização acabaram em 2010. Agora, as formações existentes não se adequam a ensinar um adulto analfabeto e falta financiamento para abrir mais turmas, critica Vitor Moreira, coordenador do Centro para a Qualificação e Ensino Profissional da Escola Tomás Pelayo, em Santo Tirso, onde decorre o curso EFA frequentado por esta turma.
“Tendo em conta o custo/beneficio, diria que não é elevado, mas se calhar há quem pense de maneira diferente”, lamenta Vítor Moreira.
O Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) financia Programas de Competências Básicas e diz que cada turma – que tenha entre 12 e 15 alunos - custa cerca de mil euros.
Em Portugal existem cerca de 500 mil analfabetos, dos quais cerca de 30 mil estão ainda em idade ativa, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística.
Carla Monteiro, 29 anos, lamenta que em Fão, no concelho de Esposende, não possa agarrar uma oportunidade semelhante à da turma de Santo Tirso. Chegou a frequentar um curso de jardinagem com o marido, onde aprendeu a reconhecer algumas letras, mas nada mais do que isso.
Foi o filho mais novo, Ismael, de oito anos, que a ensinou a escrever o nome. Algo que ainda faz lentamente, em letra de imprensa, de forma hesitante e sob a supervisão do filho.
É também ele que a ajuda a ir às compras e descodificar os preços que não consegue distinguir, por nunca ter andado na escola.
Quando Ismael não pode ir, tem que ignorar a vergonha.
“Tenho que perguntar às pessoas e, às vezes, apanho um bocado de vergonha, porque pergunto e elas dizem: “Olha aqui o preço”. Mas eu não sei ver”, confessa a jovem de etnia cigana.
Carla não consegue ler uma carta ou uma receita médica, não consegue contar dinheiro. Não consegue encontrar um emprego, nem a fazer limpezas. Com apenas 29 anos já desistiu de um dia vir a ser cabeleireira, o sonho de criança que o analfabetismo não deixa cumprir.
“Gostava de aprender, mas a vida não permite”, diz a jovem à Lusa, que lamenta não poder frequentar a escola.
Histórias de dificuldades como as que Carla sente não são estranhas para a professora Emília. E entre casos de limitações no quotidiano dos seus alunos, há também histórias de superação.
Recorda, por exemplo, o episódio de uma aluna que, quando se separou do marido, foi obrigada a arranjar uma casa para viver sozinha. A aluna, analfabeta, procurou nos prédios todos os anúncios que tivessem palavras começadas por “A”.
“Ela perguntou se a palavra “Aluga-se” começava por “A” e foi assim que procurou e encontrou casa”, conta Emília, da aluna que frequenta a turma da tarde.
A diferença em relação aos alunos da manhã, é que os da tarde têm mais dificuldades. Emília Cruz tem alunos que não reconhecem os algarismos e, por isso, não sabem fazer um telefonema ou escrever a data de nascimento.
Para alguns ir às aulas é uma conquista: “Há alunos que não conseguem apanhar um autocarro. O facto de não conseguirem ler o destino do autocarro causa-lhes insegurança e ficam dependentes de quase tudo”, conta.
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