Carla Portugal é um dos rostos anónimos desta pandemia.

Esta empregada de mesa e de balcão num restaurante viu a pandemia tirar-lhe o emprego no ano passado e, com o marido de baixa na altura, não viu outro remédio senão pedir ajuda para pôr comida na mesa para os filhos.

“[O dinheiro] não chegava para tudo e houve alguém que me ajudou”, diz sem hesitar à agência Lusa.

Apesar de se manter no desemprego, a situação familiar melhorou e agora é ela quem todos os dias se voluntaria para ajudar quem precisa de uma refeição diária.

“Comecei a ver muitos pedidos de ajuda e decidi fazer um tacho de comida em casa e divulguei no Facebook que quem precisasse de uma refeição para vir buscar”, conta.

A boa vontade de ajudar foi juntando benfeitores.

“Fazia comida duas vezes por semana na minha casa, mas a ajuda cresceu porque começou a haver doações de bens alimentares para as refeições e para entregar às famílias, como leite, e não tinha espaço em casa”

Carla Portugal associou-se à recém-criada Associação Quatro Corações de Torres Vedras, que, desde 08 de fevereiro, tem a funcionar uma cozinha, onde é a responsável.

“Em vez de o tacho solidário ser duas vezes por semana, passou a ser de segunda a sexta”, refere emocionada e com um sorriso no rosto.

“Alegra-me, é uma satisfação saber que, além de ser trabalhoso, estou a cozinhar para que as pessoas tenham uma refeição digna em casa”, sublinha.

Esta cozinha solidária começou a confecionar cerca de 40 refeições diárias e “hoje vão sair 135 a 140, porque já veio mais uma família pedir ajuda”, conta à Lusa Sofia Saldanha, uma das responsáveis da associação em Torres Vedras.

É o caso de Ivan Oliveira, cidadão estrangeiro “desempregado, sem moradia, sem familiares e dependente de doações”, como o próprio afirma, acrescentando que a pandemia veio reduzir-lhe as oportunidades de trabalho na restauração.

Desde há três dias que recorre a esta refeição diária gratuita, reconhecendo que “é uma grande ajuda para as pessoas que não têm condições”.

Marília Reis é outra das beneficiárias desta ajuda, desde que foi criada.

“Somos seis lá em casa, só a minha mãe é que trabalha. Nesta situação da covid-19, somos todos jovens e não conseguimos arranjar trabalho e, quando não há vergonha e se precisa, temos de pedir ajuda, saber agradecer e nunca desistir”, refere sem hesitar.

Desde a semana passada que Rita Sousa também começou a ir buscar a refeição, “uma ajuda que faz muita falta”, quando ela e o marido estão desempregados e têm dois filhos “a estudar e com problemas de saúde”.

Segundo a responsável da associação, a maioria das pessoas que pede ajuda “até tinham uma vida mais ou menos organizada, estruturada, mas, com a pandemia, viram-se obrigadas a fechar negócios, a ficar em situações de ‘lay off’ ou mesmo desempregadas e tiveram de recorrer a esta ajuda por estarem completamente desamparadas”.

A poupança nos gastos com alimentação vai dando para pagar as contas da casa, acrescenta Ricardo Martins, fundador da Quatro Corações a nível nacional e um dos voluntários em Torres Vedras.

Com os pedidos de ajuda a aumentarem, cresce a onda de solidariedade, com doações de todos os produtos alimentares confecionados, mas escasseiam as mãos, uma vez que os voluntários, grande parte também vítimas da pandemia, são temporários.

É o caso de Ricardo Martins, gerente de um café, em situação de ‘lay off’.

“Aqui ocupo o meu tempo, ajudo as pessoas, sinto-me muito mais útil, dá-me muito mais prazer estar aqui e ajudar as pessoas do que estar em casa sem fazer nada”, conta.

Em Torres Vedras, a Quatro corações, criada na pandemia, distribui refeições diárias, mas também outros bens alimentares essenciais e vestuário.

Os dois primeiros casos de pessoas infetadas em Portugal com o novo coronavírus foram anunciados em 02 de março de 2020, enquanto a primeira morte foi comunicada ao país em 16 de março.

No dia 19, entrou em vigor o primeiro período de estado de emergência, que previa o confinamento obrigatório, restrições à circulação em Portugal continental e suspensão de atividade em diversas áreas.

A suspensão ou restrição de atividade em variados setores, como restauração, comércio, turismo e cultura, entre outros, elevou o número de falências em Portugal, agravou situações de precariedade e provocou aumento do desemprego.