“Talvez não saiba, mas há dentro de sim um grande influenciador. O problema? Somos ensinados a reprimir esse potencial de influência para seguirmos as regras, esperar pela nossa vez, não levantar ondas”. Partindo deste potencial de influenciar que existe em todos nós, a norte-americana Zoe Chance, investigadora no tema da influência interpessoal, propõe-nos que repensemos a forma como nos relacionamos com o próximo.

“A influência não funciona bem como nós pensamos porque, na verdade, nós não pensamos sobre a melhor maneira de pensar”. Parece-lhe confuso? A partir do livro O Superpoder da Influência (Editorial Presença) a autora dá-nos um exemplo: “querer mais e pedir mais não faz com que os outros deixem de gostar de nós. Isso é uma mentira. As nossas estratégias de negociação a tudo na vida estão erradas. Apesar de ninguém deixar de gostar de nós por nos diminuirmos a nós mesmos, também não irão gostar mais de nós por isso", sublinha Zoe.

Entre os traços do nosso “eu” que Zoe Chance aborda no seu livro está o carisma. No excerto que aqui publicamos (“As curiosas características do carisma”), a norte-americana revela-nos como o carisma não é aquilo que, muitas vezes, consideramos e dá-nos pistas para cultivarmos esta competência da influência através de uma nova forma de interagirmos com os outros:

Quando pergunto às pessoas qual a competência da influência que gostariam de desenvolver, a resposta mais comum é, de longe, “carisma”. Quando lhes peço para o definirem, respondem-me: “Significa que as pessoas lhe prestam atenção” ou “Significa que tem muita presença”. Porém, porque prestamos nós atenção às pessoas carismáticas? O que estão elas a fazer? Uma definição de dicionário de carisma é “atração irresistível ou encanto que pode inspirar devoção nos outros”, porém, como ferramenta para a influência, essa linguagem é terrivelmente vaga. Sim, o carisma faz com que as pessoas nos prestem atenção, mas não se trata de qualquer tipo de atenção. Não diríamos que um fulano a correr pelo escritório em roupa interior é carismático. As pessoas que tentam fazer de si mesmas o centro da atenção tornam-se aborrecidas.

O primeiro paradoxo do carisma é que tentar tornarmo-nos carismáticos tem o resultado oposto.

A maior parte de nós, a maior parte do tempo, não está a tentar conscientemente ser o centro da atenção. Mas podemos cair nessa armadilha inconscientemente, ao focarmo-nos em nós mesmos de formas que são anticarismáticas. Façam-me a vontade por um momento e tentem fazer o exercício seguinte.

Em cada uma das linhas que se seguem, adivinhem qual dos grupos usa a palavra “eu” com maior frequência.

Líderes… ou seguidores?

Idosos… ou jovens?

Ricos… ou pobres?

Pessoas felizes… ou pessoas deprimidas?

Pessoas zangadas… ou pessoas medrosas?

Melhores alunos… ou piores alunos?

Homens… ou mulheres?

Segundo análises de conversas formais e informais, discursos, e-mails e outros documentos escritos, as pessoas dos grupos listados do lado direito tendem a usar a palavra «eu» e outros pronomes da primeira pessoa com maior frequência por uma grande margem. O pioneiro desta investigação é James Pennebaker, um psicólogo social que descreve o seu trabalho num livro delicioso intitulado The Secret Life of Pronouns. Ele concluiu que as pessoas que sentem que têm menos poder ou um estatuto mais baixo tendem a usar mais linguagem autorreferencial. Por vezes, essa distância tem base na realidade — os seguidores devem aceitar ordens dos líderes, e os pobres são menos poderosos do que os ricos. Mas os padrões inconscientes de linguagem derivam mais precisamente de sentimentos de poder da pessoa — ou da falta destes.

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Uma análise dos discursos de aceitação dos Óscares revelou que os atores usavam pronomes da primeira pessoa com maior frequência do que os realizadores. Os atores premiados com um Óscar não têm propriamente um estatuto baixo, mas os realizadores estão acima deles. Esta relação entre o uso de pronomes e o estatuto não é exclusiva do inglês. Pennebaker encontrou o mesmo padrão em cartas escritas em árabe por oficiais iraquianos de baixa patente aos colegas superiores. Quando alguém não tem poder, estatuto ou capacidade de exercer poder, tende a focar-se na sua própria experiência: “Eu”, “me”, “meu”, “minha”.

Podemos pensar que, quando a atenção de alguém está focada em si mesmo, ele fala de forma narcisista ou autoglorificadora. Mas é frequente acontecer o oposto. O foco consistente em si próprio costuma ter origem em sentimentos de insegurança. Quando nos sentimos vulneráveis, não conseguimos evitar voltar a nossa atenção para dentro. É mais provável que não tenhamos cons­ciência de que a nossa utilização frequente de pronomes da primeira pessoa é reveladora do nosso estado mental.

Recordemos um momento em que estivéssemos fisicamente vulneráveis — com dor, doentes, com muita fome ou com frio. A nossa atenção consciente (o Juiz) estava focada na nossa experiência, pois estávamos presos numa situação da qual queríamos desesperadamente fugir. A nossa mente estava a dizer: Ajuda-me. Sinto-me mal. Ou: Dói-me o braço. Quando a nossa situação difícil ocupa todo o nosso espaço mental, não deveria surpreender que se reflita no nosso uso inconsciente (Aligátor) de pronomes. Este autofoco também se aplica à dor emocional, inclusive ansiedade e depressão.

Sabe o que faz de si uma pessoa carismática? A norte-americana Zoe Chance estudou o tema e dá-nos as respostas
créditos: Chris Yang/Unsplash

Quando Pennebaker e os seus colegas analisaram a escolha de pronomes em ensaios redigidos por alunos universitários depri­midos, observaram que estes usavam muito “eu”. A sua linguagem autorreferencial não tinha origem num traço de personalidade firme; refletia simplesmente o estado mental deles, que, claro, está sujeito a mudança. Neste mesmo estudo, Pennebaker observou que pessoas que haviam estado deprimidas mas já não o estavam usavam “eu” com menos frequência. A conclusão a retirar daqui é que, quando nos sentimos vulneráveis, física ou emocionalmente, é difícil tirarmo-nos da nossa própria cabeça. Isto dificulta estarmos completamente presentes para outra pessoa. Ou sermos ­carismáticos.

Podemos pensar que, quando a atenção de alguém está focada em si mesmo, ele fala de forma narcisista ou autoglorificadora. Mas é frequente acontecer o oposto

Os pronomes da primeira pessoa não são as únicas palavras que usamos que agem como bumerangues de atenção, devolvendo o foco para nós próprios. A linguagem redutora — tentativas verbais de nos ligarmos através da submissão — também faz isto. São o equivalente a um cão rebolar e mostrar a barriga ou o pescoço. Tendemos a usá-la em situações em que exista um desequilíbrio de poder ou de estatuto — quando sentimos que a nossa segurança ou o nosso bem-estar podem depender de gostarem de nós. As pessoas de estatuto mais elevado não precisam de se preocupar com aquilo que os outros pensam delas, embora algumas das que se preocupam se diminuam a si mesmas, de forma a evitarem ser tomadas por arrogantes ou controladoras.

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Como é que se mostra a linguagem redutora numa conversa? “Estava só a pensar”, “Pensei que talvez”, “Posso fazer uma pergunta estúpida?” e “Desculpa, mas…” (muita linguagem na primeira pessoa, também). Estas expressões redutoras transmitem cuidado e imprecisão, como em “do género”, “do tipo”, “parece”, “geralmente”, “mais ou menos” e “é possível que”. Por vezes, ouvimos a linguagem redutora naquela entoação submissiva e amigável, em que se levanta o tom no final das declarações transformando-as em perguntas. Sabem a que me refiro?

“Peço desculpa” é tão excessivamente usado como redutor que a comediante Amy Schumer criou todo um sketch para o satirizar. Um painel exclusivamente feminino de especialistas mundiais é incapaz de descrever o seu trabalho pois os seus membros estão constantemente a desculpar-se por tudo. Peço desculpa pelo feedback do microfone, por ser interrompida, por limpar a garganta, por corrigir a sua pronúncia errada do meu nome, por ser tão diva que sou alérgica ao refrigerante e pedi água para o substituir. Os pedidos de desculpa culminam quando um dos membros do painel se desculpa por ter a perna queimada quando alguém acidentalmente derrama café a ferver. O sketch dos pedidos de desculpa é ao mesmo tempo hilariante e doloroso de ver, pois muitos de nós podemos rever-nos nele.

Apesar de ninguém deixar de gostar de nós por nos diminuirmos a nós mesmos, também não irão gostar mais de nós por isso.

Apesar de ninguém deixar de gostar de nós por nos diminuirmos a nós mesmos, também não irão gostar mais de nós por isso. Como bumerangues, as expressões redutoras continuam a atrair a atenção de volta para nós. São difíceis de escutar, fáceis de interromper e incrivelmente comuns. Até James Pennebaker, o especialista em linguagem e poder, observou que estava a diminuir-se a si mesmo quando redigia e-mails aos seus superiores.

o superpoder da influência
créditos: Editorial Presença

Percebeu isto quando teve de pedir a várias pessoas do seu departamento na Universidade do Texas para mudarem de gabi­netes. Ao dirigir-se a um colega de estatuto mais elevado, ­Pennebaker escreveu: “Tenho estado a tentar evitar isto, mas julgo que preciso de lhe perguntar se estaria disposto a desistir do seu gabinete”. Podemos sentir o tom redutor da frase. E podemos perceber como é difícil escutar pessoas que escrevem e falam desta forma. A comunicação delas requer descodificação adicional. É claramente percetível o facto de Pennebaker estar desconfortável, mas, além disso, o que está ele realmente a dizer? Está a pedir algo ou está a dizer que talvez precise de o fazer num momento futuro?

Podemos dar-nos conta de que tendemos a estar autofocados não só quando estamos a falar e a escrever, mas também quando estamos a escutar. Todos o estamos. A minha mente salta de “Quando é que vivi algo do género?” para “O que direi de seguida?”, e tentar ouvir não ajuda assim tanto. Quando me esforço mais, a minha mente começa a saltar para “Como devia eu demonstrar que estou a escutar”, “Como querem que responda?”, “Como posso mostrar empatia?” ou “Como posso ajudar?”, sempre com o foco em mim.

Inclusive quando somos motivados pela compaixão (queremos mostrar que somos bons ouvintes porque nos preocupamos com os outros), continuamos a estar muito ligados ao “eu”. A comediante Mindy Kaling aborda este fenómeno. Descrevendo como é conhecer alguém numa festa, ela fala compulsivamente tentando manter o foco na outra pessoa. “Não a acho interessante. Não quero que isto continue. Mas a pior coisa do mundo para mim é que ela pense que eu a acho aborrecida ou que de algum modo me quero libertar desta conversa… Então, a tal pessoa sai da festa a dizer ao seu cônjuge que a Mindy Kaling está obcecada com ela. Falou comigo durante duas horas”.

Sabe o que faz de si uma pessoa carismática? A norte-americana Zoe Chance estudou o tema e dá-nos as respostas
créditos: Joshua Golde/Unsplash

Enquanto ouvimos outra pessoa, a nossa mente consciente (o Juiz) pode estar a perguntar “Como é que ela se está a sentir e o que está ela a pensar?”, ao passo que a nossa mente inconsciente (o Aligátor) pode estar a perguntar “Como é que ela se está a sentir e o que está ela a pensar acerca de mim?”. Uma maneira de ultrapassar esta dificuldade é explorar algumas formas mais profundas de escutar, das quais ficaremos a saber mais nos capítulos 6 e 61/2.

Enquanto isso, se quisermos reduzir as expressões redutoras do nosso vocabulário, devemos compreender que a maioria pode simplesmente ser evitada. Basta irmos em frente e dizer o que temos a dizer. Quando James Pennebaker enviou a mesma mensagem de mudança de gabinete a um aluno universitário de estatuto mais baixo, não sentiu necessidade de se diminuir. Escreveu simplesmente: “Está disposto a mudar de gabinete?” Mindy Kaling sabe que também poderia ser frontal e carismática na festa: “Podemos dizer apenas: ‘Bom, tive muito gosto em conhecê-lo. Agora vou falar com outra pessoa’”.

Este ponto central na utilização da linguagem reflete uma alteração mais profunda. Vimos que o autofoco é anticarisma: como pode alguém ligar-se a nós quando estamos tão ocupados a prestar atenção a nós mesmos? A solução é simples, senão mesmo fácil. Trata-se de mudarmos o nosso foco para a outra pessoa.