Milaneza
A primeira coisa que fiz foi procurar na Internet literatura sobre o tema. Que plantas e sementes são mais adequadas para determinado mês, etc. Como estávamos já em pleno Outono, até me atrevi a comprar um Borda d’Água, aquele livrinho centenário que ainda se encontra à venda por aí.
Claro, como em grande parte dos meus planos, precipitei-me. Quem me manda a mim fazer planos de jardinagem no Outono? Se queria vasos floridos na varanda, ia ter de esperar pela Primavera. Diziam-me as minhas leituras que por esta altura o melhor era plantar bolbos. E, portanto, foi em busca de bolbos que parti.
O meu marido ria-se com mais este meu devaneio – temendo, por outro lado, que eu o obrigasse a carregar sacos de terra para um quarto andar sem elevador. E manteve a compostura quando cheguei a casa, depois de incursões por lojas de sementes, com um saco cheio de bolbos de tulipas, jacintos, narcisos e lírios.
“-Mas onde é que vais plantar isso tudo?”, espantou-se. Eu já tinha o meu plano delineado, com vasos estrategicamente dispostos na varanda, que finalmente iria ter utilidade para além de sítio para secar a roupa. E o fim-de-semana seguinte foi passado entre vasos, terra e adubos – sim, obriguei-o mesmo a carregar sacos de terra até um quarto andar sem elevador. Mas no fim da empreitada – oh, o desalento. Iria ter de esperar meses até ver o colorido resultado do meu trabalho.
Felizmente, o meu marido já me conhece bem, e pressente sempre quando um devaneio meu me deixa à beira de vacilar. Nessa noite, não me deixou entrar na cozinha. Disse-me para ficar na sala de jantar à espera, onde ele já tinha posto a mesa com mais requinte do que era habitual. E eis que, chegada a hora de servir o jantar, ele anuncia com pompa e circunstância:
“-Menina, venha colher os seus lírios!”
Na travessa, massas que pareciam flores, como um bouquet comestível de uma fragrância deliciosa. “-São lírios de comer, enquanto não chegam os teus.”
Quem disse que é preciso oferecer flores para manter o romance? Às vezes basta um prato de massa.
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