A Associação SORRIR tem como missão promover e salientar a importância de sorrir para a saúde, não pela ausência de doença, mas enquanto bem-estar físico, mental e emocional.

O movimento O MAIOR SORRISO DO MUNDO nasce em 2013 para reforçar esta mensagem e representa alegria, amor, saúde e bem-estar.

Figuras públicas e empreendedores aderiram à causa e partilharam os seus testemunhos. Leia a história de Carlos Quevedo.

"Para vivermos num mundo justo e feliz, não devia ser preciso mais do que a virtude para combater a adversidade. Mas porque não vivemos nesse mundo ideal, ela não é suficiente. Por experiência, sabemos que é raro ganharem os bons e, mais ainda, os maus perderem ou receberem o seu merecido castigo. Quando percebemos esta verdade rudimentar, podemos dizer que somos adultos ou, pelo menos, não esperamos ser um super-herói nem que um super-herói nos resolva a vida.

Mas também não é razão para fazer das leis de Murphy a bíblia do dia-a-dia, com as suas conclusões catastróficas, como aquela que diz que quando tudo corre mal temos de esperar que tudo corra ainda pior. Acreditar que o mundo é injusto, juntamente com todas as leis murphyanas, fazem da adversidade um monstro invencível, e isto não é bom para ninguém. Há casos que resolvemos com atitudes que não estão consagradas como virtudes, nem sequer como qualidades. A imprudência, a insensatez, às vezes funcionam melhor do que a coragem. O tão desacreditado medo é melhor que o paralisante pânico. A inconsciência pode ser superior a uma forma adulta de enfrentar o perigo. Enfim, a sorte, essa coincidência inesperada do fortuito que nos favorece, pode ser convocada pela nossa irresponsabilidade.

Dou um exemplo. Não muito longe de Castelo de Vide, mais para os lados do parque natural de São Mamede, perdi-me numa estrada de terra. Comigo estavam uma amiga e a filha dela, ainda criança. Voltando a Murphy, não sendo suficiente para o Destino estarmos perdidos, furei, ou furou-se, um pneu. Com a minha natural estupidez, lembro-me de ter dito que podia ser pior. Podíamos estar perdidos no Sahara e termos tido um furo. Respirem, raparigas, este ar magnífico do campo, enquanto mudo o pneu! Mas o meu clamor por gratidão pela nossa sorte não surtiu nenhum efeito. Limitaram-se a abrir as portas do carro e a ficar refasteladas nos seus lugares com caras de vítimas dos poderes do universo. Ou de estarem a ser castigadas por Deus sabe-se lá por que pecados.

Fiz tudo o que um homem faz nestas circunstâncias. Com calma, tirei as ferramentas do porta-bagagem, o pneu de recurso, praguejei em silêncio por estar de calças brancas e com a minha melhor camisa de linho, também branca. Poucos minutos depois de ter começado a delicada operação da mudança do pneu, oiço gritos de pânico, estrondos das portas do carro a fechar com energia exagerada. Só depois, ouvi as vozes abafadas pelo hermetismo do carro a indicar-me que olhasse para trás.

Era grande. De pais e avós desconhecidos. Mas a sua ascendência era internacional: alemã, portuguesa, novamente alemã, algum toque não identificável de inglês, geograficamente, devia ter um gene espanhol e o seu humor era decididamente francês. Para sintetizar, era um enorme cão. Teria as cores do arco-íris, se o arco-íris fosse composto por uma paleta de castanhos sujos. As únicas cores humanamente reconhecíveis eram o branco dos dentes e o encarnado das gengivas.

Obviamente, fazer um flique flaque à rectaguarda, seguido de mortal e a terminar em espargata no tecto do carro não era uma opção. Enquanto pensava nisto, misturado com inserts de imagens minhas nas praias de Ibiza e mártires no circo romano comido por leões pagãos, não me perguntem porquê, a mente humana tem destas coisas nos momentos difíceis, o animal aproximava-se ameaçadoramente. Tendo já descartado a opção olímpica, em milésimas de segundos pensei que, às tantas, uma voz autoritária podia paralisar o bicho. A lembrança obrigada do dono ou mesmo do pai devia despertar-lhe algum respeito. Ou, se eu estivesse no lugar dele, pelo contrário. Um desconhecido a gritar provoca reacções imprevisíveis. Outra alternativa era defender-me com o pneu furado, mas para isso devia pôr-me de pé de repente, acto inequivocamente hostil da minha parte, que até se podia confundir com pânico histérico. Sem mais ideias e visto que a distância que nos separava já não se contava em metros, comecei a falar no meu tom mais infantilmente carinhoso ao psicopata de quatro patas. “Como é que estás, queridinho? O que andas a fazer por aqui, meu pequenino? Olha a má sorte de furar um pneuzito do carrinho, logo nesta terrinha!”, e assim por diante, sem parar e sem olhar para ele, enquanto me grunhia e se mexia nervosamente.

Não digo que nos tornámos amigos, nem pouco mais ou menos, mas passados alguns longos minutos de diminutivos, o animal foi-se embora. As testemunhas do episódio não me aplaudiram. Só comentaram a minha inconsciência, adjudicaram à sorte o feliz desfecho e, com o tempo, até diminuíram a ferocidade do canino que passou a ser um cão vadio perdido e abandonado. Não esperemos recompensas pelos nossos triunfos. Mas só nós sabemos do que nos salvámos."

Carlos Quevedo