Ethan Kross, norte-americano, Neurocientista e psicólogo, abre o livro recentemente publicado em Portugal, A voz na sua cabeça (edição Planeta), com citações de dois conterrâneos, uma do ex-presidente norte-americano Barack Obama: “Avalio as minhas ações com base naquela voz interior que, pelo menos para mim é audível, ativa, que me diz quando acho que estou no bom caminho e quando não estou”. A outra frase, de Dan Harris, jornalista norte-americano, relata-nos: “a minha voz interior é uma palerma”. Dois excertos que, não obstante ocuparem dois polos na avaliação das respetivas vozes interiores, partem de um facto comum: as conversas silenciosas que mantemos com nós mesmos.
Todos temos esta voz bailante, presente quando falamos sozinhos. Nela, esperamos encontrar o nosso melhor conselheiro (como nos revela Barack Obama), uma voz interior que nos motiva: “concentra-te; tu és capaz”. Mas, por vezes, somos o nosso maior crítico, sabotamo-nos com pensamentos negativos: “vou falhar, todos vão gozar comigo” (a voz “palerma” de Dan Harris).
Ao partir das mais recentes investigações sobre o funcionamento do cérebro e o comportamento humano, Ethan Kross revela-nos como as conversas silenciosas com nós mesmos moldam e condicionam as nossas vidas e as nossas relações pessoas e profissionais.
Estudioso da ciência da introspeção no Emotion & Self Control Laboratory, na Universidade do Michigan, Ethan Kross alerta-nos: “ao cedermos a pensamentos ruminantes podemos prejudicar a nossa saúde, ferir o nosso estado de ânimo, tornar os nossos relacionamentos sociais tensos e chegar a um estado de esgotamento profundo”.
O autor, Professor na Universidade do Michigan e da Ross School os Business, faz-se mensageiro da boa notícia: “todos temos as ferramentas necessárias para tornar a nossa voz interior na nossa melhor aliada”. O segredo está em programá-la de forma eficaz.
Tema para uma conversa com o homem que não esconde as suas fragilidades na sua mais recente obra editada em Portugal.
Estuda a ciência da introspeção e fundou o Emotion & Self Control Laboratory. Quer explicar-nos o que aí faz?
Muitas vezes, as pessoas voltam a atenção para o seu interior para que possam dar sentido às suas experiências. Por vezes, essas tentativas de introspeção ajudam, ao permitirem que o individuo aprenda com suas experiências e arranje soluções para os problemas de forma a enriquecer a sua vida. Porém, noutros momentos, a introspeção “é um tiro pela culatra”, o que leva a pessoa a preocupar-se e a “ruminar” nos problemas. O trabalho no laboratório que dirijo procura entender as razões para tal acontecer e identificar soluções que permitam às pessoas fazer uma introspeção de forma mais eficaz.
É neurocientista e psicólogo experimental. Na sua área, qual foi a descoberta recente que mais o entusiasmou?
Há um novo trabalho que nos revela que um dos melhores caminhos para aperfeiçoarmos a forma como nos sentimos é ajudar os outros. Adoro esta descoberta, dadas as tremendas implicações que carrega em benefício da sociedade.
A quem dedica o seu novo livro?
Dedico o livro ao meu pai, que foi a primeira pessoa a incutir-me o interesse em compreender a voz interior, e à minha esposa e filhas que continuamente me apoiam e fornecem à minha voz interior amplas experiências para sobre elas laborar.
Na contracapa da edição portuguesa do seu livro lemos: “as conversas mais interessantes da sua vida são as que tem consigo mesmo”. Não é mais interessante conversar com outras pessoas?
Ah, certamente que é interessante conversar com outras pessoas. Mas eu diria que a maneira como usamos a linguagem para refletir sobre as nossas próprias vidas é igualmente importante. A forma como falamos connosco influência como nos movemos no mundo, incluindo como nos comunicamos com os outros. Entender como dominar essas conversas que temos connosco é um dos grandes desafios que enfrentamos e por isso escolhi escrever este livro.
A forma como falamos connosco influência como nos movemos no mundo.
Em que situação a voz interior de que nos fala se torna um intruso?
Quando se vê preso num ciclo de pensamentos negativos. Procura resolver um problema, mas vê-se enredado nele e repete-o, repete-o, sem fazer progressos para resolvê-lo.
Um pensamento ruminante é sempre negativo?
Normalmente usamos o termo ruminação para nos referirmos a ficar presos num ciclo de pensamentos negativos. É claro que pode ensaiar um pensamento ou experiência positiva repetidamente. Normalmente, chamamos a esse processo "saborear".
Podemos transformar um pensamento negativo num pensamento positivo?
Absolutamente. Uma das maravilhosas características da mente humana é a nossa capacidade de transformar a maneira como pensamos. Possuímos a capacidade de reformular positivamente as experiências negativas.
A sociedade barulhenta em que vivemos não nos afasta da voz interior?
Julgo que não. Acho que a voz interior é tão relevante neste tempo em que vivemos como sempre o foi. A sociedade pode ser barulhenta, mas isso só contribui para o barulho dentro da nossa cabeça. Não o silencia, embora eu gostasse que o fizesse.
Imagine como se sentirá em relação a um problema com o qual irá lutar no futuro, daqui a uma semana, um mês ou um ano
Pode dar-nos alguns exemplos das ferramentas que indica para domarmos a voz interior?
Sim. Aconselhe-se usando o seu próprio nome, tal como daria conselhos a um amigo próximo (uma ferramenta chamada “conversa interna à distância”); imagine como se sentirá em relação a um problema com o qual irá lutar no futuro, daqui a uma semana, um mês ou um ano (uma ferramenta chamada “distanciamento temporal”); converse com um de seus “conselheiros tagarelas”, ou seja, pessoas que estão na sua vida e que são hábeis em gerar empatia por si e a ajudá-lo a encontrar soluções para os seus problemas. Faça uma caminhada na natureza e procure experiências inspiradoras. Esses são apenas alguns exemplos de ferramentas científicas que podem ajudar as pessoas a trabalhar as suas conversas interiores.
Quer contar-nos um momento da sua vida em que essas ferramentas foram úteis?
Uso várias destas ferramentas sempre que percebo que começo a vacilar. A minha primeira linha de defesa é recorrer a uma conversa interior, mantendo alguma distância, ou seja, afastamento temporal e uma boa conversa com um de meus consultores de tagarelice, geralmente a minha esposa e um de meus amigos íntimos.
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