Portugal vai ter o privilégio de usufruir do talento de Vera Holtz durante praticamente um mês. A atriz, uma das mais respeitadas do Brasil, viajou até ao nosso país para apresentar a peça 'Ficções', que estará em cena no Teatro Tivoli BBVA de amanhã, dia 9 de fevereiro, até 3 de março.
Vera estava em festa nos bastidores quando abriu a porta ao Fama ao Minuto. Como som de fundo ouvia-se a música do Carnaval de Salvador e o clima era de grande animação.
A verdade é que, aos 70 anos, Vera Holtz tem muitos motivos para sorrir. É feliz a fazer teatro e em televisão, a plataforma que a tornou numa verdadeira estrela, já fez muitas coisas dignas de orgulho. Um desses projetos é a novela 'Avenida Brasil', exibida em 2012, e na qual deu vida à mítica personagem Lucinda, a mulher do 'lixão'.
Como sabemos que falar com Vera Holtz é um privilégio que apenas se tem de tempos a tempos, o Fama ao Minuto aproveitou para fazer com a artista um balanço desta carreira tão especial.
A Vera já está em Portugal há alguns dias. Não tenho dúvidas de que já conseguiu sentir o carinho que os portugueses têm por si...
Estamos cá há uma semana e demos uma volta por Lisboa. As pessoas cumprimentam-me, dizem-me que fazem questão de me dar um abraço porque vivo na imaginação delas há muito tempo. É uma coisa muito calorosa, de afeto e de toque... é uma delícia. Quanto mais é expandida a sua imagem, maior é o nível de responsabilidade.
Gosto de ser carinhosa com o público, já é da minha natureza, então fico muito feliz com este carinho que recebo das pessoas, de todas as idades. Os jovens também falam de novelas minhas que viram.
Que relação tem com Portugal? Sabe dizer-nos quantas vezes já esteve por cá?
Já estive aqui umas cinco ou seis vezes. Vim com a peça 'Intimidade Decente', com o Marcos Caruso, e estivemos cá vários meses. O Caruso ligou-me hoje para me desejar muita felicidade. Quem me abriu este caminho para Portugal a nível de trabalho foi o Caruso, mas eu já tinha vindo cá com a minha família, com as minhas irmãs e amigos. Já viajei muito por aqui.
Que imagem tem dos portugueses?
O português é muito próximo dos brasileiros. Quando chegamos cá, ampliamos o conhecimento que temos sobre este país e sobre as figuras históricas de cá. A culinária portuguesa está muito presente no Rio de Janeiro. Eu e a minha irmã, durante o tempo que temos passado no apartamento aqui em Portugal, estamos sempre a ver os canais que falam sobre a comida portuguesa e os doces.
Hoje em dia, o teatro tem o maior espaço na minha expetativa de carreira
Que tipo de pessoas encontra nos seus espetáculos em Portugal? É mais habitual ter na plateia os portugueses apaixonados pela cultura brasileira ou os brasileiros que vivem em Portugal e que têm saudades do país em que nasceram?
Um pouco de tudo. Há pessoas que vêm ver a peça porque já leram o livro e então já têm uma relação muito forte com esta obra. Temos alguns biólogos que também vêm por conta do livro, e depois há os brasileiros que querem estar próximos de uma companhia brasileira. Com o 'Intimidade Indecente' também encontrámos muitos portugueses que gostam de teatro.
Do que nos fala o livro 'Sapiens', de Yuval Harari, que inspira esta peça?
É um livro bastante denso. O nosso dramaturgo e encenador, o Rodrigo Portela, fez um recorte sobre a incrível capacidade que o homem tem de criar narrativas, de inventar histórias e de acreditar nelas.
A peça tem uma relação íntima com a música e há até um artista em palco que divide a atuação consigo...
A música está presente o tempo todo. A peça é um diálogo entre a palavra e a música.
Que papel tem o teatro na sua vida atualmente?
Televisão é uma coisa, teatro é outra e cinema é outra. O teatro é uma obra coletiva, somos parte de uma família de criação que escolhemos e da qual cuidamos. Hoje em dia, o teatro tem o maior espaço na minha expetativa de carreira, é a minha principal motivação. Tenho uma equipa afinada, viemos todos para Portugal.
A televisão é uma indústria e tem tempos para entregar todos os episódios gravados
Também já tem várias peças no seu currículo...
Sim, fiz teatro durante muito tempo. A partir dos anos 2000 parei um pouco e fiz teatro de forma mais pontual para dar um salto maior em televisão. Ainda estive muito tempo a fazer teatro e televisão ao mesmo tempo mas é muito complicado. A televisão é uma indústria e tem tempos para entregar todos os episódios gravados.
Em que género insere este espetáculo?
Nós não definimos o género do espetáculo, cada um diz uma coisa diferente. Há quem diga que é uma revista, uma 'jam session', uma sessão, um culto [risos]... Para mim é um encontro.
Vera Holtz em palco com Federico Puppi, na peça 'Ficções'© Divulgação
O objetivo é fazer refletir?
Sim, é só uma reflexão, não damos respostas nenhumas. Fazemos perguntas e vamos conduzindo para uma reflexão individual feita em coletivo. É uma boa peça para virem acompanhados porque vai rolar assunto para debaterem depois [risos].
Quais foram as reações à peça quando a apresentaram no Brasil?
Cada Estado tem um perfil distinto. Se estiver no Rio de Janeiro, encontra-se uma plateia mais festiva, que ri de tudo e que participa em tudo. No Rio de Janeiro tínhamos um comportamento diferente de, por exemplo, Minas Gerais. A perceção que tínhamos do espetáculo ia mudando.
Nós estreámos com apenas 40 dias de ensaio, portanto o espetáculo vai-se completando e formatando junto do público. A conversa com os espectadores no final foi muito importante e no Rio de Janeiro até encontrámos portugueses que estavam por lá de férias.
O Brasil, no último dia de 'Avenida Brasil', parou para ver a novela
Em Portugal temos uma relação muito próxima com as novelas brasileiras. A Vera participou em muitas dessas produções que foram exibidas por cá mas há que destacar a 'Avenida Brasil'. Esta novela tem, também para si, um significado especial?
Sim, a mãe Lucinda é um fenómeno. Chamam-me mamãe Lucinda ainda hoje, até porque o meu cabelo continua branco. Lá no Brasil, as mães diziam às crianças 'se não me obedeceres, vou mandar-te para o lixão, para a mamãe Lucinda'. Virei castigo para as crianças da época [risos]. Os adultos de hoje dizem-me que continuam ligados a essa personagem porque se não fizessem o que as mães lhes diziam iam parar ao pé da Lucinda no 'lixão'. Tenho muito carinho pela mãe Lucinda.
Era uma novela em que todos os núcleos eram fantásticos, todos os atores estavam muito motivados. Foi vendida para 140 países e até tivemos a oportunidade de lançá-la no México e de encerrá-la em Buenos Aires. Estivemos lá no dia do último episódio e vimo-lo num estádio. Todos tinham um lenço branco na mão... foi uma experiência inédita. O Brasil, no último dia de 'Avenida Brasil', parou para ver a novela. Há até um país que a comprou para fazê-la com outros atores.
Na sua opinião, o que justifica todo esse sucesso?
Foi exibida numa outra época, estávamos noutro momento. A novela tinha uma trama muito interessante, com o terror da Nina e da Carminha, tinha todos os tipos de núcleos, como o futebol... Todos se identificavam com algum dos núcleos.
No Brasil, foi uma das últimas novelas a atingir esse nível de sucesso. Com o streaming e a internet, as pessoas assistem às novelas quando e onde querem. A 'Avenida Brasil' era um momento de comunhão, em que as pessoas se juntavam para comentar o episódio do dia anterior. Todos sabiam o que acontecia na novela e queriam ver juntos para comentar, em casa e nos bares. Muitos homens viam a novela.
Depois de ter feito mais de 20 novelas, destaca a 'Avenida Brasil' como a mais importante?
Acho que sim. Fiz muitos papéis importantes em grandes novelas, como a 'Mulheres Apaixonadas', em que fazia uma mulher alcoólica. Cheguei a estar em Moscovo, na Rússia, ainda antes da guerra, e as pessoas comentavam muito a 'Por Amor'... Havia até um clube de fãs do Jorginho, personagem do Cauã Reymond na 'Avenida Brasil', na Rússia. Que coisa doida.
Vera Holtz em 'Avenida Brasil'. Atrás pode ver-se a personagem Jorginho, interpretada por Cauã Reymond© Globo - Divulgação
Acredito que a Vera tenha grandes dificuldades para sair à rua no Brasil...
Depende do Estado. No Rio de Janeiro nem tanto, dado que é um local em gravamos habitualmente, então o carioca está mais habituado ao convívio com os atores. Noutros Estados, sim, tiramos muitas fotografias e as pessoas comentam sobre os papéis que fazemos nas novelas. Explicam-nos como fazemos parte da vida delas.
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