Por motivos que não são para aqui muito relevantes, passei grande parte dos dois últimos dias a fazer limpezas com uma amiga moldava.
Conhecemos-nos há muitos anos mas só ontem tive o testemunho, contado na primeira pessoa, de como era viver na antiga União Soviética. E houve duas coisas que me impressionaram mais que as outras. Sei muito bem que a ausência de liberdade de expressão era uma realidade do nosso pais também, como continua a ser por muitos locais do mundo. Felizmente é algo que apenas consigo imaginar porque nunca tive que calar o que quer que fosse por medo das consequências.
A outra informação que me impressionou foi o facto de as pessoas não poderem, nessa época, sair do seu país a menos que tivessem motivo e autorização superior. Caso desertassem havia consequências para os familiares, e não podiam regressar a menos que estivessem dispostos a passar vários anos na prisão.
Enquanto varria o chão, um arrepio assolou-me. Ao longo da história da humanidade os crimes e repressões têm sido tantos que não percebo porque é que há coisas que ainda me espantam. Imaginei-me presa no meu país, sem liberdade para ir para a parte do mundo que bem entenda. Imaginei-me a não poder escrever as minhas opiniões e visões da vida. E depois, de vassoura na mão, fui indo de atrocidade em atrocidade e imaginei a fome, os racionamentos, as bombas a cair...
A suave brisa continuou a soprar e os pássaros a cantar, indiferentes ao meu desconforto.
- Sabes Ana?- ela interrompeu-me os pensamentos. - Se só houvesse mulheres a mandar no mundo, não haveria guerras! Nenhuma mulher manda os seus filhos para a guerra!-
Não fui capaz de lhe responder. Não tenho tanta certeza. A maldade não escolhe géneros. A insanidade que o poder traz não se compadece com sexos. Fiquei a pensar que o poder é um dos maiores monstros que engole o Homem (seja macho ou fémea). Poderoso não é quem tem poder. É quem lá chega e consegue manter-se humilde... e humano.
Ana Amorim Dias
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