Este artigo baseia-se num artigo do primeiro capítulo do livro “Luz sobre o Yoga” do nosso mestre BKS Iyengar. Para o buscador, a investigação tem de ir lado-a-lado com o estudo e a prática e o reconhecimento de Isvara, assim o indica o sūtra II.1:

तपाः स्वाध्याय ईस्वरप्रणिधानानि क्रियायोगाः

tapāḥ svādhyāya īsvarapraṇidhānāni kriyāyogāḥ

Este conceito de kriyāyoga implica as três vias ou mārgas clássicas: Karma Mārga, Jñāna Mārga, Bhakti Mārga.

Devemos ler e estudar os textos clássicos, não é uma opção ou algo complementar, é um dever. O amor ao conhecimento e à verdade caminham junto com a cultura yógica, o Dharma e a vida disciplinada.

BKS Iyengar usa treze versos da Bhagavad Gītā, um dos Yoga Sūtras e um da Katha Upaniṣad. Com estas referências, nós podemos ter uma ideia da importância que tem a Bhagavad Gītā na filosofia e prática do yoga.

Definição Etimológica
A raíz da palavra yoga, Yuj. faz referência a reunir, juntar, unir, dirigir e concentrar a própria atenção para a sua aplicação e uso. Também é muito normal escutar e ler que yoga é a união e comunhão da vontade individual e a de Deus. Fácil de dizer mas não tão fácil de entender.

Às vezes, é muito normal assumir este tipo de explicações ou definições sem refletir o que significam e, na verdade, repetir mecanicamente sem muita reflexão.

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O que é isso da união da vontade do indivíduo com a vontade de Deus?

A ideia de união é facilmente compreensível, inclusive para nós. Tudo o que seja união e integração é algo que inerentemente satisfaz. Todos o experimentamos e conhecemos. Quando há união há maior satisfação, transcendem-se as limitações da individualidade.

Contudo, quando existe desintegração e separação apenas pode haver dor e sofrimento. Creio que isso acontece a todos os níveis, tanto físico, emocional, social, político, etc.

No plano físico se há união, há integração de todos os sistemas que o compõem, existe harmonia entre eles. É fácil de o comprovar numa sessão de a̅sana, como se produz essa união das diferentes áreas e zonas e como se integram e torna-las mais conscientes. Essa integração física produz diretamente uma integração emocional e um equilíbrio mental. É automático. Qualquer praticante e estreante de a̅sana sabe-o. Não é necessário acreditar ou imaginar. É algo muito tangível. Nem acontece apenas no yoga.

A um nível mais profundo, uma das raízes do sofrimento provêm do sentimento de separação com os demais e com o todo, com o mundo fenoménico manifestado e imanifesto e com o que sustenta esse mundo.

Se existe a noção de indivíduo, o indivíduo sempre irá ver-se limitado, pequeno, impotente e oprimido pelo poder do mundo.
O reconhecimento e apreciação, a visão da união, da não separação com os demais e com Deus é yoga. Esse reconhecimento de não separação é yoga.

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Os seis Darśanas
Yoga é um dos seis sistemas ortodoxos “filosóficos” ou darśanas na cultura védica. Sāṅkhya, Yoga, Nyāya, Vaiśeṣika, Mīmāṃsā e Vedānta. O darśana do yoga foi compilado e sistematizado por Pātañjali na sua obra prima, os Yoga Sūtras.

Nas palavras de BKS Iyengar, “Segundo o pensamento indiano, tudo está penetrado pelo Espírito universal Supremo (Paramātmā ou Deus), do qual o espírito humano individual (jivātmā) é parte. O sistema de yoga é chamado assim devido a ensinar os meios através dos quais jivātmā pode unir-se o estar em comunhão com Paramātmā, assegurando-se assim a libertação ( mokṣa).”

Definições que abarcam a mestria e absorção da mente:

a) Definições na Bhagavad Gītā.
Como dissemos BKS Iyengar usa 13 versos da Bhagavad Gītā. Incluo mais alguns para poder dar o contexto adequado e umas definições mais extensas. Vamos vê-los.

Os versos que fazem referência ao controle e absorção mental vêm reconhecidos na sua maioria no capítulo seis, intitulado dhyāna yoga

Verso 10
“Que o yogi, dono de si mesmo, livre de ambições e da ânsia de possuir, permanecendo num sítio afastado, em solitude, se esforce constantemente por unir constantemente a sua mente no objeto de meditação”

Verso 12
“Sentando-se, focando a sua mente (absorta no objeto de meditação) que aquele que tenha dominado a sua mente e os seus sentidos pratique yoga para a purificação da mente.”

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Verso 14
“Sereno e livre de temor, comprometido com uma vida de estudo, com a mente serena, que esse yogi se sente dirigindo a sua mente a MIM, tendo-Me como o último fim.”

Como vemos, para começar, Kṛṣṇa dirige-se à pessoa, ao yogi que já está preparado, que já sofreu um processo de transformação e maturação. Dirige-se expressamente à pessoa que se diz dona de si mesma, livre de ambições e de ânsias de possuir, àquele de tem a mente serena e livre de temor, que está comprometido com uma vida de estudo.

Temos que recordar que estamos no capítulo seis e até agora tem-se falado sobre tudo de karma yoga, o que equivale a dizer, dos meios pelos quais o indivíduo se prepara e se transforma para receber e poder realizar esta contemplação que necessita uma mente madura, uma mente preparada e preparada para receber o conhecimento. Uma pessoa inquieta e com pressões internas muito fortes não vai poder realizar esta contemplação ou meditação que Kṛṣṇa está a falar neste capítulo.

Por outro lado, o mecanismo fundamental ao qual faz referência aqui, e para isso, utiliza várias palavras, é a união, a direcção, a absorção da mente na contemplação de um objeto de meditação, que neste caso, o objeto é a realidade essencial de si mesmo, com suporte ou sem suporte.

Verso 15
“Conectando a mente desse modo, o yogi cuja mente está dominada, ganha a paz que está centrada em Mim (em forma de absorção sobre Mim), e que é a liberação final.”

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Verso 18
“Quando a mente tiver ganho uma certa compostura e serenidade e permanece centrada no Si-mesmo, quando se está livre de anseios por todos os objetos de desejo, então diz-se que essa pessoa está em harmonia.”
Kṛṣṇa continua a dar ênfase na mestria da mente, quando se é capaz de morar e de estar centrado na visão e entendimento que supõe a compreensão de Si-Mesmo

Verso 19
“A chama não oscila onde não sopra o vento, de igual forma ocorre com o yogui, assim é a mente controlada o yogi que está absorta na contemplação do Si-mesmo.“

Verso 20
Incluo aqui várias traduções deste verso de diferentes autores para clarifica-lo mais.

Tradução de R.d.: “O pensamento em repouso, dominado pela prática da concentração, contempla o Si-Mesmo pelo si-mesmo, e encontra o seu gozo em Si-mesmo.”

Tradução de Swami Dayananda: “Quando a mente, dominada pela prática da meditação, reside em a̅tman e quando, se vê a si mesmo por si mesmo, goza-se em si mesmo.”

Shankaracarya (tradução Consuelo Martín): “No momento em que a mente, detida pela prática de yoga mantém-se serena, quando o ser contempla o Ser, sente-se satisfeita no Ser apenas.”

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Verso 21
Tradução de R.d.: “Esse no qual, se encontra essa suprema delícia percebida pela inteligência mais além do alcance dos sentidos; onde, uma vez estabelecidos, não nos afastamos mais da verdade.“

Tradução de Swami Dayananda: “E quando se reconhece essa felicidade absoluta que é conhecida pelo intelecto, fora dos limites dos sentidos, onde uma vez estabelecido não se afasta da verdade de si mesmo.”

O efeito desta absorção e compreensão resulta na impossibilidade de retroceder e de afastar-se da verdade.

Verso 22
Tradução de R.d.: “Isso que, uma vez alcançado, nos assegura que não existe ganho superior por alcançar, onde uma vez estabelecidos, não nos vemos quebrados pela mais cruel das dores. Encontrou o tesouro dos tesouros. Nada existe mais elevado, e quem o alcança não será vítima de aflição alguma.”

Tradução de Swami Dayananda: “E tendo ganho isso, que pensa não haver ganho superior, estabelecido nisso no qual não é afectado nem por uma grande dor.“

Verso 23
Tradução de R.d. “A esse desapego da associação consciente com a dor chama-se yoga. Esse yoga deve ser praticado com resolução, com coração inquebrantável. Tal é o sentido real do yoga, liberação do contato com a dolor e a aflição ou desassociação da associação com a dor.”

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Tradução de Swami Dayananda: “Que se saiba que a desassociação da associação com o sofrimento chama-se yoga. Esse yoga deve ser perseguido com clareza de propósito e com uma mente que não se desanime.“

Aqui neste verso dá-se outra das definições clásicas de yoga: a desassociação da associação com o sofrimento.

Para finalizar, nos versos 35 e 56 deste capítulo seis, Arjuna coloca a Kṛṣṇa a seguinte dúvida:

Verso 35
“Como pode ser a mente permanente, sendo tão inquieta e inconsistente? A mente é impetuosa e obstinada, vigorosa e decidida, tão difícil de conter como o vento.”

Verso 36
“Śrī Kṛṣṇa responde: Sem dúvida que a mente é inquieta e reage ao controle. No entanto, pode ser domada por uma práctica constante (Abhyasāh) e pela não-sujeição aos desejos (Vairāgya). Ao homem que não consiga controlar a sua mente ser-lhe-á difícil conseguir a comunhão divina, mas ao homem dono de si pode alcança-la se o tentar com empenho e dirige a sua energia utilizando os meios adequados.“

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Kṛṣṇa expõe na sua resposta os dois mesmos pilares que Pātañjali expõe nos seus Yoga Sūtras: a práctica constante e o desapego.

b) Definições nos Yoga Sūtras e na Katha Upaniṣad
Esta definição clássica escrevi-a noutro artigo.

Pātañjali define o yoga e a repercussão que irá ter a sua aplicação. No sūtra I.1 o yoga é definido como restrição e cessação das funções ou flutuações da consciência. Se se dá esta restrição das flutuações, o resultado é que “aquele que vê” mora no seu próprio e autêntico esplendor (I.2) e se não se dá esta condição de restrição, “aquele que vê” identifica-se com a consciência flutuante (I.3).

BKS Iyengar afirma: “Portanto o yoga é o método mediante o qual se acalma a agitação da mente e a energia é conduzida por canais constructivos. Da mesma forma que o rio caudaloso quando é adequadamente contido mediante barragens e canais cria uma vasta reserva de água, prevenindo a fome e proporcionando energia abundante às indústrias; assim também é a mente, quando está controlada, proporciona uma reserva de paz e gera energia abundante para a elevação do homem”.

Tal como indica o nosso mestre B.K.S. Iyengar nos seus comentários aos Yoga Sūtras: “A tendência da consciência é a de envolver-se com o objecto visto, arrastar aquele que vê até ele e fazer com que este se identifique com o objecto. Este processo converte-se numa semente de diversificação da inteligência, e faz com que aquele que vê se esqueça da sua própria e radiante percepção consciente. Quando se imobiliza e regula (a consciência) experimenta-se um estado de ser reflexivo. Neste estado o conhecimento surge com tanta claridade que se vê e se sente a autêntica grandeza daquele que vê. Toda a técnica de yoga, a sua práctica e o seu controle, têm como objecto dissociar a consciência da sua identificação com o mundo fenoménico, restringir os sentidos que a emaranham, e limpar e purificar a lente de citta (consciência), até que transmitam total e somente a luz da alma”

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Por último, dentro desta categoria temos a definição na Katha Upaniṣad

“Quando os sentidos se aquietam, quando a mente está em repouso, quando o intelecto não oscila, então alcança-se o estado superior. Este firme controle dos sentidos e da mente foi definido como yoga. Quem o consegue está livre de ilusões.”

Definições que supõe atitudes psicológicas.
Dentro da mesma Bhagavad Gītā, no capítulo dois, encontramos duas definições clássicas de yoga.

Verso 2.38
“Considerando o prazer e a dor, o ganho e a perca, a vitória e a derrota como iguais, prepara-te para a batalha. Então, não incorrerás em falta.“

Neste verso, Kṛṣṇa planta a semente de outra das definições clássicas de yoga que vamos ver no verso 2.48.

Neste verso 2.38 já está indicando a direcção dessa definição, Kṛṣṇa está a fazer saber a Arjuna que há que prevalecer no sentido do correcto e que não se deixe guiar pela conveniência e preferências.

Esta atitude de realizar as ações irá converter-se em yoga e é precisamente esta atitude que cria uma certa compostura na mente do yogi, do karma-yogi. Diz-se karma-yogi porque em todas estas definições de atitudes utiliza-se a acção e os resultados da ação como uma via de preparação e disciplina que purificam e preparam o buscador.

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Verso 2.47
“A tua escolha está na ação somente, não nos resultados. Não consideres que és a causa dos frutos da tua ação nem caias na inação.“

A escolha é sobre se fazes, não fazes ou fazes diferente mas não há escolha sobre os resultados. Esto é um facto. Não um conselho. É portanto, um ensinamento. Veremos isto em mais detalhe noutros artigos.

Verso 2.48
“Estabelece-te neste yoga e dedica-te a realizar o teu dever, realiza as ações abandonando o apego e permanecendo em equilíbrio perante o êxito e o fracaso. Esta equanimidade da mente é chamada yoga.“

A equanimidade e equilíbrio da mente perante os resultados das ações é a definição que procurávamos.

A equanimidade não está na ação ou no desejo, mas na atitude como acatas os resultados, já que, os resultados das ações não são controlados por nós mas por diversas leis (físicas, biológicas, psicológicas …).

E, já para finalizar estas definições em relação a atitude, a última encontramos no verso 2.50.

Verso 2.50
“Aquele que está dotado desta equanimidade da mente, abandona o bem e o mal aqui neste mundo. Portanto, compromete-te a este karma-yoga. Karma yoga é discrição na acção.”

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A palavra Kauśalam neste verso significa discrição na escolha. Não é uma escolha sobre o que fazer sem normas. A escolha deve estar em harmonia com certas normas.

Kauśalam é a capacidade de interpretar corretamente, com referência a normas para a interacção humana. Essa habilidade e perícia para interpretar é Kauśalam. Dharma é a norma para a interacção humana.

Porquê estas duas definições se consideram como yoga?

Porque em última instância, nas duas, deixas de estar nas mãos das preferências, das conveniências e desejos que surgem dos rāga dveṣa (gostos e aversões) em lugar da ação adequada e apropiada que corresponde ao que se deve fazer em cada momento em função dos papéis e funções que se executam.