Se concorda com a afirmação de Santo Agostinho, «O mundo é um imenso livro do qual aqueles que nunca saem de casa leem apenas uma página», então, sim, tem alma de viajante. Sente uma enorme vontade de correr o mundo? De sair daquilo que já conhece e somar algo mais a isso. Perfeito. Prepare-se para a viagem da sua vida. A próxima! As pessoas que não sentem a necessidade de sair de casa contentam-se em viver na cidade onde nasceram, em sentar-se ao final do dia no mesmo sofá a ver televisão e nos 360 graus que as rodeiam diariamente.
Mas há quem não consiga ficar muito tempo no mesmo sítio. Quem tem como gurus Bruce Chatwin e Anthony Bourdain e, claro está, os passaportes estão sempre em dia e à mão. Identifica-se? Curioso será saber que viajamos cada vez mais para fora, pois, dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE), comprovam que as viagens dos portugueses para o estrangeiro cresceram 11,5% no último trimestre de 2014.
João Oliveira, organizador de expedições e fundador da empresa Portugueses em Viagem, avança com uma explicação. «Os portugueses viajam cada vez mais e para mais longe. O que é muito positivo para a nossa sociedade. A nossa cultura prepara-nos, como ninguém, para nos integrarmos em outras novas. Já assisti a esse fenómeno com inúmeros portugueses, inúmeras vezes, em inúmeros contextos», refere.
«Sempre que Portugal se fecha sobre si próprio definha. Sempre que nos abrimos ao mundo, progredimos. Esta vontade que se sente nos portugueses de conhecer novos destinos e novas culturas de forma autêntica é muito saudável», acrescenta ainda. João Oliveira tem viajado pelo mundo inteiro nos últimos 20 anos. «Desde muito cedo que isso levou a que, tanto a nível pessoal como profissional, desse por mim a aconselhar, preparar viagens», recorda.
Wanderlust ou o poder de um gene
Há cerca de um ano, em 2014, João Oliveira percebeu que podia dedicar-se «100% a organizar expedições», como lhes chama. A este impulso e quase inexplicável vontade de viajar dá-se o nome de wanderlust (do alemão, wandern, que significa caminhar e explorar e e lust, sinónimo de desejo), uma característica que liga todos aqueles que não se contentam em nascer, crescer e morrer no mesmo local. E, ao que parece, este desejo inato pode derivar de um único gene, o DRD4.
Mais especificamente, da sua mutação, que está relacionada com os níveis de dopamina no cérebro, o neurotransmissor que expressa as sensações de prazer. Aproximadamente 20% da população mundial possui este gene, sendo mais comum nas regiões do planeta onde se incentiva à descoberta ao longo da história. O descobrimentos portugueses dizem-lhe
alguma coisa?
O estudo, conduzido pelo investigador David Dobbs e publicado na revista National Geographic, suporta esta mesma ideia. David Dobbs afirma que a mutação 7r do gene DRD4 gera pessoas «com maior tendência ao risco, em explorar novos lugares, ideias, alimentos, relações, drogas ou oportunidades sexuais». E conclui que os detentores desta mutação genética «geralmente
abraçam o movimento, a mudança e a aventura».
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Viajar é terapêutico
A conclusão de uma investigação realizada por um grupo de cientistas britânicos comprova que ir de férias contribui para reduzir a pressão arterial, aliviar o stresse, melhorar a qualidade do sono e rejuvenescer o corpo. Esta investigação desenvolvida no contexto do projeto «The Holiday Health Experiment», refere mesmo que os efeitos se prolongam por vários meses. João Oliveira confirma essa teoria.«Cada vez que viajamos não voltamos diferentes, voltamos melhores», afiança.
«Não acho que as viagens nos mudem, mas melhoram-nos. Acabam por ser uma depuração de tudo o que não interessa e de todo o acessório. As pessoas regressam mais felizes e mais leves, com uma nova perceção da realidade e, consequentemente, novas perspetivas para o futuro», sublinha ainda. «Viajar é um ato de desaparecimento», escreveu certa vez Paul Theroux, um dos escritores mais bem-sucedidos na arte de narrar as suas andanças pelo mundo.
É uma frase ambígua, pois parece verdadeira, mas apenas do ponto de vista de quem fica. Já para aqueles que partem, viajar não é um ato de desaparecimento. Ao contrário, é quando finalmente o viajante se aparece a si mesmo. Para o organizador de expedições, «viajar é a minha essência. Não consigo colocar isto de outra forma. A minha vida conta-se quase toda em viagem e tudo o resto foi uma espécie de intervalo», considera.
Turista ou viajante?
O espírito de viajante está brilhantemente refletido da obra de Paul Bowles, «O Céu Que Nos Protege». O escritor não se via como um turista, mas como um viajante. «Enquanto o turista costuma voltar a correr para casa ao cabo de semanas ou meses, o viajante, que não pertence a um lugar mais que a outro, desloca-se com vagar, durante anos, de uma parte da terra para outra... Outra diferença importante entre o turista e o viajante é o turista aceitar sem reservas a sua própria civilização», diz.
«Mas o viajante não», ressalva. «Compara-a com outras e rejeita as que não lhe agradarem», assegura. A personal traveler Maria João Pavão Serra, jornalista de viagens desde 1992, é especialista em organizar viagens para Marrocos e, como a própria afirma, «tenho o nomadismo no sangue». Os amigos chamam-lhe Indy Jo pois, apesar de ser licenciada em história, o seu sonho era a egiptologia.
Esta turista acidental, nome dado à sua empresa Turista Acidental, odeia andar de avião, mas o seu desejo de partir é bem mais forte. Apesar de ter sido uma viagem ao Quénia que lhe fez nascer este bichinho pelas viagens e a sua paixão por África, é em Marrocos que se sente em casa. «Tenho uma relação cármica com Marrocos. E está apenas a uma hora e um quarto de Portugal», sublinha. Maria João Pavão Serra é uma verdadeira viajante.
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Mas, afinal, o que é isto de viajar?
«Adoro a definição de Paul Bowles. Nessa época o viajante ia sem data marcada. A pessoa podia dar-se ao luxo de ir sem bilhete de volta. O viajante de hoje tenta fugir um pouco aos circuitos comerciais e fundir-se mais com os locais», descreve. Mas, afinal, o que é isto de viajar? Maria João Pavão Serra, conhecedora e apaixonada por viagens e pela arte de viajar, com o seu serviço de consultoria, aconselhamento e organização de viagens à medida, Mon Maroc Guide, está, a maior parte do tempo, com um pé cá e outro lá.
«Viajar dá-nos a noção de quão pequenos somos no mundo, quão insignificantes. Torna-nos mais humildes. Há tanta gente que vive apenas no seu mundo, a olhar para a sua barriga, na sua zona de conforto. Viajar é conhecer outra cultura, outras regras, outras pessoas, outra maneira de estar. A viagem ao deserto, ao Atlas, é, por exemplo, uma viagem de iniciação, com uma beleza única, onde a natureza muda constantemente. É tudo, é nada, é pouco, é muito», afirma.
Pessoas independentes de todas as idades
Como confirma João Oliveira, quem embarca numa viagem menos convencional sabe que quer encontrar algo autêntico e descobrir um destino que vai muito além daquilo que dizem os guias de viagem. «Verificamos que a maioria dos nossos viajantes são pessoas independentes, de ambos os sexos e com idades compreendidas entre os 21 e os 60 anos. Pela natureza das próprias expedições, estas atraem pessoas interessantes e interessadas, que privilegiam a autenticidade», diz.
É por isso que quem regressa não volta indiferente. «Acho que qualquer viagem implica um crescimento, um enriquecimento e uma experiência... Viajar é terapêutico. Devia fazer parte dos planos do Estado oferecer uma viagem por ano aos seus cidadãos», diz Maria João Pavão Serra a sorrir. E, para quem parte, o especialista em expedições, aconselha a aproveitar a experiência ao máximo. «Que vá mesmo», recomenda.
«Que deixe em casa medos e preconceitos, que se converta num livro em branco e que se disponha mesmo a viver cada dia da sua viagem com tempo e liberdade», refere ainda. «Percebi que podia ser feliz em muitos sítios e de muitas formas. E é isso que tenho feito desde então», assegura mesmo Maria João Pavão Serra.
Texto: Joana Brito
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