O Parlamento Eutropeu aprovou na semana passada, por 394 votos a favor e 196 contra, uma proposta não-vinculativa cujo objetivo é criar um “roteiro contra a homofobia e a discriminação com base na orientação sexual e na identidade de género”. A relatora do proposta é a eurodeputada austríaca Ulrike Lunacek, eleita pelo Grupo dos Verdes, membro da Comissão para a Igualdade de Género e co-presidente do Intergrupo LGBT. Ulrike Lunacek considera que este roteiro terá efeitos práticos já nas próximas eleições europeias, marcadas para 22 a 25 de Maio.
O relatório diz que a Comissão Europeia deve trabalhar com a Organização Mundial de Saúde para que a transexualidade (“disforia de género”) seja eliminada da lista oficial de perturbações mentais. É a primeira vez que o Parlamento assume posição tão clara sobre a chamada “despatologização” da transexualidade?
O Parlamento adotou posições semelhantes por três vezes desde Setembro de 2011.
Mas porque é que o Parlamento se está a pronunciar sobre uma discussão de âmbito médico?
Ulrike Lunacek: A única maneira que tenho de responder a essa pergunta é remeter para as respostas que a Comissão Europeia já deu ao Parlamento.
O relatório dá especial atenção às pessoas transgénero (transexuais e intersexuais). Concorda que se trata de um dos temas mais desprezados no domínio do combate à discriminação?
Ulrike Lunacek: Não se pode fazer essa generalização. Por um lado, as pessoas transgénero dificilmente passam desapercebidas no local de trabalho, por exemplo; enquanto lésbicas, gays e bissexuais podem conseguir esconder a sua orientação sexual. Isto que dizer que a transexualidade é mais visível e está mais sujeita a ameaças ou ataques. Por outro lado, a reivindicação de direitos para gays e lésbicas, incluindo o casamento e a adoção, é mais vezes encarada como uma ameaça aos “valores tradicionais e à família” do que a reivindicação de direitos para os transgénero – que se entende terem apenas nascido no corpo “errado”. Curiosamente, quando fui deputada na Áustria [2000-2010], o Partido Popular Austríaco (ÖVP) negociou uma coligação connosco, os Verdes, em 2003, e nessa altura aceitava a aprovação da mudança de sexo no registo civil para pessoas transgénero sem necessidade de cirurgia [como existe em Portugal desde 2011, com a Lei da Identidade de Género. No entanto, não aceitavam de maneira nenhuma a aprovação do casamento entre pessoas do mesmo sexo. As negociações acabaram por falhar e o ÖVP coligou-se, sim, com o Partido da Liberdade, de Jörg Haider, um homossexual no armário casado com uma mulher.
Há uma frase obscura no relatório aprovado: “Os Estados-Membros que adotaram legislação sobre coabitação, parcerias registadas ou casamentos de casais do mesmo sexo devem reconhecer as disposições similares adotadas por outros Estados-Membros.” Quer isto dizer que os países da União Europeia são instados a legalizar o casamento gay mesmo que já tenham figuras legais como as uniões de facto para homossexuais?
Ulrike Lunacek: O que estamos a sugerir é que os estados-membro que já reconhecem uniões do mesmo sexo no seu território reconheçam também uniões do mesmo sexo de outros estados-membro. Por exemplo, a França e a Finlândia têm parceriais civis registadas [semelhantes às uniões de facto portuguesas], mas uma parceria francesa é considerada inexistente pelas autoridades finlandesas. Isto torna particularmente difícil para os casais do mesmo sexo a circulação entre países. Para haver esse reconhecimento, hoje, um casal teria primeiro de desfazer a sua parceria em França, o que é uma opção pouco viável e digna.
Quais são os países particularmente visados por esta moção? O documento fala de igualdade e não-discriminação, mas essas questões, do ponto de vista legal, já estão resolvidas na maior parte dos países europeus.
Ulrike Lunacek: Não nos dirigimos a qualquer país em particular. Infelizmente, a igualdade e a não-discriminação ainda não existe em todos os estados-membro, nem mesmo do ponto de vista das leis. Existe, com força de lei, em relação ao mercado de trabalho mas ainda não está implementado de forma robusta em todos os estados-membro. No acesso a bens e serviços, como seja o arrendamento ou a estada num hotel, estamos longe de ter direitos iguais para todos: neste particular, a diretiva anti-discriminação continua presa no Conselho Europeu apesar da aprovação pelo Parlamento há já cinco anos.
Que resultados práticos terá este roteiro? Prevê algumas mudanças concretas no que diz respeito à homofobia e transfobia na Europa?
Ulrike Lunacek: A política tem que ver com leis e com sinais. O amplo apoio que o meu relatório teve, contra grupos de pressão religiosos ultraconservadores ou nacionalistas, é um sinal muito positivo para a comunidade LGBTI [lésbicas, gays, bissexuais, transgénero e intersexuais] e os nossos aliados. Podemos usar este roteiro – a ILGA Europa já o faz na demonstração de apoio aos candidatos às próximas eleições europeias – para que os futuros candidatos a deputados e os candidatos à Comissão e à presidência das Comissão se comprometam com estes objetivos.
Bruno Horta
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