Receber com requinte e etiqueta exige algumas regras mas, lá no fundo, tudo se resume a uma questão de simplicidade e bom senso. Agir com naturalidade e ser sempre fiel ao seu próprio estilo são duas das regras fundamentais que os bons anfitriões dos dias de hoje deve seguir. Estão, contudo, longe de ser as únicas. Em períodos festivos como o Natal, a Páscoa e as férias de verão, multiplicam-se as festas e os jantares entre familiares e amigos. Ocasiões que exigem algum planeamento.
Há ocasiões em que o brilho da quadra convida ao requinte e à vontade de receber amigos e família de acordo com as melhores regras de etiqueta e cortesia. A boa notícia é que, hoje, saber receber não significa ter um serviço equivalente ao apresentado em séries de televisão como «Dowton Abbey». Lady Violet, uma das personagens, ficaria chocada com algumas das liberdades modernas mas, para quem vive em pleno século XXI, é bom saber que o maior segredo de etiqueta é ser-se fiel a si mesmo.
«Não há nada mais bonito do que a naturalidade e a cortesia é isso», refere Isabel de Brito e Cunha, especialista em etiqueta e protocolo, e autora do livro «Saber Ser, Saber Estar e Saber Viver», publicado pela Bertrand Editora. «É receber os seus convidados dentro do ambiente em que se vive e que se acha certo, tanto em gestos como no que se vai oferecer», realça ainda a especialista.
«O essencial é receber de coração aberto, com sinceridade, não mostrando riquezas que não existem, mostrando o que somos e não aquilo que queremos ser», diz, por seu turno, Elisabete Canha de Andrade, autora de «Gestos, Cortesia, Etiqueta e Protocolo», um livro da Texto Editores. Isto não significa que basta abrir as portas de casa e deixar os amigos entrar para se ser bom anfitrião. «O que quer que façamos tem de ser muito bem apresentado», diz Isabel de Brito e Cunha.
A importância de ter, pelo menos, um criado
Mas o que é isso de ter de ser muito bem apresentado afinal? «Antigamente havia sempre empregados a servir. Quando são mais de seis convidados, só um empregado é muito pouco. Poderá ter um empregado, mas também optar por um buffet com travessas, sendo que a sopa pode ser servida a partir da terrina que vem da cozinha, pelas mãos da dona da casa aos convidados (sozinha ou com um empregado a ajudar) ou esta pode pedir que estes se comecem a servir», refere Isabel de Brito e Cunha.
«Os vinhos são servidos pelo dono da casa», começa por alertar. «O vinho decantado pode ser posto na mesa, mas as garrafas de vinho não», adverte ainda. «Depois das senhoras se servirem, é a vez da dona da casa e, a seguir, os homens», explica. «Se houver um empregado, a única coisa que faz é tirar os pratos sujos e pôr os limpos», acrescenta também a especialista em protocolo e etiqueta.
Quem convidar… e como!
Evitar pessoas que não se deem bem e procurar interesses comuns entre os convidados são simples questões de bom senso. Como também as bases de um bom convívio. Isabel de Brito e Cunha recomenda que, a par com velhos conhecidos, se acrescente alguém novo para quebrar a monotonia. Já Elisabete Canha de Andrade destaca o perfil dos convivas. «Aconselha-se a nunca convidar apenas pessoas que falem demais, pois ninguém teria a paciência de ouvir», refere.
«E nunca amigos todos muito calados, o que tornariam o encontro demasiado tranquilo», realça também. Já durante o jantar há que ter presente que futebol, religião e política são temas tabu. «É certo e sabido que qualquer um deles acaba por descambar!», garante Elisabete Canha de Andrade. Com o crescente número de divórcios, o mais provável é existir no grupo de amigos um casal divorciado.
No dia a dia, a gestão do convívio é fácil de fazer, almoçando com um, indo ao cinema com o outro e por aí fora, mas num jantar isso nem sempre é fácil. «O normal é convidar os dois, avisando que o outro também está convidado e pondo-os à vontade caso queiram recusar», diz Isabel de Brito e Cunha. Se não tiver a certeza de que o par desavindo se relaciona bem socialmente, mais vale não convidar nenhum, defende Elisabete Canha de Andrade.
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Os cuidados a ter com a escolha da ementa
Outra questão prévia prende-se com as preferências alimentares. Sendo óbvio que não se fará um prato diferente para cada convidado, se houver um conhecimento prévio de interditos alimentares (religiosos ou de saúde), a saída mais airosa será apresentar um prato principal que, à partida, todos poderão comer. A regra de ouro é nunca dizer o motivo da escolha do prato mas apostar em especialidades que possam agradar a gregos e troianos.
No caso de haver convidados que não bebem álcool, é de bom tom avisar que determinada sobremesa contém uma bebida alcoólica. Isto, mais uma vez, sem colocar o convidado na berlinda. A forma como são feitos os convites varia consoante o grau de formalidade do jantar. Entre amigos, é aceite que o convite surja por telefone, até três ou quatro dias antes. Para um jantar formal, três semanas de antecedência serão o prazo indicado para o convite, que deve ser impresso se houver um elevado grau de formalidade.
Jantar sentado ou buffet?
O tamanho da casa e as possibilidades de quem recebe ditam o número de convidados e o tipo de refeição. «A opção do jantar vai depender dos anfitriões. Quem são, faixa etária, enquadramento na sociedade atual… Muitos jovens não recebem formalmente em casa porque não podem», defende Elisabete Canha de Andrade. «Não se pode exigir que haja uma mesa com uma toalha de bordado da Madeira, mas pode receber-se com uma refeição de estilo asiático e almofadas no chão», garante.
É aceitável para mostrar a casa nova, por exemplo. Com anfitriões jovens, que para Elisabete Canha de Andrade, poderão ir até aos 40/45 anos, é aceitável que os convidados perguntem se podem levar comida ou bebida. Mas «nunca por nunca» o anfitrião deve dizer «traz isto ou aquilo», refere. No caso, por exemplo, de uma senhora, já com mais de 50 anos, a viver sozinha, as regras são diferentes.
«Sendo que o Tratado de Ética das Relações Públicas foi criado pelos romanos, é de ter em conta o facto que, para haver uma reunião agradável à volta de uma mesa, o número deve ser superior ao das Graças (três) e inferior ao das Musas (nove)», diz Elisabete Canha de Andrade. Assim, um jantar de oito pessoas, um número muitas vezes aceite como sendo o mais adequado oferece várias garantias.
O número mágico à mesa
Oito é, assim, o número mágico à mesa. «Admite duas garrafas de vinho (um branco e um tinto), um único empregado, um jogo de loiça único e de boa qualidade, toalha requintada e respetivos guardanapos e copos de excelente qualidade, porque uma senhora a viver sozinha, foi adquirindo peças a seu gosto e de bom gosto», refere a especialista. Independentemente da idade ou tipo de refeição, há que ter bom senso no número de pessoas convidadas.
«O tamanho da nossa casa vai ditar em que espaço é que vai ser dado o jantar e para quantas pessoas», acrescenta ainda. «Não seria ético convidar um determinado número de pessoas, sendo que depois não teríamos sítio para as sentar ou andar tudo aos encontrões nos corredores», adverte. «A quantidade, regra geral, é muito inimiga da qualidade», diz ainda Elisabete Canha de Andrade.
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A ementa e a decoração
Na altura de escolher a ementa, experimentar um prato novo ou apostar em iguarias demoradas, são o caminho mais rápido para o desastre. Optar por algo familiar, que aguente eventuais demoras (os pratos de forno são dos mais seguros) e que não implique despesas excessivas, é a opção mais sábia. No limite, é aceitável que a comida seja encomendada. Uma boa combinação entre pratos é essencial.
«Estes devem seguir-se com naturalidade e nunca se chocar, com cuidado para que não se repitam. Não seria lógico que houvesse dois peixes diferentes em uma mesma refeição ou duas massas, mesmo que uma seja, por exemplo, macarrão e, a outra, torta salgada ou doce», sunlinha Elisabete Canha de Andrade. «E quem oferece camarões preparados com natas não escolherá morangos com chantilly, à sobremesa», alerta ainda.
A apresentação à mesa
Pensar com antecedência na apresentação da mesa é outro passo-chave para um jantar de sucesso. Nem sempre é necessário um serviço completo. Num jantar volante entre jovens, por exemplo, dois serviços brancos que joguem bem entre si podem ser uma solução. E mesmo num jantar sentado há outras soluções. «Hoje, é muito bem visto o uso e a mistura de peças contemporâneas com outras mais vintage», sublinha.
«Basta que saiba coordenar tudo e dizer mesmo que não quis deixar de usar a loiça da avó ou os copos da tia», diz Elisabete Canha de Andrade. A decoração da mesa e a criação de arranjos permitem dar largas à criatividade. Dos tradicionais centros de mesa com flores, nunca muito altos ou com flores demasiado fragrantes, a velas decorativas. A lista inclui ainda combinações de materiais naturais, como conchas, galhos ou seixos.
Lembre-se, contudo, que os individuais são mais indicados para um almoço, sendo a toalha inteira a opção mais certa e indicada para o jantar. Quanto aos guardanapos, quanto mais simples, melhor. Se quiser ser original, pode esconder no lugar das senhoras um miniguardanapo de papel vermelho dentro das dobras do guardanapo de pano, para que possam tirar o excesso de batom durante a refeição.
O grande dia
A lista das coisas a fazer e materiais a utilizar é a melhor amiga dos anfitriões em dias como este. O rol deve incluir tudo! Dos alimentos às bebidas, passando pelos serviços, material de decoração e cadeiras necessárias à música, nada deve ficar de fora. Afinal, é o cuidado com o detalhe que vai marcar pontos na hora de receber os convidados. Tenha tudo pronto com tempo, de modo a poder apreciar o convívio.
Por seu turno, os convidados não devem chegar antes da hora e, menos ainda, atrasar-se. Como recorda Isabel de Brito e Cunha, a partir de 15 minutos de atraso, é obrigatório que o convidado telefone a avisar. Caso seja a primeira vez que é convidado, leve uma lembrança a quem o convidou, preferencialmente uma flor, chocolates ou um bom vinho. Quem convida deve ter preparados os aperitivos que serve aos convidados, numa sala separada, ao mesmo tempo que fomenta a conversa entre todos.
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Outras regras de etiqueta a ter em conta
De acordo com as boas regras de etiqueta, deverá ser a dona da casa a primeira a entrar na sala onde será servido o jantar, seguida dos convidados sendo o dono da casa o último a entrar. É a este que cabe indicar a cada convidado o seu lugar à mesa. Durante a refeição, e como salienta Isabel de Brito e Cunha, os anfitriões devem ter o cuidado de acompanhar o ritmo dos convidados, não devendo acabar de comer antes deles.
Também cabe a quem recebe repetir o prato servido. Desta forma os convidados ficarão mais à vontade para fazer o mesmo. No final da refeição, é o dono da casa o primeiro a levantar-se, seguido da anfitriã e dos convidados. «Quando se levantam da mesa, e com a maior naturalidade, os convidados devem agradecer o jantar, repetindo o agradecimento quando se vão embora», lembra Isabel de Brito e Cunha.
O café pode ser servido noutra zona da sala, onde também são oferecidos os digestivos. Mas a mesa não deve ser levantada enquanto os convidados estiverem presentes. Deixe, por isso, essa tarefa para o fim da receção. Aproveite os momentos depois da refeição para confraternizar tranquilamente com os seus convivas, preferencialmente trocando histórias e partilhando vivências de forma harmoniosa.
Fim de festa
A hora de saída da festa vai depender do grau de intimidade com os donos da casa. Se algum convidado tiver de sair mais cedo, deve evitar despedir-se do resto do grupo para não quebrar o ambiente. Oferecer uma flor à saída a cada convidado, retirada de um dos arranjos da entrada e com o cuidado de proteger o caule com algodão embebido em água e com uma pequena folha de alumínio, é um gesto de simpatia.
Uma ação simpática que poderá ter no fim da noite, como lembra Elisabete Canha de Andrade. Já os convidados darão mostras de grande cortesia se, passado um ou dois dias, telefonarem aos anfitriões a agradecer o convite. Os adeptos das novas tecnologias podem também agradecer por SMS, e-mail ou até através de uma mensagem privada nas redes sociais. Os anfitriões mais modernos não se importam com isso.
Mudam-se os tempos…
Comer de boca aberta ou ruidosamente, picar comida do prato alheio e falar alto continuam a ser pecados de lesa-majestade à mesa de um jantar. Pouco aceitável é também limitar a conversa a um dos convidados (por muito atraente e simpático que seja) ou colocar mais sal e pimenta na comida sem pedir licença. Mas, nas últimas décadas, várias regras mudaram, permitindo maior descontração e convivialidade.
«Não há nada pior do que comida fria», adverte. Quem o diz é Isabel de Brito e Cunha, para quem a regra de esperar que todos se sirvam e que a anfitriã comece a comer não faz sentido. É comummente aceite que os convidados comecem a comer logo que possível e cabe à dona da casa dar a indicação para tal. «Quando vir que a terceira convidada está a ser servida, deve pedir para que comecem a comer, sem esperar por ela», diz.
Já Elisabete Canha de Andrade defende que, ao contrário do que era hábito há duas ou três décadas, se sobrar comida, a anfitriã pode partilhá-la com os convidados. «Convidar é abrir as portas da casa», sublinha. «Dizer aos convidados para partilhar é bonito e mostra realmente a partilha», prossegue. «Antigamente isto não cabia na cabeça de ninguém», constata, contudo.
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Molhar o pão é fino ou não?
O ato de molhar o pão no molho, no passado, poderia deixar anfitriões e convidados à beira de um ataque cardíaco. Hoje, para personalidades tão distintas como Mark Hartstone, chef premiado e dono do restaurante La Fosse Cranborne, em Dorset, molhar o pão, um hábito muito português, não só mostra boas maneiras à mesa, como «é um cumprimento ao chef». Uma ideia que tem vindo a ser generalizada.
Comer com as mãos também é aceite em determinadas situações, como uma refeição indiana por exemplo, mas com regras. Deve ser usada a mão direita, a comida deve ser retirada da travessa comum com talheres e há que ter cuidado para que o molho não escorra pelos braços. Roer os ossos passou a ser aceitável. Ao The Telegraph, Nigella Lawson também defendeu isso. «Coma com vontade, apanhe o molho com o pão, roa os ossos. Quem cozinhou vai adorá-lo», assegura a cozinheira.
7 regras de ouro para sobreviver a um almoço com etiqueta
Manual de sobrevivência para incautos:
1. Nunca chegue atrasado.
2. Espere que alguém lhe diga qual o lugar que deve ocupar à mesa.
3. Use os talheres de fora para dentro.
4. Nunca beba com o garfo na mão.
5. Quando terminar um prato, se for comer de novo, os talheres devem ser pousados dentro do prato.
6. Não faça conversa apenas com quem está à direita e à esquerda, mas também para o geral.
7. No final da refeição, os guardanapos não são dobrados. Devem ser postos em cima da mesa.
Texto: Susana Torrão com Luis Batista Gonçalves (edição online)
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