O Estado devia continuar a acompanhar os jovens quando saem das instituições de acolhimento, designadamente na procura de emprego e de casa, à semelhança do que acontece com as vítimas de violência doméstica, defende um estudo.

 

“O acompanhamento pós-institucional tem que ser uma realidade”, sublinha o estudo “Os desafios da autonomização - processos de transição para diferentes contextos de vida, segundo jovens adultos ex-institucionalizados”.

 

O autor da investigação, João Pedro Gaspar, trabalha há mais de 10 anos em instituições de acolhimento para crianças e jovens em risco e percebeu as dificuldades que os jovens têm após a saída da instituição.

 

Na sua tese de doutoramento, o investigador do Instituto de Psicologia Cognitiva da Universidade de Coimbra procurou compreender, na perspetiva dos jovens, a influência da vivência institucional no desenrolar da sua vida adulta e na forma como organizam o percurso de vida.

 

Para isso recorreu a uma base de dados com 100 jovens adultos que viveram mais de 10 anos em instituições, selecionando 26 para a investigação.

 

Como momentos marcantes, os jovens apontaram a entrada e saída do lar, o abandono da família, e as amizades que fizeram na instituição.

 

“Uma autonomização brusca, sem uma rede de contactos familiares ou outros, tende a ser percecionada pelos jovens como uma “transição negativamente marcante” e a principal responsável por uma “vida adulta sem um rumo definido nem uma integração social adequada”, refere o estudo.

 

João Pedro Gaspar adianta que muitos destes jovens não têm o apoio que tanto necessitam na altura de arranjar emprego, um fiador para alugar uma casa e outras situações sociais e económicas.

 

Por isso, defende, o Estado devia continuar acompanhá-los nesta fase através de redes de apoio ou de um “suporte interventivo” que atuasse ao nível da habitação ou do acesso ao mercado de trabalho, “como se alvitra fazer para as vítimas de violência doméstica”.

 

“Trata-se de um investimento preventivo, pois a mendicidade e delinquência”, com passagens por casas-abrigo ou vivendo na rua, “não podem ser alternativas válidas para quem na infância foi confrontado com o lado amargo da vida”, salienta.

 

Sobre a saída do lar, os jovens dizem que se sentiram livres por deixarem o que os “tolheu”, mas também angustiados pela insegurança e revolta provocada pelo abandono que sentiram por parte de quem os acolheu.

 

“É o abandono que sentiram nas famílias e depois de quem os criou”, diz o investigador, explicando que eles sentem que a casa deixou de ser deles, porque nem sempre são bem recebidos quando a visitam.

 

Já a saída da família para o acolhimento institucional é, muitas vezes, vista pelos jovens, como uma punição: “Em diversas ocasiões nunca chegam a perceber o motivo que originou tal penalização, daí a suprema importância” de estabelecer relações de confiança com adultos de referência que consigam “desconstruir” estas perceções.

 

Mas também há “aspetos muito gratificantes” como as amizades que criam com os companheiros e, “em casos excecionais com alguns cuidadores”, que são fulcrais na preparação para a saída.

 

O investigador defende que seria necessário criar uma casa de acolhimento inicial, que funcionasse como “porto de abrigo” quando as crianças são “arrancadas à família”, e outra que prepararia intensivamente os jovens para uma vida independente.

 

Por Lusa