A conservação de material genético já é realizada há vários anos, sobretudo em procedimentos de fertilização in vitro ou como medida de preservação de fertilidade em mulheres e homens que, devido a patologias como o cancro, têm de se submeter a tratamentos que podem afetar a capacidade reprodutiva. No caso dos ovócitos, como refere Cândido Tomás, médico e diretor clínico do centro de fertilidade AVA Clinic, através do processo recente de «vitrificação, já se conseguiu verificar que, após o descongelamento, estes conseguem sobreviver bem e ser fertilizados».
Em teoria, esta técnica permite às mulheres conservar os seus ovócitos jovens, seguir a sua vida e, na altura em que decidem ser mães, usá-los se não conseguirem engravidar naturalmente. Contudo, na prática, a história pode ter outro desfecho. Adiar a maternidade confiando no poder da ciência tem os seus riscos. Como explica Cândido Tomás, «há muitas limitações e variabilidade. Atualmente as técnicas não estão tão apuradas para permitir o 100 por cento de sucesso».
A viabilidade dos só pode ser apurada após a descongelação e a probabilidade de engravidar depende de vários fatores, tanto femininos como masculinos. Na opinião dos entrevistados, esta deve ser encarada como um seguro. «É uma possibilidade. Quando fazemos um seguro de vida, a ideia é não precisar de o usar, mas se for preciso está lá», compara Ana Teresa Santos, presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina de Reprodução (SPMR).
«Tem de se esclarecer que a fertilidade diminui muito com a idade, que não é desejável ter filhos depois dos 40 e que o facto de se ter ovócitos congelados não garante que venha a ter uma gravidez», frisa ainda a especialista. Para Mário Sousa, médico genéticista, contudo, a idade não é um factor que deva ser incluído nesta equação, «pois como os ovócitos são jovens, trata-se de uma situação similar à da doação de ovócitos, em que a idade da mulher (idade do ovário) não conta, apenas o estado de saúde da pessoa e do seu útero».
Como funciona o processo
Esta técnica implica a toma de hormonas por via injetável e só depois é efetuada a punção para remoção dos ovócitos, um procedimento que requer analgesia. Segundo Cândido Tomás, «são tratamentos simples, quer os protocolos quer as injeções subcutâneas (de tipo insulina). Existem alguns riscos de infeção, hemorragias ou de hiperestimulação dos ovários (um a dois por cento) que podem ser graves em mulheres jovens», adverte.
A criopreservação pode trazer vantagens em futuras fertilizações in vitro (FIV), uma vez que permitirá «usar ovócitos jovens numa idade mais avançada em que ou não teria ovócitos viáveis ou o risco de anomalias fetais seria maior», destaca Mário Sousa, professor no instituto de Ciências Médicas Abel Salazar. «A taxa de sucesso da FIV depende da qualidade dos ovócitos. Com esta técnica, teríamos taxas de sucesso que seriam o dobro se os ovócitos tiverem 20/25 anos do que se tiverem 38/40», acrescenta Ana Teresa Santos.
Do ponto de vista biológico, o momento ideal para remover os ovócitos, será «entre os 25 e os 30 anos, mas pode estender-se até aos 35 anos», afirma Mário Sousa, segundo o qual a sua duração, uma vez criopreservados, será eterna. Isso não significa, contudo, que o projeto de maternidade seja sempre concretizável. Nos casos de infertilidade, o estado estabelece a barreira dos 40 anos para os tratamentos.
Nas clínicas privadas, como explica Cândido Tomás, apesar de «a lei não limitar a idade das mulheres, tentamos fazer aquilo que a natureza faz. Se uma mulher consegue engravidar até os 45 anos, geralmente não se ultrapassa essa idade». Mário Sousa considera, contudo, que «este limite não faz sentido hoje, pelo que, se a lei não o permitir, as mulheres têm sempre a possibilidade de o fazer noutro país».
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A realidade portuguesa atual
No nosso país, a congelação de ovócitos tem sido um tema pouco abordado. Em 2015, a lei não proíbe, a tecnologia existe, mas o acesso permanece restrito. A principal causa? «Há ainda uma relutância em falar destas coisas. É tudo uma questão de tempo. O progresso nessa área é imparável e, a partir do momento em que é possível e não cria problemas éticos, é difícil parar», comenta Ana Teresa Santos.
De acordo com Cândido Tomás, «as clínicas portuguesas estão equipadas para fazer este tipo de tratamento, mas fazer ou não depende sobretudo dos diretores clínicos, se são mais ou menos conservadores». Nos últimos anos, os pedidos de informação têm aumentado. Segundo o médico, surgem via telefone ou e-mail. «Há dois ou três anos havia apenas uma ou duas pessoas, este ano já passou para dez a 20, sobretudo pessoas que já sentem a infertilidade», refere.
«Não temos recebido questões de mulheres mais jovens, ara quem seria mais indicado este procedimento», acrescenta ainda o especialista. Essa experiência também é partilhada por Ana Teresa Santos. «São normalmente pessoas com 37, 38 anos e que não têm parceiro mas desejam ter filhos no futuro. São casos esporádicos e, por cá, ainda não é uma tendência», assegura.
Será para todas as mulheres?
«A técnica existe e pode ser efetuada em qualquer altura, a dificuldade está em encontrar as pessoas indicadas para quem o tratamento seria recomendado», afirma Cândido Tomás, para o qual o perfil certo «depende da maturidade da mulher. Em termos de idade, acima dos 26, 27 anos e abaixo dos 34, 35 anos, mas é variável. Tem de ser avaliada pelo psicólogo, tal como os casais antes dos tratamentos», sublinha.
Uma mulher de 32 anos com uma carreira exigente ou solteira e que, mesmo que encontre parceiro aos 35, preveja chegar aos 38 sem projeto familiar, é um bom exemplo. Na opinião de Cândido Tomás, estamos apenas no início. «Creio que estas técnicas vão ser mais comuns no futuro, quando as clínicas tiverem mais hipótese de dar resultados e as mulheres tiverem mais conhecimento dos riscos e taxas de sucesso dos tratamentos».
Haverá mesmo igualdade de oportunidades?
Por mais ambiciosas que sejam as interpretações sociais sobre o uso desta técnica, na opinião de Ana Teresa Santos, mulheres e homens, «em termos biológicos, nunca irão estar em pé de igualdade. Podem aproximar-se, mas no que respeita à reprodução há uma desigualdade manifesta desde o nascimento. Uma mulher produz um óvulo por mês, a partir da puberdade e até à menopausa, o homem produz vários milhões de espermatozoides por dia», realça.
Existe ainda o declínio natural na fertilidade. «A qualidade e o número de ovócitos começam a diminuir após os 30 anos, acentuando-se aos 35 anos. O homem tem o mesmo tipo de declínio a partir dos 40-45 anos, mas este efeito é reduzido devido ao facto de produzir milhões de espermatozóides por ejaculado», descreve ainda Mário Sousa.
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Como se processa a criopreservação de ovócitos
Mário Sousa, professor no instituto de Ciências Biomédicas Abel salazar, descreve as principais etapas:
1. Preparação
Após a avaliação do historial (estudo cognitivo, de personalidade e comportamento) e física, a mulher inicia um protocolo de hiperestimulação controlada do ovário (do tipo da que é usada na fecundação in Vitro, FIV), com hormonas por via subcutânea, e o acompanhamento ecográfico da evolução folicular.
2. Punção
Quando os folículos atingem um diâmetro de 18 mm, adiciona-se uma injeção de hormona luteinizante recombinante e, 36 horas depois, antes que a mulher ovule, aspira-se, sob controlo ecográfico, os folículos ováricos.
3. Congelação
Após a punção ovárica, desnudam-se os folículos ováricos (remoção das células que rodeiam os ovócitos) e analisa-se a morfologia e maturidade dos ovócitos recolhidos. São colocados na extremidade de uma palheta, imersos em meios crioprotetores e mergulhados directamente em azoto líquido (-195º C). Uma vez criopreservados, teoricamente a viabilidade será eterna.
4. Utilização
Após o descongelamento, realiza-se uma fertilização in vitro, com sémen do parceiro. A transferência embrionária ocorreria ao quinto dia da evolução embrionária, após a preparação do endométrio. A taxa média de casos em que a gravidez chega até ao final é de cerca de 60 por cento.
Os custos do processo
A criopreservação pode trazer vantagens em futuras fertilizações in vitro (FIV), uma vez que permitirá «usar ovócitos jovens numa idade mais avançada em que ou não teria ovócitos viáveis ou o risco de anomalias fetais seria maior», destaca Mário Sousa, professor no Instituto de Ciências Médicas Abel Salazar. O custo médio da remoção e congelação de ovócitos é de 3 a 4 mil euros e implica ainda custos anuais de 80 a 100 euros para manutenção. «Pode não bastar uma única colheita», explica Mário Sousa.
Do ponto de vista biológico, o momento ideal para remover os ovócitos, será «entre os 25 e os 30 anos, mas pode estender-se até aos 35 anos», afirma ainda o especialista português, segundo o qual a sua duração, uma vez criopreservados, será eterna. Isso não ignifica, contudo, que o projeto de maternidade seja sempre concretizável
Texto: Manuela Vasconcelos com colaboração e revisão científica de Ana Teresa Santos, (presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina de Reprodução), Cândido Tomás (diretor clínico do Centro de Fertilidade AVA Clinic) e Mário Sousa (médico geneticista, professor no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar)
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