“Há pessoas que estão a pegar nos seus embriões - que estão criopreservados em centros portugueses - e a levá-los a centros espanhóis, para lá poderem fazer a transferência”, disse a presidente da (APF), Cláudia Vieira, que falava à Lusa a propósito da passagem de 100 dias sobre a decisão do Tribunal Constitucional.

Segundo Cláudia Vieira, este processo evita que “a pessoa tenha de retomar todo um processo desgastante e também economicamente difícil”.

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O acórdão do Tribunal Constitucional, que pôs fim ao anonimato dos dadores de gâmetas e suspendeu a gestação de substituição, criou “um vazio legal que afetou de forma transversal” a lei da Procriação Medicamente Assistida, tendo “como consequência imediata o cancelamento de inúmeros tratamentos” e o retrocesso dos processos de gestação de substituição já aprovados ou em avaliação pelo Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA).

“Na altura em que foi conhecido o acórdão houve vários casais preocupados”, tendo estes sido contactados pelos centros de procriação medicamente assistida para os informar de que não poderiam usar os gâmetas doados e de que os tratamentos tinham que ser suspensos, contou Cláudia Vieira.

Processo doloroso e oneroso

Recentemente, o CNPMA lançou um despacho que, “de alguma forma”, permite aos casais que têm embriões criopreservados iniciar um novo tratamento com dadores não anónimos.

“Isto vem, de alguma forma, dar uma luz, mas são processos a que os casais vão ter de ser de novo submetidos, não só a nível clínico, que é bastante doloroso, mas também a nível financeiro”, frisou.

Além disso, vai sobrecarregar o Serviço Nacional de Saúde, que já está “totalmente bloqueado nas suas respostas”.

Para Cláudia Vieira, tudo isto seria desnecessário se o TC tivesse tido a preocupação de “não aplicar as suas recomendações de forma retroativa”, e lamenta que, passados 100 dias, nada tenha sido feito para acautelar a situação destas famílias e de milhares de embriões que estão em risco de “ficarem sem projeto de parentalidade”.

“Preocupa-nos que já tenham passado 100 dias, pode parecer pouco tempo para algumas pessoas, mas, para estes casais, o relógio continua a contar e a idade da mulher vai agravando e tudo isto tem repercussões no SNS, que não aceita mulheres acima dos 40 anos”, alertou.

A APF lançou recentemente a campanha “Vidas Congeladas”, que alerta para a necessidade urgente de legislar e de promover um debate público, com a recolha de testemunhos de vários quadrantes da política e da sociedade civil.

“Consideramos que é fundamental que exista um debate alargado sobre a questão do anonimato dos dadores de gâmetas e da gestação de substituição e, por isso, pedimos a todos os grupos parlamentares para nos enviarem pelo menos um testemunho sobre esta temática, com ideias construtivas para o debate e para a revisão da atual legislação tendo em conta as recomendações do TC”, salientou.

Mas, para “nossa grande surpresa, e apesar da nossa insistência, os grupos parlamentares do PS e PSD nem sequer nos responderam”, disse, lamentando esta posição.

“Se nem sequer estão dispostos a contribuir para a discussão, leva-nos a pensar que os calendários políticos não são compatíveis com o interesse destas pessoas e, acima de tudo, com o direito constitucional de constituírem a sua família”, lamentou.