Durante 12 anos, Maria das Dores foi conhecida em todo o país como a socialite que mandou matar o marido, Paulo Pereira da Cruz, para cobrar o seguro de vida. A história demorou a conhecer a versão da própria, que acabou por ser tornada pública em forma de livro, escrito por Virginia Lopéz, em 2019.

Em 'Maria das Dores, me Confesso', a socialite revelou pela primeira vez que encomendou a morte do companheiro, tendo enumerado ainda os reais motivos desta decisão que assumiu ser o seu maior arrependimento. Os desabafos e as cartas trocadas com o filho mais velho foram a 'matéria-prima' de Virginia, escolhida pela editora para este projeto por ter sido uma das jornalistas que acompanhou de perto o caso, em 2007, enquanto correspondente do jornal espanhol El Mundo em Portugal.

Na altura, Virginia viu-se obrigada a recorrer à pouca informação disponível sobre o mediático assassinato que também em Espanha suscitava interesse. Claro está que quando, anos mais tarde, recebeu o convite de escrever o livro com a versão de Maria das Dores, o viu como uma "oportunidade incrível de conhecer melhor a pessoa por detrás da assassina condenada".

Essa foi, desde logo, a primeira parte de uma conversa que o Fama ao Minuto teve com a escritora nascida em Espanha, dias depois da libertação da prisão de Maria das Dores. Virginia começou por recordar todo o processo de criação de uma ligação com esta pessoa que apenas conhecia como jornalista e cuja história teria então de contar, seguindo uma nova perspetiva. "Foi preciso criar empatia, conexão e até carinho, diria, para que a pessoa pudesse contar a sua história. Tinha de ter sensibilidade suficiente para não justificar e não condenar. Tinha de manter a minha imparcialidade mas, ao mesmo tempo, queria fazer uma biografia. Quis aproximar-me tanto das emoções dela ao ponto de poder escrever um livro no qual ela se reconhecesse", explicou-nos.

"O mais fácil seria julgar", confessou a autora, que sublinhou toda a premissa deste caso: "Era uma socialite, cheia de dinheiro, com um estilo de vida ostentoso, que um dia, num ato de frivolidade, manda matar o marido. É este o resumo da história mas, além disto tudo, descobri uma mulher sem autoestima, amargurada, que saiu de um casamento porque se apaixonou loucamente, que fez vários tratamentos para ter um filho muito desejado com este marido e ainda que sofreu um grave acidente em que perde parte de um braço. O casamento começou a fraquejar, ela começou a criar ressentimento, mágoa e raiva e a culpabilizar o marido pelas desgraças... Apenas quis perceber o que faz um ser humano chegar a uma decisão tão horrível como mandar matar alguém. O que procurei foi contar essa história".

Virginia Lopéz e Maria das Dores estiveram juntas apenas duas vezes, aproveitando uma saída precária. Os encontros "intensos" duraram horas e neles foi possível encontrar uma mulher que tem "dois lados", explica a escritora: "A Maria sempre foi uma mulher forte, ambiciosa. Por paixão, teve a coragem de sair de um casamento e seguir esse amor. Era segura, tinha uma carreira profissional. Depois, quando as coisas se complicaram, não soube gerir, aí entra o lado da fragilidade. Quando perdeu o braço, quando engordou e perdeu a autoestima e o amor próprio virou frágil. Não conseguiu encontrar as ferramentas internas para voltar a ter essa força. Algo que sentia quando falava com ela sobre as várias perdas após a decisão de mandar matar o marido, via essas lágrimas e o arrependimento que pareciam sinceros".

Em relação a David Motta, o filho mais velho de Maria das Dores, Virginia lembra-o como "um rapaz que teve dificuldades em reviver" todo o caso. O produtor de moda foi essencial para a elaboração do livro e ajudou até a selecionar a correspondência trocada com a mãe que poderia ser útil para o leitor.

"Isto tudo foi muito duro para ele, porque estava a iniciar a sua carreira e todas as portas se fecharam. Ficou sem rendimentos, não tinha dinheiro para comer porque era o filho da assassina... Gosto muito dele, merece o meu respeito porque decidiu, conscientemente, ficar ao lado da mãe. É um amor incondicional", destacou Virginia Lopéz.

Curiosamente, embora, segundo a escritora o livro, tenham criado uma ligação emocional forte, Virginia e Maria não ficaram amigas, nem tão pouco mantiveram contacto. De resto, a autora revela que apenas soube da libertação pelas notícias e que prefere não saber novos pormenores sobre esta história. "Eu guardo a experiência com carinho no meu coração. Aprendi muito enquanto escritora e ajudou-me a fomentar a minha compaixão, mas, depois de fechado o episódio, são vidas que seguem caminhos paralelos. A nossa vida teve um momento de cruzamento ali, como um eclipse, e depois eu continuei com os meus projetos e a Maria continuou na prisão", explicou.

A pergunta que se coloca agora é: como será a vida de Maria das Dores em liberdade? Quisemos saber junto de Virginia se o futuro foi alguma vez tema nas conversas que tiveram. "Era uma incógnita e talvez continue a ser", fez notar primeiramente a escritora, que acrescentou: "Como será o resto da vida que ela vai ter, onde vai buscar rendimentos, onde irá viver... Acredito que depois de 20 anos a prioridade será respirar, reencontrar-se com a liberdade".

'Maria das Dores, me Confesso' ainda se encontra à venda nas livrarias e a autora não tem dúvidas: "É um livro que deveria ser lido por homens mas, principalmente, por mulheres. Há muitas mulheres que se sentem infelizes nos seus casamentos e quando perdemos o amor próprio podemos ser capazes de fazer coisas irrefletidas".

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