As perturbações de sono em idade pediátrica assumem um papel muito frequente, expressando-se sob várias faces. Cerca de 25% das crianças e adolescentes apresentam em algum momento do seu desenvolvimento, uma perturbação de sono.

A caracterização do perfil de sono e do ambiente envolvente são vitais para a abordagem que se requer. Deveremos ter sempre em mente que o padrão de sono varia com a idade da criança. Tais alterações conduzem a um forte impacto no ecossistema familiar, escolar, social. É muito importante intervir para combater este elo.

Evoca-se dois ramos de intervenção: comportamental e farmacológico. À luz do conhecimento atual, a intervenção farmacológica não é uma intervenção de primeira linha. A intervenção comportamental em algumas insónias em crianças e adultos revelou em inúmeros estudos uma excelente eficácia e base sólida para implementação. A moldagem da higiene do sono, a regularização de hábitos e comportamento, a orientação do meio criado no quarto, são exemplos de medidas que construirão a intervenção comportamental.

Na história clínica importa caracterizar fatores moduladores como, doenças existentes, história familiar, medicação habitual. Este último fator pode por si justificar a perturbação de sono, pois se há fármacos que induzem o sono, há fármacos que o inibem ou criam um efeito paradoxal.

A decisão em iniciar um fármaco com intuito de combater a perturbação de sono da criança depende do tipo de perturbação (insónia, perturbação do ritmo circadiário, etc), de patologias associadas, da relação risco / benefício do fármaco. Vários medicamentos têm sido usados, embora o nível de evidência que sustente tal uso não seja forte. Surge uma lista dos mais usados pelos pediatras: anti-histamínicos, melatonina, benzodiazepinas, antidepressivos, para além de outros usados em casos particulares, como é o caso do metilfenidato e da clonidina.

Importa sublinhar o caso dos anti-histamínicos, os quais têm sido prescritos com o intuito de induzir o sono, mas com ineficácia em muitas situações, bem como efeitos paradoxais, ou seja, função contrária à desejada. Para além disso, as guidelines internacionais não suportam o seu uso, nem o uso de hipnóticos na insónia comportamental.

A melatonina revela-se uma excelente opção, com ótimo perfil de segurança, não causa habituação, não interfere com o desempenho diurno, desempenha funções como indutor de sono e sincronizador de sono. Pode usar-se, por exemplo, em perturbações do ritmo circadiário, ou seja, do ciclo sono-vigília; ou em perturbações do espectro do autismo. Existe sob a forma de gotas ou comprimidos.

As benzodiazepinas são medicamentos que causam dependência, sonolência diurna, pelo que não é uma opção pediátrica de primeira linha, exceto em casos específicos e/ou de maior gravidade.

Alguns casos mais particulares, como doentes com perturbação do espectro do autismo (PEA), perturbação de hiperatividade com défice de atenção (PHDA), ou perturbações do sono específicas, como síndrome das pernas inquietas, requerem uma abordagem específica.

A PEA é frequentemente acompanhada por perturbações do ritmo circadiário, ou seja, irregularidade do ritmo sono-vigília, havendo desorganização da arquitetura do sono. Poderão ocorrer períodos de sono durante o dia e despertares de madrugada, demorando horas para adormecer. Nestes casos, a melatonina poderá ser uma excelente escolha como adjuvante.

O metilfenidato prescrito na PHDA, é um psicoestimulante, eleva os níveis da dopamina, que é um neurotransmissor cerebral. As formulações de libertação rápida poderão interferir no sono, nomeadamente no adormecer, mas as de libertação prolongada poderão, paradoxalmente, melhorar as dificuldades de sono em doentes com PHDA, dependendo da dose, do esquema posológico, da perturbação de sono. A suplementação com ferro é um dos tratamentos do síndrome das pernas inquietas.

A mensagem principal é: a primeira linha de intervenção nas perturbações de sono em idade pediátrica é a intervenção comportamental e não a medicamentosa. Os medicamentos poderão ser usados como adjuvantes. A decisão em iniciar um fármaco deve ser discutida entre a equipa especializada em sono e a família e criteriosamente analisada caso a caso.

“O sono é como uma outra casa que poderíamos ter, e onde, deixando a nossa, iríamos dormir”. Marcel Proust

Andreia Leitão, Pediatra – Núcleo de Perturbações de Sono

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