Entrou em telenovelas como "A impostora", "Alma e coração" e "A teia" e em séries de televisão como "Ministério do tempo", "Solteira e boa rapariga" e "Bem-vindos a Beirais" mas é no teatro que Pedro Pernas mais tem atuado nos últimos meses. Estreia online, no YouTube, no próximo dia 29, domingo, "Misantropo", uma peça de teatro de Guilherme Peleja que estreou oficialmente no FESTin - Festival de Cinema Itinerante da Língua Portuguesa, em Lisboa, em março de 2018.

Para além dele, também sobem ao palco Vítor Norte, Henrique Mello, Alexandre Ferreira, Miguel Monteiro, Raimundo Cosme, Rui Luís Brás, Lourenço Ferreira, Sónia Balacó e Luísa Ortigoso. Antes, brilhou em "As obras completas de William Shakespeare em 97 minutos", ao lado de Rúben Madureira e Telmo Ramalho, uma divertida comédia. Em entrevista exclusiva ao Modern Life/SAPO Lifestyle, o ator recorda a experiência e fala dos desafios da arte e da paternidade.

Integrar o elenco de "As obras completas de William Shakespeare em 97 minutos", uma obra que tem o passado de êxito que tem lá fora e até em Portugal, é um desafio... 

Sim, o balanço é ótimo. Tivemos sempre procura. Não houve sessão nenhuma em que não houvesse procura de bilhetes. Depois de uma carreira bastante longa numa sala tão grande, sabe bem conseguir estar em cena durante tanto tempo e com as pessoas a saírem do teatro bem dispostas. Consequentemente, o balanço só pode ser ótimo...

Ainda por cima, conseguimos manter o espetáculo com o ritmo e com o rigor que exigia o encenador, o António Pires, porque normalmente, quando se está muito tempo em cena, as coisas descarrilam um bocadinho... Mas aqui não! Conseguimos manter a coisa como ele realmente queria e isso é também um sinal para um balanço positivo.

Esta é uma peça que tem muito sucesso lá fora e que, tal como cá, também já teve mais do que uma versão em vários países. E depois é William Shakespeare. Na altura de subir ao palco com ela, é mais intimidante do que outros trabalhos?

Não, de todo! Nós divertimo-nos imenso a fazer isto e o facto de ter sido uma peça com essa saída, tanto lá fora como cá... Quando estreou a primeira vez, esteve 10 anos em cena... Sabendo que é uma peça que as pessoas gostam de ver, ainda mais alento nos dá para irmos para o palco porque nós nos divertimos imenso.

Sempre com o rigor necessário, claro. Mas divertimo-nos imenso e isso faz com que os medos, os receios e a responsabilidade fiquem um pouco para trás porque isso já está implícito no trabalho que fomos fazendo no período dos ensaios. E sabia-nos bem vir para uma peça que sabíamos que estava a ser um êxito.

Tiveram feedback de algum dos atores que tinha integrado as primeiras versões da peça em Portugal ou nem por isso?

Sim, do Telmo [Ramalho]. O Telmo entrou nesta e esteve na outra [a segunda adaptação, também interpretada por André Nunes, António Machado e Tiago Aldeia]. Fazia a personagem que eu fiz agora. Ele mudou de personagem e acha que o resultado ficou completamente diferente. Acha que é uma proposta completamente diferente das que já tinham sido feitas.

Na versão inicial, a encenação do Juvenal [Garcês, com interpretação de João Carracedo, Manuel Mendes e Simão Rubim] e, como agora era uma proposta diferente, tornou-se uma novidade, uma forma diferente de olhar para este texto. O André [Nunes] não chegou a vir. Não sei se chegou a vir mais alguém que a tenha integrado. Mas creio que não...

Pelo facto de já terem sido feitas várias versões desta encenação, tal como sucede com muitas outras peças de teatro um pouco por todo o mundo, acaba por ser um desafio maior para um ator ou, de certa medida, condicionou-os por causa das ideias pré-concebidas que já existem?

Nós não queríamos propriamente fazer uma coisa diferente mas a peça mudou de encenador e isso fez com que a visão exterior fosse diferente. Ele pediu-nos coisas diferentes. A própria perspetiva da encenação dele, os pormenores que ele acrescentou, tudo isso também deu diferença à que existia...

Atualizámos um pouco o texto, com a perspetiva do António Pires, incluindo coisas que são mais contemporâneas... No fundo, isto não foi criado para ser diferente mas a mudança de encenador fez com que quisessemos oferecer uma perspetiva diferente...

Esta é uma peça de teatro que, nalguns momentos, vive muito do improviso e isso faz com que tenham, certamente, histórias e episódios hilariantes para contar…

Devido ao rigor que nos foi colocado nos ensaios, tivemos pouco espaço para o improviso porque, nesta encenação, a premissa era terminar o espetáculo em 97 minutos. Tínhamos essa urgência! Onde é que houve improviso? Havia improviso quando havia contacto direto com o público, quando se pedia ao público para participar connosco.

E, aí, calhou ao Telmo [Ramalho] estar ao serviço. O Telmo tem uma escola de improviso tremenda com Os Improváveis e com todo o seu historial de artista, não só como ator. E já fez bastante improviso e a experiência dele ajudou-nos quando tínhamos que improvisar mas nunca nos podíamos esticar muito por causa dos 97 minutos.

E conseguiram sempre cumprir esse limite?

Passámos uma vez os 97 minutos. Num dia em que tinha muito, muito público, aplaudiram bastante, intervieram bastante e, por isso, acabámos por consumir mais três minutos. Mas, depois, houve uns quantos espetáculos que acabámos em 93 e em 94 minutos. Mas, curiosamente, conseguimos cumprir quase sempre essa premissa...

Havia partes da peça em que tinham de interagir mais com o público. Os espetadores já vêm mentalizados para este tipo de situação e reagem todos muito bem ou ainda há quem se retraia?

Curiosamente, as pessoas que nós escolhemos para levar connosco para essa cena, foram prestáveis e vieram sempre. Escolhemos sempre uma para fazer de Ofélia e outra para ser o ego da Ofélia. O Rúben [Madureira] indicava-as e eu ia lá buscá-las. Não tivemos pessoas a recusar e a dizer que não queriam subir connosco ao palco.

Aconteceu uma vez, num grupo de três amigas. Só a terceira é que veio. Não consegui levar as duas primeiras. Mas, como muitos acompanhavam as redes sociais da peça sabiam que havia sempre a Ofélia e o seu ego em cena, representados pelo público. Como isso era público, já vinham, consequentemente, com uma certa predisposição.

Depois do Auditório dos Oceanos, no Casino Lisboa, foram em digressão pelo país nos primeiros meses do ano...

Saímos praticamente todos os fins de semana de janeiro e de fevereiro. Começámos a digressão no Porto, no [Teatro] Sá da Bandeira e, de seguida, tínhamos inicialmente um périplo por Beja, Tábua, Figueira da Foz, Leiria, Setúbal, Torres Novas, Oliveira do Bairro... Eu gosto muito das digressões e da descentralização das atividades teatrais.

Eu tive a sorte de fazer digressões por estes sítios com outras peças e é gratificante chegar a esses locais e ver que as pessoas que lá vivem estão sedentas de arte. Termos a possibilidade de fazermos estas digressões e de podermos levar diversão às pessoas nos vários pontos do país, neste caso eram 97 minutos dela, é muito gratificante.

A digressão da peça obrigou o encenador a uma mudança no elenco?

Sim, o Telmo [Ramalho] saiu para participar na mais recente produção da UAU, "A peça que dá para o torto". Foi substituído pel Jaime Baeta, que agarrou as coisas muito bem. Não houve diferença nenhuma no espetáculo, pelo contrário. Ganhou, cresceu. Ele tem uma outra forma de estar e de fazer em cena. Tivemos muita pena de não seguir com o Telmo...

Fomos como uma família e foi muito giro por causa disso. Tinha sido giro continuarmos os três desde o início até ao fim mas, nessa impossibilidade, não íamos nós parar... E ele foi muito bem substituído! Para nós, para mim e para o Rúben [Madureira], acabou por ser uma lufadinha de ar fresco porque tínhamos outro tipo de energia e outro tipo de contracena para responder.

Como ator, em termos de autores, tem alguma predileção por William Shakespeare ou nem por isso?

Tenho mas, não tenho feito muito. Representei algumas coisas dele nos The Lisbon Players. Fiz o "Twelfth night" e o "Macbeth". Dei assistência na encenação, no movimento e na luta cénica. Gosto muito de Shakespeare, não conheço profundadamente, mas do que eu conheço e daquilo de que já tive o gosto de saborear, Shakespeare ensina-nos a dizer as palavras.

Eu admiro imenso Shakespeare porque parece um texto muito rebuscado, muito difícil de compreender. Ele próprio inventava palavras que, hoje em dia, integram o léxico inglês mas que, na altura dele, foram inventadas por ele, para as peças dele. Ao lermos Shakespeare, já sai a cantilena. As coisas estão tão bem escritas, tão bem construídas, tão bem pensadas... Eu costumo dizer, a colegas que nunca representaram Shakespeare, que ele ensina-nos a dizer as palavras dele.

E isso é muito gratificante para um ator que o represente. Depois há uma ou outra coisinha em Shakespeare de que não gosto muito, porque às vezes ele é noveleiro, mas, tirando isso, é, ainda assim, um noveleiro ao mais alto nível porque escreve de uma maneira maravilhosa e enriquece os textos de forma tal que faz com que qualquer pessoa adore lê-lo. Eu sou um deles.

A vida dos atores nem sempre é fácil. Tem projetos em mãos?

Gravei uma série para a RTP com realização do Jorge Amaro da Costa, "O atentado". Em janeiro e em fevereiro, conciliei estes dois trabalhos e tinha algumas coisas em vista. Foi complicado mas consegui coordenar as duas agendas. Mas tenho também o fator pai, que também sou. Custa sempre um bocadinho falhar com a presença por causa do trabalho, mas faz parte...

Às vezes, no nosso trabalho, é natural isso acontecer. Temos a necessidade de preencher demasiado a agenda nalguns períodos porque já sabemos que, depois, num mês ou dois, podemos não ter nada a preenchê-la. Tem que ser mas já estamos habituados a esta ginástica. Aproveito esses momentos para dar atenção ao meu filho. Tem que ser. É a coisa mais importante da minha vida.