Ter quatro filhos faz-me sentir bafejada pela sorte. Na verdade, é este o meu primeiro e último pensamento de cada dia: a enorme bênção que é ter estas quatro crianças na minha vida. É como se todos os dias recebesse a notícia de ter ganho a lotaria, dando-me aquela felicidade imensa que parece eterna e inabalável. (Acontece que não ela é eterna nem inabalável.)
Os meus filhos mais novos, vá-se lá saber porquê, acordam todos os dias com as energias no máximo e isto, acreditem, nem sempre facilita as nossas rotinas diárias. Nos dias de aulas, dá-lhes para fazer escalada no beliche, para jogar às escondidas, para inundar a sala de migalhas e iogurte entornado ou para embirrar com as peúgas “que fazem impressão”. É então que normalmente se revela o meu lado psicopata, fazendo-me gritar desalmadamente enquanto ameaço com castigos que envolvem televisão desligada, futebol interdito ou bolachas fechadas a sete chaves.
Com as minhas filhas, a coisa é diferente. Mas não necessariamente melhor. A entrar na maravilhosa fase da adolescência, a mais velha só não perde os sapatos porque são eles que a protegem das pedras em que tropeça (e cai!) quase todos os dias, e não são raros os dias em que, mesmo à chegada da escola, ela se lembra:
- Deixei a carteira em casa! E o livro de matemática. E o lanche…
Por sua vez, a minha outra filha – que, para minha grande sorte, também está no arranque da puberdade – acha que o espelho, as roupas e os acessórios são os seus melhores amigos. É então habitual estarmos já todos a sair de casa, quando ela ainda se encontra a confirmar se o cabelo está estrategicamente alinhado e se os atacadores dos ténis combinam com a pulseira do relógio.
São pequeninas coisas que, convenhamos, fazem com que os meus inícios de dia não sejam zen e com que o yin e o yang andem sempre às turras todas as manhãs. Justifica-se assim o facto de eu sair já de casa como se tivesse acabado de passar pelo Cabo das Tormentas em dia de tempestade.
Os finais de dia também não são especialmente brilhantes. A escola não é o suficiente para baixar os níveis de adrenalina dos meus filhos mais novos, a mais velha insiste em perder até o garfo com que vai jantar e a do meio vai passeando entre a televisão, o meu roupeiro (sim, o meu!) e algum dos espelhos que vai encontrando entre a sala e o seu quarto. E, nisto, eu grito para irem tomar banho, grito para arrumarem os quartos, grito para deixarem a bola, grito para virem estudar. Aliás, começo sempre por pedir, depois por insistir e, finalmente, por gritar. No final de cada noite, o Cabo das Tormentas já me parece coisa para meninos.
Até que eles têm um programa, ou vão para casa de amigos ou ficam aqueles quatro dias por mês com o pai. E eu penso que vou ter, finalmente, a minha merecidíssima folga de mãe. Mas, seja sentada no cómodo sofá da sala, ou num jantar com amigos, ou até no meio da discoteca mais badalada, de repente sou invadida por aquele incómoda sensação de faltar algo. De sentir saudades, de querer muito, de contar as horas para os voltar a ter. Esqueço a loucura do dia-a-dia e foco-me apenas naqueles abraços apertados, nas gargalhadas que povoam a nossa casa, na alegria que estes miúdos trouxeram à minha vida. Recordo-me das nossas longas conversas, das intimidades que partilhamos, dos conselhos que também lhes peço quando tenho algum problema.
Sem eles, a casa está sempre arrumada. Nunca saio stressada para a rua. Não irrito as minhas cordas vocais. Posso sentar-me confortavelmente no sofá a ver o programa de televisão que eu escolho.
Mas, sem eles, a minha vida não tem nem um terço da piada. Literalmente, que estas quatro crianças herdaram o sentido de humor dos seus pais. É por isso que, no auge da confusão e do nascimento do meu lado mãe-histérica, há sempre um deles que lembra os outros:
- Atenção, manos, a mãe está a transformar-se na mãe Godzilla!
Alda Benamor
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