Como nasceu este livro, "Viagens Contadas"?
Não foi nada programado. Há cerca de um ano a Esfera dos Livros desafiou-me a escrever um livro sobre viagens, provavelmente porque souberam que eu gostava muito de viajar, e convenceram-me com o argumento de que não é habitual ter o relato de uma mulher viajante.
Foi um exercício de memória?
Também, mas foi sobretudo um exercício de escrita porque tive de escrever noutro registo daquele a que estou habituada. É que a escrita para televisão é exactamente o contrário de escrever um livro: na TV temos de poupar nos adjectivos e nas descrições porque temos o suporte da imagem, enquanto neste caso foi precisamente o contrário.
As fotografias ajudaram a reconstituir os locais?
Foram uma ajuda preciosa. Fiz todas as viagens com o meu marido, que adora fotografia, e temos um registo fotográfico quase minuto a minuto, o que foi uma grande ajuda para recordar os locais e até a descrição de pessoas.
A escolha dos destinos é consensual?
Houve uma fase em que escolhíamos sempre locais com montanhas porque gostávamos muito de fazer alpinismo, e por isso as nossas primeiras viagens foram aos Pirinéus, aos Alpes e aos Himalaias. Depois começámos a diversificar e também a aceitar desafios de amigos. A Marrocos, por exemplo, fomos à descoberta com um grupo em dois jipes com GPS, e foi uma experiência também muito interessante.
É divertido viajar em grupo?
É. Obviamente que há sempre surpresas, sobretudo quando se trata deste tipo de viagens, que nos põem em situação de stress, porque são fisicamente muito desgastantes, ou porque não temos comida ou local para dormir. Aí, se não houver uma confiança grande entre os viajantes, pode entornar-se um bocadinho o caldo... Nunca foi o caso, correu sempre tudo lindamente.
Qual vai ser o seu próximo destino?
Ainda não sei. Há dois locais que gostava muito de visitar: a Nova Zelândia (mas para isso preciso de ter muitas férias juntas e este ano já não dá) e o Canadá,  através de uma grande viagem de carro.
Para escrever outro livro?
Agora quero descomprimir um bocadinho e depois logo se vê.
O nome deste livro, "Viagens Contadas", tem uma história?
Tem uma história extraordinária que tem a ver com o João, um técnico de fisioterapia que me acompanha na clínica onde vou todas as semanas (NR: Maria João Ruela continua a recuperar dos ferimentos sofridos no Iraque em 2003). Acontece que o João é cego. Uma vez disse-lhe que ia de férias e ele pediu-me postais. Aí perguntei-lhe para que queria os postais se não podia vê-los e ele respondeu-me que fazia uma coleção. Então contou-me que começou a fazer a coleção ainda antes de ter cegado, aos 18 anos, e mesmo depois de perder a visão continuou a fazê-la, pedindo aos amigos, familiares e pessoas com quem trabalha na clínica que lhe trouxessem postais e lhe "contassem" as histórias das viagens.
Daí as "Viagens Contadas"?
De facto, o João não precisa de ver para viajar e conhecer os sítios. Aliás consegue descrever-me os locais com uma precisão incrível. E quando lhe perguntei onde gostaria de ir, referiu Petra. E a verdade é que descreve tudo como se lá tivesse estado...
Os jornalistas quando escrevem o primeiro livro, normalmente escrevem outros a seguir. Acha que lhe tomou o gosto e vai continuar?
Para mim é quase uma insolência escrever um livro. Tenho muito respeito pelos escritores, pela escrita e pela literatura e colocar-me nesse lado é um desafio muito grande. Gostava de um dia conseguir fazer uma coisa dessa natureza mas não sei se serei capaz.
Considera o seu livro uma grande reportagem das suas viagens?
É mais do que uma reportagem, porque não tem apenas factos: também falo de emoções, conto histórias e descrevo as sensações que tenho e a forma como me relaciono com os sítios e apreendo a história desses locais. Mas não é literatura.
Qual foi o local que mais a surpreendeu?
Por diferentes razões, pela força da natureza, as montanhas dos Himalaias são grandiosas e cortam-nos a respiração. O Glaciar do Perito Moreno deixou-me suspensa. Tive a mesma sensação quando vi os Annapurnas à minha frente, como quando vi o glaciar, aquela massa enorme de gelo... Não se pode imaginar sem estar lá!
E que gentes a surpreenderam?
Pela simplicidade, o povo da Noruega. É um povo simplicíssimo que vive como os portugueses viviam há 50 anos, apesar de serem os mais ricos do mundo e isso é surpreendente também. Encontro sempre razões para gostar dos locais. Não há nenhum sítio de que eu diga: ‘detestei'.
Toma apontamentos durante as viagens?
Tomo sim, foi uma coisa que sempre fiz. Tenho um bloquinho de notas onde aponto tudo o que mais me marca durante as viagens. E foi uma ajuda preciosa. Se não tivesse esses apontamentos, não teria conseguido escrever o livro.
Viajar é a sua grande paixão?
Não é a maior, mas é uma das grandes paixões da minha vida.