Aos 62 anos, Rita Ribeiro é um dos mais sonantes nomes no que diz respeito ao mundo artístico em Portugal. Foi na representação e no canto, mais precisamente no fado, que encontrou a sua grande paixão e, de certa forma, equilíbrio. Estivemos à conversa não só com a profissional, mas também com a mulher que ama a vida acima de tudo, mesmo com todos os desafios que lhe surgem pelo caminho.

O que anda a fazer neste momento a nível profissional?

Estou a fazer um espetáculo que se chama ‘Olívia & Eugénio’, onde contraceno com dois atores com Síndrome de Down, o Tomás de Almeida e o Nuno Rodrigues. Tem sido uma experiência absolutamente extraordinária, porque é única. Acho que não vai acontecer mais vez nenhuma trabalhar com duas pessoas tão diferentes e tão generosas. Tem sido uma experiência incrível profissionalmente e sobretudo pessoalmente.

Também faço um programa numa rádio holística desde outubro. Uma rádio que se chama ‘A Vida Ama-me’, na qual sou voluntária. Tenho um programa de autor que se chama ‘A Conversa Feliz’, onde todas as semanas entrevisto um terapeuta de medicinas alternativas.

E a música também não está fora da sua vida, certo?

Sim. O repto já me tinha sido lançado no ano passado, a minha filha mais velha, que é cozinheira, tem um restaurante em Santos ao lado do teatro da Barraca. Tinha-me pedido para ir fazer noites de fado, porque sempre cantei juntamente com o teatro e com a televisão. Aliás, comecei na música, tenho mais anos de música do que teatro. Depois de umas férias pensei que estava na hora de aceitar o desafio e de os ajudar. Comecei a fazer às terças-feiras no ‘Jardim’ [nome do restaurante] noites de fado, dei-lhe o nome de ‘jantar e fadistar’. Para mim, são noites mais familiares. É como se fosse para um jantar de amigos.

Em criança já imaginava que ia ter uma vida assim tão artística?

A minha vida sempre foi artística porque nasci dentro do mundo do teatro. O meu pai foi ator toda a vida – Fernando Curado Ribeiro – e a minha mãe – Maria José – que ainda está viva, também foi atriz, menina prodígio, porque começou no teatro aos cinco anos. Nasci dentro deste ambiente, desta envolvência. Penso que o nosso trabalho como seres humanos é conseguir, no meio desta envolvência, saber quem somos e o que andamos a fazer. Comecei a cantar aos 17 anos e depois, no teatro, aos 20. Muitas vezes me questionei se aquilo era uma das missões da minha vida, mas a parte criativa sempre esteve comigo.

Sempre fui muito sonhadora, irrequieta, curiosa

Quais as memórias que guarda da sua infância?

Sempre fui muito sonhadora, irrequieta, curiosa. Tive uma infância que me proporcionou e que me ajudou imenso a esse sonho e a essa inquietação. Os meus pais deixavam-me brincar e ter animais e nunca me cortaram as asas nesse sentido, mas nunca na vida tive aquela coisa de ‘o que é que eu quero ser’. Vivia sempre o momento. A minha infância foi aqui na Estrela, tínhamos um prédio com um jardim. Era muito livre e sem limites, nunca me impuseram muitas regras. A única coisa que achava muito belo, porque isso ainda norteia muito a minha vida, a beleza e a excelência, era o bailado, que ainda hoje me fascina. Talvez por isso dizia muitas vezes que queria ser bailarina. Cheguei a tirar o 7.º ano da Academia de Bailado e por uma questão anatómica a minha mestra de bailado disse que eu nunca poderia seguir, porque tinha uns tornozelos muito finos. E ainda bem que disse isso, pois assim, nunca teria enveredado pela música e pelo teatro. Não seria a pessoa que sou hoje.

E como é que encara hoje essas oportunidades que ficaram pelo caminho?

Há portas que se fecham na nossa vida ou adversidades que mais tarde percebemos que são verdadeiros milagres. Costumo dizer, e isto foi muito controverso há pouco tempo, por trás de uma adversidade há sempre uma bênção. É preciso é perspetivar, ter noção que o que a vida nos dá é para crescermos e evoluirmos. É aquela velha coisa de dizer que se a vida te dá limões, mesmo que não gostes, o melhor que tens a fazer é limonada. Acho que foi muito mal interpretado quando falei em bênção, porque, para já, a minha vida é uma bênção.

Nós artistas, figuras públicas, somos de carne e osso como todos

A interpretação errada é mais visível em relação às figuras públicas tendo em conta a sua profissão?

Nós artistas, figuras públicas, somos de carne e osso como todos os demais, somos todos iguais. Só temos uma profissão notável, que é muito vista, exposta e nem sempre reconhecida. As pessoas têm muito por hábito achar que os artistas por fazerem o que fazem são palhaços. Temos tantos obstáculos como os outros e realmente a nossa vida não é fácil, porque não temos proteção nenhuma a não ser a que nós sentimos. E há alguns atores que não sentem e, por isso, às vezes tornam a sua vida tão amarga. Isso é universal.

Agora, em Portugal, sente-se mais porque somos mais pequeninos e se isto tem uma vantagem fantástica, também tem desvantagem. Nós somos pequeninos e às vezes somos pequeninos em tudo. Vivemos como se isto fosse um grande prédio onde todos somos vizinhos, mas temos de perceber a distância que vai entre o ser artista e o ser humano. Se há coisa em que todos temos de trabalhar é nas nossas emoções, para podermos realmente termos inteligência emocional para coordenarmos a criatividade que a vida é. Os atores estão frequentemente a brincar com as emoções, mas têm um grande conhecimento do outro.

Essa incompreensão magoa?

Hoje em dia não me magoa, porque fiz um caminho desde os 40 anos em que a minha vida mudou muito. Tive a oportunidade e o privilégio de começar a abraçar uma nova filosofia, comecei a ter muita vontade de me conhecer e de me desenvolver. Comecei a fazer vários cursos, seminários e retiros. Esse caminho fez com que eu entrasse num campo de neutralidade e perdão a mim própria e aos outros. A minha alma de criança é que às vezes fica perplexa com a forma como o ser humano ainda continua a achar que tem de ter a verdade absoluta e que a razão dos outros não é verdade para eles. Todos nós temos uma verdade e se o mundo aceitasse a verdade de cada um isso seria maravilhoso. Eu não posso mudar as pessoas e já cheguei a essa conclusão, apesar de ter sempre muita vontade de mudar.

Não quero competir com ninguém, porque, evidentemente, seria uma parvoíce da minha parte querer ter mais dores do que alguém

Foi isso que aconteceu quando deu uma entrevista sobre a sua doença?

Aquilo que eu quis passar quando fui à televisão, depois de dois anos e meio de fibromialgia (que só pouca família e alguns amigos sabiam) é que toda essa aprendizagem emocional ajudou-me a aceitar que os outros são assim, a não ficar revoltada, porque há muito tempo escolhi viver em paz. Sei que não sou nenhuma santa, tenho as minhas imperfeições, sei que aquilo que vem de mim é amor. Não quero competir com ninguém, porque, evidentemente, seria uma parvoíce da minha parte querer ter mais dores do que alguém.

Notícias ao Minuto
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"Sinto que a minha vida está repleta de amor, não me sinto sozinha quando não tenho companhia"© Blas Manuel / Notícias Ao Minuto

Mas ainda existe uma tendência de vitimizar os acontecimentos da vida?

O ser humano viveu uma era em que existia o padrão da vitimização e conformismo, já mudou isso felizmente, mas há pessoas que ainda vivem nesse estádio. Ser vítima não ajuda nem a própria pessoa, nem os que a rodeiam. O conformismo também não, a aceitação, sim. Nós vivemos na era da transparência, da verdade, por isso é que muitas coisas menos boas estão a vir ao de cima. Somos os únicos arquitetos da nossa vida, não há que pôr a responsabilidade no exterior. Estamos a viver essa mudança de paradigma. As pessoas fazem o melhor que sabem e nós não somos responsáveis por aquilo que os outros fazem. Isso é uma mudança quântica de postura de vida. Se vemos que uma pessoa consegue suplantar uma coisa menos boa que a vida lhe deu, ficamos regozijados por isso e não revoltados. Essa é a minha postura de vida.

Acha que se essa mudança de paradigma, principalmente em relação ao amor, tivesse começado mais cedo, ter-se-ia evitado muitos problemas?

Na minha prática de vida é que tudo está certo na altura certa.

[Um novo relacionamento] Tem de vir complementar esta maneira como eu vivo

Não sente solidão às vezes?

Sinto que a minha vida está repleta de amor, não me sinto sozinha quando não tenho companhia. Não tenho companheiro desde que me separei no meu último casamento com o Hugo Rendes, de quem sou amiga. É um dos meus melhores amigos, porque foi um relacionamento tão santo, que tudo o que agora vier tem mesmo de ser mais do que isso. [Um novo relacionamento] Tem de vir complementar esta maneira como eu vivo, este equilíbrio em que vivo. Tem de ser uma pessoa com estes padrões de vida, se não vou ter de prescindir dos meus e eu não abro mão disso, porque é isso que me faz viver com a fibromialgia, que não a tenho como minha, mas que é evidente que sinto no meu corpo.

E a nova geração tem essa consciência? Qual considera ser a sua grande necessidade?

Acho que seria a educação propriamente. Penso que a educação cristalizou e continuamos a ensinar como há não sei quantos anos. As crianças já nascem com outro conhecimento. Nas escolas poderia haver disciplinas de educação, de relacionamento, inteligência emocional, em vez de estarmos a estudar coisas que já não fazem sentido. Percebi na convivência com alguns jovens que quando eles querem conseguem ser bons estudantes, é só quererem.

O que é que espera do futuro?

Tudo, o melhor que eu mereço. Ter sempre o discernimento e a clareza de estar focada nos meus propósitos. E o meu propósito acima de tudo é estar em paz. Depois é passar esse conhecimento aos outros, mesmo que não queiram aceitar. Não podemos agradar a todos. Quero continuar a ser atriz, porque gosto, mas também quero estar associada a causas. O teatro consegue passar aos outros mensagens e mudanças de paradigma. Quero deixar um rasto luminoso na vida e sementes que venham a florescer nas gerações vindouras. Há uma coisa eterna que é o amor e o afeto que sentimos por nós, pelos outros e pela vida.