Marco Horácio, 47 anos. O comediante está de volta com Rouxinol Faduncho, personagem ligada ao fado humorístico que criou há 16 anos e que decidiu reavivar durante a pandemia. Este é um projeto que traz diversas novidades. Rouxinol surge com uma roupagem nova e "atualizado" no contexto dos tempos atuais.

O orgulho neste lançamento, que demorou meio ano a preparar, era notório no comediante.

Com uma generosidade imensa, Marco falou-nos não só da versão 2.0 da Rouxinol, como lembrou, inevitavelmente, a sua passagem pela televisão que marcou o público.

Conversou também sobre o seu regresso ao pequeno ecrã, garantindo que tal não depende dele, mas sim de acreditarem no seu potencial e propósito. Para Horácio, caso o regresso aconteça, este terá que ter um único objetivo: marcar o público. Se tal não for possível, então nem valerá a pena.

O que é que este Rouxinol Faduncho 2.0 nos traz de novo?

Ui, tanta coisa. Pegamos nesta característica de ser fado humorístico, de ser uma caricatura, uma personagem da tradição portuguesa e demos-lhe uma atualização aos tempos atuais para captar novos públicos e manter interessadas as pessoas que nos seguem há 16 anos.

Fizemos uma candidatura ao Garantir Cultura, porque no nosso entendimento é um projeto de grande interesse cultural, fomos aceites e propusemo-nos a renovar toda a imagem dele. Todas as novas músicas de Rouxinol são acompanhadas de videoclipes. Trabalhamos novos temas, temos duetos. E estamos a fazer um documentário não só sobre os 16 anos de Rouxinol, mas também sobre o preconceito que há à volta da personagem.

Do que fala esse documentário?

Fala do fado humorístico, faz um paralelo entre o passado e o presente do Rouxinol e está a ser editado e realizado pelo Diogo Morgado. Terá uma grande consciência social e será de reflexão para quem vê. Deverá estrear em novembro.

Porquê este fascínio à volta do Rouxinol?

Quando as pessoas veem o Rouxinol em palco, batem palmas, divertem-se e dizem 'que cromo', mas elas não são mais do que um espelho. Todos nós temos um cromo dentro de nós. O que falta é libertarmos e aceitarmos isso. O Rouxinol liberta essa energia, bem estar e descontração que tanta falta nos faz, ainda mais após esta pandemia.

O Rouxinol foi criado através de quatro ou cinco pessoas que vi a atuar. O que a personagem tem de bom é uma confiança lusitana profunda. Somos um povo demasiado triste e saudoso, mas depois temos uma confiança extrema, somos os maiores. Por mais que gozem com ele, nunca perde a confiança e isso é um íman para o público - 'eu também posso ter esta confiança'.

É uma personagem que não é tocada na rádio, a nível de televisão já não tem expressão, já fizemos de tudo um pouco, mas de repente cada espetáculo que eu vou está sempre esgotado. É uma personagem que as pessoas acarinham.

Dar agora vida a esta personagem é mais fácil ou mais difícil?

É mais difícil... Neste momento, não só para mim mas para qualquer artista, é mais difícil, porque as pessoas perderam o hábito de ir a concertos, de ir ao teatro, temos de recuperar essa rotina. Depois há outra coisa: hoje em dia vivemos na era do swipe - nas redes sociais se os primeiros 10/15 segundos não chamarem a atenção as pessoas passam para cima. É mais difícil porque temos de ser mais criativos e imediatos.

Tudo é criticável. Por mais boas intenções que eu tenha, se a pessoa quiser ver mal naquilo que digo ou faço, consegue descobrir e falar mal

Sentiu-se limitado a nível humorístico pelo politicamente correto? Não teve medo de ser mal entendido em algumas das suas abordagens?

Acho que quando somos artistas e criativos não podemos ter receio. Primo sempre a minha carreira sendo uma pessoa muito correta com o humor que faço, sem palavrões, sem entrar em temas delicados, porque também não faz o meu género. Por mais que queiramos criar um tipo de humor que não ofenda, tudo depende das pessoas. Tudo é criticável. Por mais boas intenções que eu tenha, se a pessoa quiser ver mal naquilo que digo ou faço, consegue descobrir e falar mal. Aí, o problema não é meu, é da pessoa, porque está mais preocupada em tornar uma energia positiva numa negativa.

Não tenho esse receio porque acima de tudo sou honesto e sincero. A pandemia revelou o melhor em algumas pessoas e o pior noutras. A melhor coisa que posso dar é a sinceridade. Não estou a fazer aquilo porque me estou a armar em engraçado, mas porque é naquilo que acredito e gosto de fazer.

O espetáculo do Rouxinol é a partir dos seis anos, por isso tenho muito cuidado, porque tenho muitas famílias a ver. Ele é só disparatado, é uma personagem. Quem não gosta tem bom remédio, não acompanha. Agora se é para ver, destruir e criticar o trabalho, a única pessoa que se está a prejudicar é ela própria [a que faz as críticas].

O fado humorístico é um pouco o parente pobre do fado, mas sempre existiu

E como lida com as críticas em relação ao fado humorístico?

No início sofremos mais esse preconceito, mas agora estreámos em streaming o projeto do Rouxinol no Museu do Fado. Finalmente perceberam que atrás da personagem há um trabalho muito cuidado e pensado. O fado nasceu nas ruas, das pessoas cantarem nas tabernas fados de maldizer, humorísticos e a brincar, só que o único fado que se instalou é o sofrido, da saudade. O fado humorístico é um pouco o parente pobre do fado, mas sempre existiu. O fado é um bocadinho como o hip hop ou o rap, nasceu nas ruas. Tinha uma intervenção social.

Quando comecei o Rouxinol Faduncho há 16 anos, achei que ia durar no máximo um ano. Pensava que um outro fadista ia ocupar o lugar e continuar a fazer aquilo, a minha ideia era essa. Mas eu coloquei a fasquia muito alta. Tecnicamente é um espetáculo irrepreensível. As pessoas podem dizer que não gostam da personagem, mas musicalmente e tecnicamente não há nada [a apontar].

Além disso, é muito engraçado ser um ator e não um fadista a ter de pegar numa coisa tradicional, que é o fado humorístico, e voltar a dar vida a uma tradição portuguesa, é isto que me faz confusão. Os fadistas podiam ter tido esta função.

Não quero ser o Avô Cantigas e não digo isto com desprimor. Quero manter-me sempre atualizado, mas sem cair no ridículo

O Rouxinol é um fenómeno que atravessa gerações. Isso não o faz se sentir velho?

Não... Tenho público de todas as idades e é muito bom. Há uma história muito engraçada de um espetáculo que fiz antes da pandemia em que uma rapariga de 15 anos veio tirar uma selfie com o Rouxinol e mostrou-me uma foto que tinha tirado há sete anos. Ela acompanhou Rouxinol dos 8 aos 15 e isso é muito giro. Tenho tantos casos assim. A música que fazemos faz parte do universo das pessoas. A única coisa que não quero, porque isto também é difícil de gerir, é quando eu tiver 65 anos ser aquele artista que vai aos programas e que ouve: 'ah, cá está, o senhor Rouxinol, tanto tempo sem aparecer, diga lá, o que anda a fazer'. Não quero ser o Avô Cantigas e não digo isto com desprimor. Quero manter-me sempre atualizado, mas sem cair no ridículo. Enquanto eu puder e achar que faz sentido, vamos continuar com este Rouxinol, até porque quero levá-lo para outras áreas: séries, cinema, televisão. Esta personagem tem um espectro muito grande de alcance.

Saudades de fazer televisão tenho sempre, mas convenci-me que a televisão não tem nada a ver com o meio artístico ou com as coisas que fazemos à parte. Vive de modas, de períodos em que somos mais ou menos aceites pelas pessoas

Tem saudades da televisão?

Aqui a grande questão é o contrário: será que a televisão tem saudades minhas? Saudades de fazer televisão tenho sempre, mas convenci-me que a televisão não tem nada a ver com o meio artístico ou com as coisas que fazemos à parte. Vive de modas, de períodos em que somos mais ou menos aceites pelas pessoas. Desde que isso não mexa com a nossa autoconfiança e com os projetos paralelos que temos, ótimo. Seria pior se pensasse: 'ninguém me convida para fazer televisão, se calhar não vou fazer o Rouxinol, nem vou fazer a peça de teatro com o Raminhos e o Borges, nem o podcast, nem nada'. Não. Estou disponível para fazer televisão e gosto. Quero que vejam em mim uma mais valia e forte para estar em grelha, se não virem, amigos na mesma. [Além disso] Hoje em dia, as pessoas se tiverem mais seguidores são mais escolhidas para fazer programas.

Fiz o 'Levanta-te e Ri' há 10 anos, muita gente ainda me fala nisso. Fiz o 'Soltem a Parede' com a Diana [Chaves], também me falam nisso. A televisão que fiz marcou as pessoas, marcou um período. Essa televisão foi a melhor que se podia fazer e na altura não tínhamos seguidores

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Mas em relação ao número de seguidores, não é difícil enquanto artista encarar esta realidade? Afinal não é este número que dita o talento de alguém.

Não dita o talento de alguém ou até não, nem vou entrar por aí. Para uma pessoa ter um milhão de seguidores tem de haver algum mérito. Para mim, o mérito maior de fazermos televisão é deixarmos uma marca nas pessoas e a marca para mim tem de ser emocional. Fiz o 'Levanta-te e Ri' há 10 anos, muita gente ainda me fala nisso. Fiz o 'Soltem a Parede' com a Diana [Chaves], também me falam nisso. A televisão que fiz marcou as pessoas, marcou um período. Essa televisão foi a melhor que se podia fazer e na altura não tínhamos seguidores.

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Acho que é errado pensar que o número de seguidores que temos no nosso Instagram ou Facebook é equivalente às pessoas que nos vão ver em televisão. Não é verdade. O público é diferente, até porque com tanta Netflix, HBO, Disney, só se fizermos alguma coia realmente marcante é que as pessoas vão ver e ficar a assistir. E para isso tanto podemos ter um milhão de seguidores como 10, porque o que faz a diferença é o que estamos a fazer na altura e o impacto. Há pessoas que têm muitos seguidores, têm um programa de televisão e a crítica é enorme e continuam, insistem, lutam e estão no lugar delas. Há que fazer sentido e ter alguma coisa que faça a diferença na vida das pessoas, mesmo que seja puro entretenimento.

Quero que as pessoas recebam o melhor de mim, não gosto de fazer televisão só para ganhar dinheiro

Mas continua disponível para a televisão...

Estou disponível, sempre estive disponível para fazer, se acreditarem no meu trabalho muito bem, se não, vou traçando o meu caminho. Quero que as pessoas recebam o melhor de mim, não gosto de fazer televisão só para ganhar dinheiro. Se quiser ganhar dinheiro, sabe o que faço? Espetáculos, com seis horas de viagens por dia, chego, faço o meu espetáculo e acabo suado da ponta dos cabelos aos pés e penso assim: 'este dinheiro que ganhei mereci-o'. Gosto demasiado do público para fazer televisão de uma forma egoísta.

Estive a criar para não entrar em depressão, naquela coisa de ter pena de mim próprio

E naqueles momentos em que se está mais em baixo e não se vê alternativas, como é que se reage?

Nessas fases arregaça-se as mangas e pensa-se: 'sou ator, criativo, consigo escrever, portanto, vamos a isso'. Não é fácil, porque a dúvida instala-se. Somos seres emocionais. Trabalhamos por amor à camisola e temos de ter produto para oferecer às pessoas. Estive a criar para não entrar em depressão, naquela coisa de ter pena de mim próprio. Como é óbvio tive os meus momentos maus, houve alturas em que não víamos luz ao fundo do túnel. Mas pelo menos fiz o meu trabalho de casa e agora quem decide é o público. A nossa profissão é como ser do Sporting: nunca podemos perder a esperança que um dia vamos ganhar o campeonato. Luto, trabalho muito e acho que um dia vou alcançar o lugar em que mereço estar, não sei qual é, se calhar é este, mas já estou muito orgulhoso com aquilo que fiz em 26 anos.

Quando comecei nesta profissão as pessoas nem acertavam no meu nome. Pensava sempre que um dia as pessoas iam conseguir dizer o meu nome e que lhes seria familiar. Não podemos baixar os braços.

E o filho está orgulhoso com o regresso do Rouxinol?

O meu filho está naquela idade dos 15... já partilho com ele as coisas e ele acha piada. É engraçado que acha mais piada agora do que antes, o que é bom para mim, porque nesta idade eles são muito mais esquisitos. Quando não gosta também diz, o que é ótimo, porque foi assim que o eduquei. Esta nova versão chegou mais a ele. O meu filho é um miúdo do caraças, com uma educação e uma forma de estar tranquila. É das poucas coisas que sei que fiz bem na minha vida.

Às vezes não olha para ele e pensa que cresceu depressa demais?

O que digo sempre às pessoas é: aproveitem até aos 11/12 anos, porque depois acabou. Deixam de ser os nossos meninos. Entram naquela fase em que ficam um bocadinho parvos e depois voltam. Tenho uma grande relação de cumplicidade com ele e isso só é possível se os aceitarmos como são. Temos de perceber que têm a forma de pensar deles e a sua personalidade. A única coisa que digo sempre é: tens que assumir o teu caminho e o que queres fazer, e eu estarei cá se correr bem ou mal. Posso dar-te um conselho ou outro, mas só aceitas se quiseres. Ele não me mente sobre nada, tem uma relação muito aberta e sincera comigo. Foi muito tempo a escutá-lo e a deixá-lo falar acima de tudo e a deixar esse à vontade.

E também é virado para as artes como o pai ou é completamente diferente?

Tem um sentido de humor muito apurado e é um palhação com os amigos dele. Mas não demonstrou essa vontade. Até seguiu Economia. Mas disse-lhe que o fundamental era ser uma pessoa bem-disposta no trabalho para crescer. Nunca alimentei essa coisa de vir ver aos espetáculos e ir para o Teatro. Eu também só decidi ser ator aos 19 anos. Se um dia ele quiser ser artista só vou dizer: 'olha, dá tanto trabalho como ser médico. É igual. Tens de te empenhar, estudar e evoluir'.

Gostaria de voltar a ser pai?

Isso depende sempre da pessoa que está ao nosso lado e neste momento tenho uma pessoa que gosto muito e que me dá toda a tranquilidade. Sempre gostei de ser pai e acho que é das coisas em que tenho mais jeito. Quem sabe se no futuro não tenho mais um. Não me importava nada. Estou a manter a forma física por causa disso, não quero ser um pai velho que não se consegue mexer.

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