Apanhei o comboio na estação de Waterloo, decidida a aproveitar um dos raríssimos dias de sol primaveril em Londres, para visitar o palácio e os jardins de Hampton Court, a cerca de uma hora de distância do centro de Londres. Hampton Court é um dos locais mais famosos de Inglaterra, o que não admira porque albergou importantíssimos personagens e foi palco de sucessivas tragédias provocadas por dramas passionais e pela ambição do poder. O cardeal Wolsey (1473-1530), Henrique VIII (1491- 1547), Isabel I (1533-1603), Carlos I (1600-1649) e Oliver Cromwell (1599-1658) passaram lá grandes temporadas.
O rei Carlos II (1630-1685), casado com a portuguesa Catarina de Bragança (1638-1705), também por lá pernoitou, tal como Guilherme III (1650-1702). Com o passar do tempo, todos eles transformaram o palácio e os jardins que o envolvem, fazendo com que a sua história seja um reflexo da história de Inglaterra do século XVI ao até ao século XVIII, altura a partir da qual mais nenhum monarca ocupou o palácio, tendo este sido aberto ao público em meados do século XIX, durante o reinado da rainha Vitória (1819-1901).
Foi o cardeal Wolsey quem mandou erigir Hampton Court em 1525, embora pouco dele tenha usufruído porque, destituído e acusado de traição por Henrique VIII, acaba por morrer pouco tempo depois. O rei ocupa e transforma o palácio mas dos jardins de Henrique VIII nada resta, embora se saiba que foi ele o primeiro impulsionador do jardim do Renascimento em Inglaterra tendo transformado o hortus conclusus de Hampton Court num jardim de prazer, caracterizado pela abundância de estatuária heráldica.
A influência de Versalhes
Fui direta para o Privy Garden, talvez a área mais fotografada e célebre de Hampton Court, um esplêndido jardim ornamental que não desilude, mesmo para quem, como eu, não gosta muito de jardins formais. A versão actual deste espaço verde é uma restauração de 1995 do jardim do tempo de Guilherme III, monarca que aí viveu com a mulher, a rainha Mary, que encomendou a Christopher Wren a ampliação do palácio, seguindo o modelo do de Versalhes, modelo que o jardim também seguiu.
O Privy Garden prolonga-se desde o palácio até ao rio Tamisa, ao longo de um eixo central com vários parterres de relvado, à boa maneira inglesa, delimitados por três quilómetros de arbustos baixinhos, onde os elementos mais marcantes são as árvores podadas em forma de cone muito esguio, um dos mais espectaculares exemplos de topiária que conheço. A estrutura arquitetónica dos jardins de Hampton Court e a sua dimensão (entre palácio jardins e parque ocupa 324 hectares) faz com que uma visita detalhada demore pelo menos umas três a quatro horas.
Junto ao palácio, para além do Privy encontram-se três jardins compartiments, totalmente independentes uns dos outros. São os dois pond gardens, assim chamados porque até ao final do século XVII eram casas de pesca que abasteciam a cozinha do palácio de peixes. Não perca também a inevitável Orangerie constituída por árvores envasadas. Atualmente, os dois pond gardens são jardins enterrados, cheios de flores em canteiros rigorosamente geométricos, como os quis a rainha Mary quando foi viver para Hampton Court. O Great Fountain Garden é outro importante ponto de referência, embora dos 13 lagos originais só tenha sobrevivido o lago central. Deslumbra não só pelo seu canal de água, do tempo de Carlos II, como também pelas fabulosas áleas de Teixos, agora de tamanho tão descomunal que foram formatos numa originalíssima topiária.
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O que fazer para não se perder no labirinto verde do jardim
Indispensável é também a visita ao famoso maze, o labirinto de paredes tão altas que lá me perdi logo que entrei. Lembrei-me então de um velho truque ensinado pelo meu avô, que me dizia que a única maneira de sair de um labirinto é entrar e seguir com uma mão encostada à parede do lado direito. E foi assim que o percorri, em voltas e voltinhas, ao som dos gritos dos outros exploradores, alguns totalmente desorientados. Infelizmente, não colocaram um miradouro no centro para se poder admirar de cima para baixo a perfeição milimétrica do corte das sebes.
A fome já apertava e resolvi comer qualquer coisa na apetitosíssima esplanada do Tiltyard, o café que apresenta um razoável buffet e nos permite descansar ao ar livre no coração dos jardins. Finalmente, a visita terminou com a área de passeio semisselvagem, o Wilderness, a única concessão ao jardim naturalista inglês. Admiradas as rosas do Rose Garden dispus- me, sem grande convicção, a visitar o palácio. Fugi a meio da visita, deprimida com o ambiente daquele edifício Tudor soturno, de paredes forradas a madeiras castanhas, sem luz nem alegria.
Para retomar o prazer que me deu o jardim resolvi ir numa barcaça que transporta quem estiver disposto a navegar duas horas pelo Tamisa até Richmond. A quem lá for, aconselho vivamente este trajeto de regresso, já que as margens do rio, embora relativamente perto de Londres, são uma visão bucólica apenas pontuada aqui e ali por casas com barquinhos ancorados em pequenos cais dos jardins junto ao rio. Para quem se deixar seduzir, lembro que anualmente, em julho, há o grande acontecimento do Hampton Court Flower Show. Quanto a mim, é melhor do que o Chelsea Flower Show, um dos mais famosos eventos do género.
Texto: Vera Nobre da Costa
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