'Matilha', a nova série da RTP - que vai para o ar às segundas-feiras na RTP1 e está também disponível na RTP Play - prova que a produção nacional tem qualidade e recomenda-se. O spin-off de 'Sul' traz de volta as personagens de Mafalda, à qual Margarida Vila-Nova dá vida, e 'Matilha', interpretado por Afonso Pimentel.
Criada por Edgar Medina e realizada por João Maia, a trama serviu de mote de conversa com Margarida, que nos falou sobre o desafio de voltar a recuperar a personagem anos depois.
A atriz, de 40 anos, refletiu ainda sobre o seu "percurso" - uma vez que não gosta de dizer "carreira", como confidenciou -, sobre a forma como lida com a arte e com a vida.
O que é nos pode dizer sobre 'Matilha'?
É uma história de ação que trata o assalto a um supermercado, mas por trás deste assalto está uma história de tráfico de droga. Quem conduz esta história é o Matilha e a Mafalda que, além do assalto e do tráfico de droga, são um retrato de dois lisboetas que vivem numa situação precária, que pertencem a uma geração que não consegue pagar uma renda, sem grandes perspetivas de vida.
Como é que se preparou para a sua personagem?
A Mafalda e o Matilha são personagens que já existiam, nasceram na série 'Sul'. A dificuldade foi só reencontrar essa personagem cinco anos depois. A minha abordagem é diferente, porque a forma como vemos as coisas, como conduzimos as personagens, as histórias, as emoções, é diferente. No fundo é rever tudo aquilo que tinha sido feito e pensar onde é que [a Mafalda] estaria passados estes anos.
O streaming trouxe um mundo de oportunidades para a produção nacional. Há finalmente espaço para o que é feito cá crescer?
A RTP tem tido um papel muito importante nos últimos anos na produção de séries portuguesas. Abriu o mercado, tornou possível que outras produtoras, realizadores e atores tivessem espaço para se construírem.
O facto de o streaming estar a crescer traz a oportunidade de se produzir mais e dá visibilidade àquilo que se está a fazer em Portugal. Somos poucos espectadores. Assim chegamos a mais e há um maior investimento.
O público português reconhece o que é feito 'cá dentro' ou ainda há um certo estigma?
O feedback que eu tenho, pelo menos em relação à 'Matilha' e a outras personagens que fiz, mostra que as pessoas reconhecem a qualidade das séries e das histórias. Não sinto esse estigma.
Tendo em conta que o mercado está a mudar e a virar-se cada vez mais para o streaming, isso influencia-a nas decisões que toma relativas à sua carreira?
As mudanças a mim não me assustam porque trazem coisas positivas. Por um lado, a novela já não ocupa o lugar que ocupava há 10 anos, por outro, há outros conteúdos que estão surgir e que são bons de fazer. O importante é estarmos atentos e adaptarmo-nos ao mercado e às suas tendências, porque é inevitável [a mudança].
Com esta coisa de sermos freelancers não crio muitas expectativas, não desenho muitos planos. Surgem as oportunidades e há umas melhores e outras piores
O que gostaria de fazer? O que queria que acontecesse na sua carreira?
Não sei. Com esta coisa de sermos freelancers não crio muitas expectativas, não desenho muitos planos. Surgem as oportunidades e há umas melhores e outras piores.
Este ano vou regressar ao teatro, porque no último ano praticamente fiz três séries, duas longas metragens e uma novela, por isso, tenho vontade de voltar a fazer teatro. É sempre uma surpresa, porque é difícil fazer um calendário.
Perante o final do 'Papel Principal' continuei a trabalhar com o mesmo brio e empenho como fiz na primeira vez
Em relação às novelas foi confirmado que 'Papel Principal', na SIC, não iria ser renovada. Enquanto atriz, como é que se lida com uma decisão assim?
Quando aceito o projeto não o faço a pensar se vou ganhar um prémio, se vai ser um sucesso de bilheteira ou um sucesso de audiências. Uma novela pode ser vista por 500 mil pessoas e uma peça de teatro por 50. Não é por isso que deixo de fazer teatro, não é?
Só aceito projetos de que gosto, com personagens de que gosto, com atores com quem gosto de trabalhar. Não crio expectativas, sequer... Não me cabe a mim fazer uma avaliação sobre as audiências. Se no final vão 20 espectadores ao cinema ou 500 mil [vão ver] em casa isso não está nas minhas mãos. Perante o final do 'Papel Principal' continuei a trabalhar com o mesmo brio e empenho como fiz na primeira vez.
É engraçado dizer isso porque há atores que têm essa pressão das audiências, por exemplo. A Margarida não deixa que este fator a afete, de certa maneira.
Claro que quando uma coisa corre bem ficamos contentes com o sucesso do projeto, mas o projeto é um todo, não é apenas resultado do meu trabalho. E depois a vida é feita disso, há momentos mais felizes e menos felizes. As minhas cenas estão gravadas e não há nada que eu possa fazer. Acho que é uma pressão muito grande para uma pessoa levá-la sozinha.
Eu coloco-me em causa todos os dias. Coloco o meu trabalho em causa, penso no que faço e sou bastante crítica. O dia em que me deixar de colocar em causa alguma coisa está errada
Algum dia colocou em causa o seu valor ou talento enquanto atriz?
Eu coloco-me em causa todos os dias. Coloco o meu trabalho em causa, penso no que faço e sou bastante crítica. O dia em que me deixar de colocar em causa alguma coisa está errada. É esse medo, essa exigência, que nos faz procurar fazer melhor, sair da nossa zona de conforto, sermos exigentes com aquilo que fazemos. É muito importante colocarmo-nos em causa.
Com mais de 30 anos de carreira, hoje teria feito escolhas diferentes, mesmo tendo seguido à mesma a representação?
Não faria nada de diferente, quer tenha corrido bem, quer tenha corrido mal. Felizmente que correu como correu porque o lugar onde estou hoje é resultado de um passado. Não acho justo mudar alguma coisa por mais que não tenha gostado, ou que haja alguma escolha que tenha sido mais errada ou um projeto mais infeliz, são tão importantes como outros, porque aprendemos com eles e a fazer escolhas a partir desses momentos.
Há 20 anos era um bocadinho diferente, a forma como era visto quem fazia novelas por ser um produto menos nobre. Não era tão aceite
Sentiu preconceito por ter feito várias novelas?
Durante algum tempo havia o estigma de fazer novelas, mas acho que hoje já é aceitável, o meio artístico não é tão crítico em relação às telenovelas. Esta geração beneficia desse caminho. Há 20 anos era um bocadinho diferente, a forma como era visto quem fazia novelas por ser um produto menos nobre. Não era tão aceite.
Falando em nova geração, quais os conselhos que daria aos jovens que querem ser atores?
Eu não gosto muito de dar conselhos... [ri-se]. Acho que cada um deve seguir a sua vida e o seu instinto. Quem sou eu para dar um conselho a alguém? Ainda tenho muitos passos para dar para poder aconselhar alguém neste caminho que é a representação.
No ano passado completou 40 anos. Sentiu-se diferente ao entrar nesta nova década?
Não, acho que é só um número. Continuo a sentir-me uma miúda.
Como mãe de dois filhos adolescentes consegue relacionar-se bem com eles? Ou os dilemas que enfrentam não são os mesmos que a Margarida enfrentava quando tinha a mesma idade?
O mundo está a avançar muito rapidamente. Cresci sem telemóveis. Claro que as circunstâncias em que esta geração está a crescer é muito diferente do contexto político, social, económico em que eu cresci. De geração para geração haverá sempre um 'gap' [fosso] emocional pelas diferenças circunstanciais em que cada um cresceu.
Há algo na atualidade que a deixe mais preocupada quanto ao futuro deles?
Estamos a viver momentos muito turbulentos. Não esperava assistir a este momento dramático. Temos uma guerra na Ucrânia, outra na Faixa de Gaza... Acho que trará consequências e não me parecem tempos fáceis os próximos anos.
Diz na biografia da sua página de Instagram que "procura o lado bonito da história". Já o encontrou ou encontra-o todos os dias?
Sou uma pessoa muito otimista por natureza. Tento sempre ver o lado bom das coisas, mesmo nas coisas menos boas que nos acontecem, também aprendemos com elas ou passamos a ver a vida de outra maneira.
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