"Eunice Muñoz, saúdo você e o seu ofício de atriz, o dom de carnificar uma dramaturgia escrita", afirma a atriz e escritora, que assumiu, no final de março, o seu lugar na Academia Brasileira de Letras.

Emocionada, Fernanda Montenegro explica como "a dramaturgia escrita tem de vir para a verticalidade do palco", para que as personagens se exponham de facto, perante a plateia, o público, e quanto desse processo e do seu humanismo tem de estar presente "na arte de uma grande intérprete" como Eunice Muñoz.

"Isto faz do seu corpo, da sua sensibilidade, da sua alma, um instrumento místico, Eunice, transcendente, que visa, sem trégua, alcançar, através da sua profissão, o que de melhor, como prática, podemos atingir como criaturas humanas, como seres humanos. É o humanismo através da arte de uma grande intérprete, você, querida Eunice", afirma Fernanda Montenegro.

Na mensagem, a atriz brasileira celebra a vida da atriz portuguesa. Jamais a palavra morte é pronunciada, tão pouco alude ao desaparecimento de Eunice Muñoz. Pelo contrário, dirige-se a ela diretamente, celebrando a sua vida.

"Portanto viva seu coração batendo, viva sua criatividade indestrutível, viva o seu fôlego, viva a sua eterna inteligência cénica!", afirma Fernanda Montenegro.

Numa conclusão emocionada de gratidão à atriz portuguesa, a atriz brasileira acrescenta: "Bendita, para sempre, para sempre seja a sua arte, bendita seja, para sempre, querida amiga, querida, atriz, você e você. Muito obrigada."

Fernanda Montenegro, de 92 anos, ficou conhecida em Portugal através de telenovelas como "Baila Comigo" e "Guerra dos Sexos", mas soma uma carreira de mais de 70 anos no teatro e no cinema, tendo interpretado as principais dramaturgias, num percurso paralelo ao de Eunice Muñoz, em Portugal, e com uma importância similar, na cultura brasileira.

Intérprete de dramaturgos como Harold Pinter, Samuel Beckett, Luigi Pirandello, Reiner Werner Fassbinder, Millôr Fernandes e Augusto Boal, Fernanda Montenegro esteve nomeada para o Óscar de Melhor Atriz, em 1999, pelo desempenho no filme "Central do Brasil", de Walter Salles.

Em novembro passado, foi eleita para a Academia Brasileira de Letras, sem oposição, juntando-se aos "imortais" da instituição.

Eunice Muñoz morreu hoje, no Hospital de Santa Cruz, em Lisboa, aos 93 anos.

O percurso de 80 anos de Eunice Muñoz, no teatro, soma mais de 120 peças, em perto de três dezenas de companhias, depois da estreia, em 28 de novembro de 1941, aos 13 anos, em "O vendaval", de Virgínia Vitorino, no Teatro Nacional D. Maria II.

No cinema e na televisão, o seu nome está associado a mais de 80 produções de ficção, entre filmes, telenovelas e programas de comédia.

Recebeu mais de uma dezena de prémios, seis condecorações oficiais, que culminaram na Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada, em 2021. Em 1990, foi-lhe atribuída a Medalha de Mérito Cultural.

O luto nacional será decretado no dia do funeral da atriz, anunciou o Governo.

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