É um mundo de loucos: Tulipomania
"Como foi bem observado, os homens pensam em manada; há de se verificar que enlouquecem em manada, ao passo que apenas recuperam os seus sentidos devagar e um de cada vez!”
Charles Mackay a respeito da tulipomania, Popular Delusions and the Madness of Crowds, 1841
Os instrumentos financeiros não são nenhuma novidade; todavia, estão sempre a ser inventadas novas variantes. E os instrumentos financeiros excessivamente complexos que prometem enriquecer todos, mas acabam por arruinar indivíduos, empresas e até economia inteiras também não são novos. O primeiro esquema infalível de enriquecimento rápido a ser congeminado foi igualmente o motivo da primeira “bolha” económica, à qual rapidamente se seguiu o primeiro grande crash económico. Teve lugar nos Países Baixos, em 1636-7, e o objeto improvável da primeira mania financeira de sempre foi uma flor recém-introduzida na Europa via Império Otomano, a tulipa.
Estabelecendo um padrão que durou até aos dias atuais, a “bolha” da tulipomania rebentou e os preços hiperinflacionados colapsaram, causando a ruína financeira de muitos especuladores e forçando as autoridades a intervir para regular o mercado – nada disto lhe parece familiar? Sem se deixar intimidar pela experiência holandesa, os Ingleses e Franceses tiveram as suas próprias “bolhas” económicas em 1720. Outras “bolhas” famosas foram as do mercado de ações da década de 1920, a “bolha” dos ativos japonesa da década de 1980, a “bolha” dotcom da década de 1990 e a recente “bolha” imobiliária no Reino Unidos e nos Estados Unidos, que está na raiz da contração do crédito.
O poder das flores
A invenção de novas tecnologias sempre foi um terreno fértil para a súbita inflação de “bolhas” de ativos. No início da década de 1840, o Reino Unido foi dominado por uma febre especulativa em torno do desenvolvimento de um novo meio de transporte de carga e passageiros, que ficaria para a história como a “mania ferroviária”. As primeiras linhas comerciais a transportar passageiros em quantidades significativas foram criadas na década de 1830, ligando os principais centros industriais, cidades e portos da Grã-Bretanha, e, em 1840, as ferrovias estavam a dar bons lucros aos investidores. Nos anos seguintes, bancos, grandes empresas, especuladores e um grande número de novos investidores da classe média, interessados em ficar com a sua fatia do bolo económico, começaram a aplicar o dinheiro em ações ferroviárias, sem verificar se a empresa em que estavam a investir era viável ou sequer honesta.
A tulipa é uma flor da Ásia Central que despertou pela primeira vez a atenção dos Europeus nos jardins do Palácio Topkai em Constantinopla (atual Istambul), Turquia. No século XVI, mercadores e diplomatas trouxeram bolbos de tulipa para a Europa, primeiro para França e depois para os Países Baixos, onde esta flor se foi tornando cada vez mais procurada como artigo de luxo e símbolo de estatuto. Na década de 1590, o botânico Charles l’ Ecluse criou uma coleção de tulipas nos jardins botânicos da Universidade de Leiden, lançando assim as bases da indústria holandesa de tulipas. Os produtores desenvolveram rapidamente novas variedades, com uma estonteante diversidade de formas, padrões e cores, cada qual com um nome pomposo, muitas vezes antecedido pelos títulos de “almirante” e “general”.
De um modo geral, as tulipas são cultivadas a partir de bolbos (também podem ser usadas as sementes, mas este método dá flor muito mais devagar). O bolbo em flor cria um clone de si mesmo, além de botões, que depois também se transformarão em bolbos. A tulipa tem um breve período de floração que dura apenas uma semana no final da primavera, podendo os novos bolbos ser desenterrados no verão. Com a crescente procura de novas e raras variedades, os comerciantes desenvolveram uma série de inovações financeiras que ainda hoje são utilizadas nos mercados financeiros. O mercado à vista incluía os meses de verão e, durante o resto do ano, os comerciantes assinavam contratos para a compra dos bolbos da temporada seguinte – por outras palavras, contratos de “futuros”. Não demorou muito até que um comerciante mais empreendedor tivesse a ideia da “venda a descoberto”, ou seja, apostar que o preço de uma determinada variedade ia descer em lugar de subir e, embora esta prática fosse proibida em 1610, a regulamentação teve de ser reforçada outras três vezes entre 1610 e 1636.
A “bolha” das tulipas começou a encher no início da década de 1630, quando os preços cobrados pelas variedades mais desejáveis aumentaram com a entrada de especuladores locais e estrangeiros no mercado. Em 1636, o comércio era tão acelerado que os Holandeses estabeleceram o primeiro mercado formal de futuros em Haarlem e as tulipas eram negociadas em bolas de valor em toda a Países Baixos. Os preços continuaram a subir até que perderam qualquer contacto com o valor real dos bolbos comercializados. Segundo Charles Mackay [poeta, jornalista e compositor escocês], um bolbo raro foi trocado por mercadorias no valor de 2500 florins (aproximadamente 35 mil dólares norte-americanos atuais). A febre especulativa atingiu o seu auge no inverno de 1636-37, com gente de todas as classes a arriscar as suas economias e meios de subsistência no mercado das tulipas. Uns poucos sortudos fizeram fortuna, mas, quando a “bolha” rebentou em fevereiro de 1637 e os preços das tulipas caíram a pique, aqueles que ficaram com os bolbos perderam todo o seu dinheiro.
Imagem de abertura cedida por Freepik.
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