Que ideia foi esta de trazer ao palco do D. Maria a "tragédia das tragédias"?
A ideia foi minha, confesso. Enquanto director deste teatro, fazia todo o sentido ter um texto absolutamente incontornável da dramaturgia mundial. Um clássico desta natureza num programa de Teatro Nacional. Depois, é um pretexto para que as novas gerações possam ter acesso a este texto e sabia que, se encontrasse o encenador certo, podia fazer dele o pretexto adequado para revisitá-lo de uma forma mais contemporânea e mais acessível. Foi o que aconteceu.
Um texto adaptado aos dias de hoje?
Quando abordei o Jorge Silva Melo, ele acolheu o meu desafio com muito entusiasmo. Pediu para ser ele a fazer a sua própria versão. Afastou-se um pouco do verso inicial de Sófocles e criou uma versão mais rude, com uma narrativa muito dinâmica, muito ágil, num espectáculo que resulta numa hora e vinte minutos. Encontrámos um casamento feliz de vontades. Há muito anos que eu e o Jorge tínhamos uma vontade adiada de trabalhar juntos, que se consumou agora com este projecto.
Porquê voltar agora aos palcos, com esta peça, no "seu" teatro?
É evidente que o "Édipo", o "Hamlet" e outros personagens míticos são incontornáveis dentro de um determinado tipo de repertório que me agrada muito enquanto actor. Depois de ter feito Hamlet, apetecia-me ter outro personagem que puxasse por mim. Que me testasse enquanto actor e que me obrigasse a ir mais longe. Só com um texto desta envergadura é que isso podia acontecer. Espero que o resultado seja do agrado do público. Falta o confronto com o público, que é o que torna o teatro mágico, mas para mim o espectáculo já está ganho.
Esta versão mais moderna de uma história clássica aproxima o texto das pessoas do nosso tempo?
É sempre um pouco discutível. Se nós estivessemos todos vestidos à grega, diziam: isto é tão antigo,o que é que tem a ver connosco? Haverá puritanos que vão pensar que estamos a adulterar o texto. É evidente que todos os textos se prestam a interpretações e leituras diferentes. O "Rei Édipo" não é excepção. Penso que uma leitura desta natureza aproxima o público do texto e vice-versa. Ou seja, torna o texto mais contemporâneo. Será mais fácil encontrar no nosso quotidiano situações onde possamos aplicar as circunstâncias trágicas que o Édipo vive.
Como por exemplo?
O que interessa aqui é retirar qualquer lição que nos sirva enquanto pessoas. A grande metáfora de Édipo é a de alguém que precisa de cegar-se para ver. Só quando atinge a cegueira é que, finalmente, percebe a sua própria dimensão humana. Só quando nós estamos sujeitos a situações absolutamente violentas, ou dramáticas, nas nossas próprias vidas, é que damos valor às coisas que temos e precisamos. De uma forma simplista, não vai ser difícil encontrar pontos de ligação com a actualidade.
Como é trabalhar com Virgílio Castelo e Lia Gama, dois actores que têm passado pelo palco do Teatro Nacional D. Maria II?
É um enorme prazer porque estou rodeado de actores extraordinários que puxam por mim e me dão o melhor deles. Representar é partilhar, é dar e receber. E isso tem acontecido neste processo. Independentemente de uns terem mais ou menos protagonismo, a linha de trabalho do Jorge Silva Melo assenta numa filosofia de colectivo e de partilha onde vários jovens actores têm uma presença muito significativa ao longo do espectáculo. Essa é a essência da arte do Teatro.
Tinha saudades do palco?
Tinha muitas saudades. Já estava a ficar insuportável. Dois anos fora do palco é muito tempo. Embora tenha estado muito entusiasmado com os projectos artísticos que tenho encabeçado, a verdade é que sou actor. Não posso descurar essa parte, sob a pena de eu próprio ficar um pouco descompensado. Agora é a altura de dar o meu contributo como actor. Aqui estou, a dar o meu melhor.
A escolha dos actores partiu de quem?
Partiu do Jorge Silva Melo e foi partilhada comigo. Quando me falou dos nomes, fiquei entusiasmado porque, cada vez que elegia um actor desta envergadura, pensava: estamos no bom caminho.
E para quando um regresso às novelas?
Apenas continuo a gravar para a RTP o "Cuidado Com a Língua", que ganhou continuidade porque cumpre o serviço público. Enquanto actor não tem sido possível fazer mais televisão, porque quer as novelas, quer as séries, ocupam muito tempo e não podia dar resposta às duas solicitações, o teatro e a TV.